Título: Abrindo portas
Autor: Dias, Alvaro
Fonte: Jornal do Brasil, 18/01/2009, País, p. A14

VICE-LÍDER DO PSDB NO SENADO

OPrograma Bolsa Família (PBF) foi idealizado para combater a fome e a miséria na esteira da promoção da emancipação das famílias mais pobres do país. Em verdade, o PBF unificou os procedimentos de gestão e execução de transferência direta de renda com condicionalidades do governo federal. Foram fundidos os programas assistenciais da gestão Fernando Henrique Cardoso, como o Bolsa Escola, o Vale Gás e o Bolsa Alimentação, em um só programa, nascendo o atual Bolsa Família.

Tenho observado que há um visível constrangimento quando se propõe uma discussão qualificada sobre o Bolsa Família. A falta de debate subverte regras consagradas por uma sociedade pluralista, sem falar que atenta contra o próprio regime democrático.

Sem qualquer veleidade, submeti ao debate do Senado projeto de lei que muda o conceito do Programa Bolsa Família. Sem extingui-lo, pretendo fazer dele instrumento de estímulo ao trabalho e à qualificação profissional.

Não poderia deixar de lembrar a saudosa ex-primeira dama Ruth Cardoso. Dona Ruth, antropóloga competente, detentora de uma visão muito lúcida sobre a exclusão social, propugnava a afirmação da cidadania e o fomento de atividades produtivas, geradoras de trabalho e renda, com ressalvas aos laços de dependência crônica ao Estado e às encruzilhadas sociais sem saída do assistencialismo. O Programa Comunidade Solidária, uma arquitetura inteligente de combate à exclusão, concebido sob a sua batuta, não pode ser esquecido.

O objetivo do debate não é iniciar uma polêmica sobre os matizes do assistencialismo emergencial e suas vertentes clientelistas. É necessário trazer ao debate qualificado a necessidade de nos debruçarmos sobre o alerta de tantos especialistas e estudiosos da matéria: os programas de transferência de renda não podem ser vistos como uma panacéia e devem necessariamente vir acoplados de políticas estruturais mais abrangentes, que visem garantir o sustento da população assistida por meio do trabalho.

A acomodação gerada pelo PBF e a ausência de uma "porta de saída" me inspiraram a apresentar esse projeto de lei que objetiva oferecer uma alternativa factível capaz de minimizar os possíveis efeitos da acomodação, criando um portal de saída que preserva a dignidade humana e assegura trabalho e renda.

O Bolsa Família completou no mês passado cinco anos de existência. As pesquisas demonstram que vem atingindo suas metas. Segundo dados divulgados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, desde 2003 mais de R$ 41 bilhões já foram desembolsados com o Bolsa Família, que hoje beneficia aproximadamente 11 milhões de famílias.

Considerando a gravidade da questão social no Brasil, evidenciada pela elevada concentração de renda, o programa funciona, de fato, como um importantíssimo mecanismo de política social. É, no entanto, inegável o desvio de finalidade. Não há como ignorar seu conceito eminentemente assistencialista. Passa a idéia da impotência humana. Elege como incapazes todos os seus beneficiários. Não contribui para o exercício pleno da cidadania dividindo a sociedade entre cidadãos de primeira e de segunda classe. Oferece pouco e não pede nada.

De outro lado, transformaram-no em ferramenta eleitoreira. É como se a corrupção eleitoral estivesse sendo institucionalizada. A compra do voto com dinheiro público fica evidenciada na condenável exploração da "oferenda" durante as campanhas eleitorais. A solução é a mudança do conceito.

Os especialistas têm demonstrado que uma estratégia social mais eficiente dependeria de melhor integração dos diversos programas, criando "portas de saída". É necessário incrementar ações interministeriais que articulem programas em áreas como educação, saúde, microcrédito, geração de emprego e treinamento profissional.

O projeto que apresentei pretende ser uma contribuição para a solução do problema. Trata-se de incentivar o emprego, naturalmente com estrita observância às leis trabalhistas e previdenciárias, de pessoas que estejam recebendo o benefício. Haverá vantagem para o beneficiário, na medida em que deixará de receber um benefício pequeno para assegurar, na pior das hipóteses, um salário mínimo, com toda a cobertura previdenciária e inserção no mercado de trabalho. Para o empregador, haverá a diminuição do valor gasto em contribuições sociais. Já para o Erário a medida é neutra, pois o que deixar de arrecadar em contribuições sociais corresponderá a uma despesa que deixará de ter no programa - o benefício ficará bloqueado enquanto perdurar o emprego e, portanto, a dedução. Esperamos contribuições que possam aperfeiçoar essa iniciativa, abrindo portas à valorização de milhões de brasileiros apartados da cidadania.