Valor Econômico, n.5208, 16/03/2021. Brasil, p.A2

 

Sem votação do Orçamento, ministério enfrentam restrições para investir

Lu Akio Otta

16/03/2021

 

 

Estratégia tem sido obter verbas extras por intermédio de emendas parlamentares

No meio de março e ainda sem o Orçamento de 2021 aprovado, ministérios vêm seus cronogramas de investimento atrasar. E, em meio a um duro ajuste fiscal, reforçam sua articulação no Congresso para elevar suas verbas por meio de emendas de parlamentares. Esse é o retrato que o Valor colheu, ao consultar os ministérios sobre a discussão da peça orçamentária.

Segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, só é possível executar despesas correntes de caráter inadiável, enquanto o Orçamento não estiver aprovado. Por exemplo: é possível pagar salários. Para esses gastos, é liberado a cada mês um duodécimo da verba prevista para o ano.

Despesas de outros tipos não podem ser feitas. “Portanto, os investimentos previstos no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] 2021, no montante de R$ 63,2 milhões, não podem ser executados”, informou o Ministério da Agricultura.

“Tais condições restritivas trazem impactos significativos, principalmente em relação às despesas de capital, uma vez que não é possível realizar novas contratações de investimento e contratos em andamento com baixo saldo de empenho ficam limitados”, disse o Ministério da Infraestrutura.

“Na tentativa de mitigar tais dificuldades, as diversas unidades do ministério promoveram ajustes nos cronogramas dos contratos para se adequarem aos saldos de empenho disponível, evitando assim a desmobilização das empresas, bem como mantendo as condições mínimas de conservação do sistema de transporte pelo qual a pasta é responsável.”

O Ministério da Defesa, por sua vez, informa que não houve impacto no cronograma de investimentos nem em outras políticas públicas. Mas afirma que dispõe de menos recursos do que o necessário, conforme a proposta de Orçamento deste ano. As despesas primárias da pasta correspondem a 1,4% do PIB, quando seriam necessários 2% do PIB “para a recuperação do poder de combate, conforme consta no documento da Estratégia Nacional de Defesa, entregue ao Congresso Nacional em 2020”. As Forças têm continuamente cortado gastos de custeio.

O Ministério de Minas e Energia informou que aguarda a aprovação do Orçamento para executar os investimentos previstos para 2021. Mas avalia que até o momento não houve impactos significativos devido à demora. Órgãos que não têm investimento como foco principal sentem menos o impacto do atraso. “As políticas públicas sob a responsabilidade do Ministério da Cidadania estão em plena execução”, informou a pasta.

Da mesma forma, as ações a cargo do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos não foram interrompidas. “Existe a permissão para execução de despesas de custeio de caráter inadiável, até o limite de um doze avos”, disse, por meio de nota. “Tal autorização permite o atendimento das principais políticas desta pasta.”

O Ministério da Justiça e Segurança Pública também tem funcionado com base nos duodécimos, segundo informou. A expectativa é que o Orçamento seja votado até o fim deste mês no Congresso e sancionado em abril

Um dos mais bem-sucedidos nessa estratégia de obter emendas de parlamentares é o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. No ano passado, ele conseguiu R$ 2,5 bilhões extras. Na proposta de Orçamento deste ano, sua pasta recebeu R$ 7,65 bilhões para despesas discricionárias, o que “certamente será objeto de ampliação com emendas parlamentares”, segundo o ministério.

O expediente é utilizado por outras pastas, como o Ministério da Cidadania. O Ministério da Agricultura contava com R$ 1,3 bilhão para despesas discricionárias na proposta do Orçamento de 2021. Solicitou mais R$ 2,8 bilhões, mas não foi atendido. Após o envio da proposta ao Congresso, porém, foram feitos entendimentos para mais R$ 650 milhões em verbas.

A pasta informa que, embora a LDO permita o uso de um duodécimo das verbas de custeio a cada mês, o decreto que contém a programação de gastos do governo restringe o gasto a 1/18. Por isso, vai pedir ampliação do limite.

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Projeto altera LDO para poder pagar salário de abril

Edna Simão

Mariana Ribeiro

16/03/2021

 

Medida foi necessária porque desembolso estava travado pela “regra de ouro” das contas públicas

Sem o Orçamento deste ano aprovado, o governo foi obrigado a encaminhar um projeto de lei ontem ao Congresso Nacional para alterar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 e, dessa forma, assegurar o pagamento dos salários dos servidores públicos em abril. O texto, que ainda precisa de aprovação do Legislativo, viabilizará a execução de parte dos gastos que estão travados devido à “regra de ouro” das contas públicas - que determina que o governo não pode se endividar para cobrir gastos correntes.

Segundo fonte ouvida pelo Valor, a expectativa é que a peça orçamentária deste ano seja votada entre os dias 22 e 26 de março. A previsão anterior era de que até o dia 20 o Orçamento estivesse aprovado. “O PL é necessário dado o atraso na aprovação [do Orçamento]”, explicou um técnico da área econômica.

Ao informar o envio do projeto de lei ao Congresso, o Ministério da Economia informou que o principal objetivo da proposta é permitir a execução de programações orçamentárias que estão condicionadas à aprovação das operações de crédito limitadas pela “regra” de ouro e que dependeriam da aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021 para serem remanejadas.

Segundo a pasta, com a aprovação da lei, será possível utilizar, por exemplo, o valor do superávit financeiro apurado em balanço patrimonial de 2020 para substituir as fontes de operações de crédito.

“O valor a ser substituído ainda está em análise, mas não será suficiente para cobrir a totalidade das ações”, acrescenta em nota. Atualmente, o ministério calcula que a insuficiência relacionada à “regra de ouro” está em R$ 453,715 bilhões.

A proposta trata da substituição das fontes de operações de crédito por qualquer outra, mas o ministério explicou que o superávit financeiro seria responsável pelo valor mais expressivo. Em nota, a pasta afirmou também que a medida dará maior flexibilidade à União para efetuar ajustes nas programações orçamentárias na fase provisória, ou seja, até que seja aprovada a LOA, ainda em tramitação no Congresso.

Entre as despesas que atualmente demandam recursos para o pagamento, o governo destaca a folha de pagamento de pessoal ativo de alguns órgãos e entidades do Poder Executivo, os precatórios, as aposentadorias e pensões do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e serviços públicos essenciais, como a operação de carro-pipa no semiárido brasileiro.

O ministério explica ainda que as programações que tiverem as fontes de recursos de dívida substituídas serão executadas de acordo com o que está na LDO e, assim, não haverá liberação integral. “A suficiência continua a depender da aprovação da LOA”, explicou em nota.

Para ter validade, o projeto de lei enviado ontem precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional, ou seja, em sessão conjunta por deputados e senadores.

Já o Orçamento de 2021, apresentado no fim de agosto do ano passado pela equipe econômica, ficou atrasado frente às demandas geradas pela pandemia e ainda aguarda análise dos parlamentares. A ausência da peça orçamentária limita a execução orçamentária pelo governo.