Valor econômico, v. 21, n. 5193, 23/02/2021. Política, p. A10

 

Jungmann diz que há apreensão entre militares da reserva

André Guilherme Vieira

23/02/2021

 

 

Decreto presidencial sobre armas provoca reações

Autor de uma carta aberta a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o decreto presidencial que aumentou o acesso a armas, o ex-ministro da Segurança Pública e da Defesa Raul Jungmann disse que militares da reserva e integrantes de setores policiais externaram a ele preocupação com as potenciais consequências da iniciativa do presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o ex-ministro da Defesa, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também se mostraram preocupados.

“Trata-se de alertar para o fato de que esse derrame de armamentos na população pode ter consequências muito graves exatamente para quem se armar. Além de conflitos pelo país, há a possibilidade de questionamento de resultados de eleições e de ocorrer o que aconteceu no Capitólio dos Estados Unidos”, afirma, fazendo referência à invasão do parlamento americano, em 6 de janeiro. Na ocasião uma multidão de partidários de Donald Trump - incitada pelo próprio presidente - dirigiu-se ao edifício invadindo e depredando gabinetes. Houve cinco mortes.

Segundo Jungmann, o estímulo do presidente Jair Bolsonaro ao armamento da população civil caminha para a deflagração de uma guerra civil com potencial para se converter em genocídio étnico no Brasil,

Na carta aberta enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), Jungmann pediu aos ministros que vetem as iniciativas de Bolsonaro. “O armamento em massa representa a quebra do monopólio da violência legal do Estado nacional, que, se quebrado, pode nos conduzir a uma situação de conflito interno e até chegar no limite da figura horripilante de uma guerra civil, de um conflito armado entre brasileiros”, diz.

“Olhando para a história, toda vez em que se armou a população isso foi sempre o rastilho de pólvora para um grande desastre, para tragédia, genocídio, massacre, eliminação de etnias, de raças”, afirma o ex-ministro que atuou na intervenção federal decretada no Rio de Janeiro em fevereiro de 2018, durante a gestão do presidente Michel Temer (MDB).

Durante o processo, as Forças Armadas assumiram a responsabilidade pelos comandos das Polícias Civil e Militar no estado fluminense.

Jungmann afirma que o Estado brasileiro e a Constituição contam com dispositivos legais que podem ser usados para conter a iniciativa armamentista do presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, uma inação dos Poderes pode dar espaço para que milícias e o crime organizado em geral se fortaleçam.

“Em primeiro lugar a Constituição e depois os Poderes constituídos. Está aí o apelo ao Supremo porque, inclusive, esse afrouxamento de controles e regras sobre as armas termina no fortalecimento do crime organizado, de milícias, com desvios de armas justamente para aqueles que devem ser combatidos”.

“Se o cidadão de bem preencher os requisitos para ter uma arma e seguir a lei, não há problema. Mas quando o presidente diz ‘vamos armar o povo para se defender e eu quero todo mundo armado para defender a liberdade’, evidentemente que se está fazendo pouco e ferindo de morte as Forças Armadas e as polícias, ao mesmo tempo em que estimula o conflito entre os brasileiros”, diz.

De acordo com o ex-ministro, “há uma atitude reiterada de negação da ciência, reacionária, que busca se posicionar contrariamente a valores humanitários e que está dentro de uma onda global negacionista e de corrosão das instituições democráticas. Um exemplo é a atitude do deputado Daniel Silveira, que usa a liberdade de expressão para atacar a democracia”.

Jungmann, no entanto, considera “fantasiosa” a hipótese de Bolsonaro impor-se como autocrata por meio de um golpe militar amparado pelas Forças Armadas. “Não há a menor possibilidade de ocorrer um golpe, as Forças Armadas não estão nada dispostas a isso. Estão absolutamente fechadas com a Constituição. E existem os ‘remédios’ democráticos da Constituição para prevenir isso”.