Valor econômico, v. 21, n. 5186, 10/02/2021. Política, p. A9

 

Bolsonaro deixa Mourão de fora de agendas

Matheus Schuch

10/02/2021

 

 

Presidente volta a agir para isolar vice

Cada vez mais distante do presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão ficou de fora ontem das principais agendas do Planalto. Pela manhã, não foi chamado para a reunião ministerial, onde sempre teve assento ao lado do presidente. Horas depois, não compareceu à cerimônia de lançamento de um programa para conservação de unidades da Amazônia, que é justamente sua principal área de atuação no governo.

A reunião ministerial não estava na agenda de Bolsonaro e só foi confirmada por sua assessoria quando o encontro estava perto do fim. Dos 23 ministros, o único que não compareceu foi o titular das Comunicações, Fábio Faria, que está em viagem oficial no exterior. Os ministros foram convocados um a um pelo presidente para a primeira conversa conjunta após as eleições das mesas diretoras da Câmara e do Senado.

Ao chegar em seu gabinete, após a reunião ministerial, Mourão confirmou que não recebeu convite. “Não fui convidado, não fui chamado, então acredito que o presidente julgou que era desnecessária a minha presença”, comentou.

Visivelmente desconcertado, minimizou o caso e disse não ter ficado incomodado. Mais tarde, quando questionado sobre sua ausência na cerimônia que tratava de conservação da Amazônia, Mourão admitiu que foi convidado e justificou: “Estava trabalhando, tinha outras coisas para fazer.”

A escalada de atritos entre os dois intensificou-se nas últimas semanas, quando Bolsonaro foi a público dizer que não aceitaria opiniões do vice sobre a composição da equipe ministerial. Na ocasião, Mourão havia dito em uma entrevista que, após as eleições da Câmara e do Senado, deveria haver mudança no primeiro escalão para acomodar a “nova composição política que emergir desse processo”, citando nominalmente o ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

As críticas a Araújo ainda encontram eco na ala militar e entre parlamentares que apoiam o governo. Em contrapartida, Bolsonaro passou a levar o chanceler a eventos e a fazer elogios públicos a ele. Ao rebater a fala do vice, disse que a especulação traz “inquietações internas que levam incerteza para a população”.

“E deixo bem claro: todos os meus 23 ministros eu que escolho e mais ninguém e ponto final. Se alguém quiser escolher, que se candidate em 2022 e boa sorte em 2023”, comentou.

Aliados do presidente no Congresso já anteciparam que Bolsonaro não pretende manter Mourão em sua chapa nas eleições do ano que vem.

Em outras situações, no ano passado, Mourão queixou-se de não ser consultado sobre temas relevantes do governo pelo presidente e atribui o problema a “intrigas palacianas” provocadas por assessores de Bolsonaro que estariam prejudicando a relação entre os dois.

Assim como outros militares, Mourão não tem boa relação com os filhos do presidente e com parte da chamada “ala ideológica”, que o acusa de não ser fiel a Bolsonaro. Há duas semanas, a desconfiança aumentou no vazamento de uma troca de mensagens em que um assessor de Mourão teria dito a um auxiliar parlamentar que Bolsonaro estava errando muito na pandemia e que o vice seria mais preparado para conduzir o país. O assessor foi demitido por Mourão em seguida e classificou o episódio como “lamentável”.