O Estado de São Paulo, n.46337, 29/08/2020. Metrópole, p.A24

 

Bloqueio de verba ameaça parar ações antidesmate e reação faz governo recuar

André Borges

Jussara Soares

29/08/2020

 

 

Ricardo Salles anunciou suspensão de operações contra crimes ambientais a partir da próxima semana; Mourão, que preside Conselho da Amazônia, falou em “precipitação” do ministro. Recursos seriam remanejados para o Plano Pró-Brasil, que prevê ampliação de obras

O governo recuou ontem de um bloqueio no orçamento de órgãos ambientais após o ministro da área, Ricardo Salles, anunciar que iria paralisar todas as operações de combate ao desmatamento e contra queimadas florestais no País por falta de recursos. No momento em que os índices de desmate da Amazônia e do Pantanal voltaram a ser notícia internacional, a pasta informou que não haveria mais fiscalização a partir de segunda-feira.

A reação ao anúncio de Salles foi imediata. Parlamentares e organizações não governamentais que atuam no setor trataram a medida como absurda e, menos de três horas depois, o próprio ministro anunciava que os recursos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes (Icmbio), que cuida de unidades de conservação, não seriam mais bloqueados este ano.

Conforme o Ministério do Meio Ambiente, haviam sido bloqueados R$ 20,972 milhões do Ibama e R$ 39,787 milhões do ICMBIO. O corte total de R$ 60 milhões, disse a pasta, foi informado pelo assessor especial do Ministério da Economia Esteves Colnago, mas atribuído a uma decisão da Secretaria de Governo e da Casa Civil da Presidência da República, pastas comandadas pelos generais Luiz Eduardo Ramos e Walter - Braga Netto, respectivamente.

Tratava-se de decisão política, portanto, e que expõe um racha entre Salles e os militares que atuam no Palácio do Planalto (mais informações nesta pág.). Para 2021 está mantida a redução de outros R$ 120 milhões para a área ambiental.

Indagado sobre o anúncio de Salles, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que Salles se precipitou ao anunciar a suspensão de operações de combate ao desmate ilegal na Amazônia e contra queimadas no Pantanal em razão de bloqueio orçamentário. Ao criticar a atitude de Salles na noite de ontem, Mourão, que também preside o Conselho da Amazônia Legal, citou que o governo tem reduzido recursos de ministérios para pagar o auxílio emergencial a trabalhadores informais durante a pandemia, mas disse que as ações ambientais não seriam afetadas.

"O ministro se precipitou, pô. O que está acontecendo? O governo está buscando recursos para poder pagar o auxílio emergencial, é isso que estou chegando à conclusão. Então está tirando recursos de todos os ministérios. Cada ministério oferece aquilo que pode oferecer, né?", disse a jornalistas no

Palácio do Planalto. "O recurso está em aberto, não está bloqueado", disse o vice.

Salles rebateu. "Claro que existiu (o bloqueio). O bloqueio foi feito. E nós não podíamos aceitar isso", disse o ministro ao Estadão/broadcast. Apesar de o vice citar o auxílio emergencial, o pagamento do benefício, ao custo de R$ 51,5 bilhões por mês, é feito por meio de crédito extraordinário, instrumento que abre uma nova despesa no Orçamento e não demanda nenhum tipo de remanejamento de outros gastos.

O Estadão apurou que o bloqueio de verbas se destinava a dar mais recursos para o Plano Pró-brasil, que tem sido tratado no governo como forma de aquecer a economia do País no período pós-pandemia com a ampliação dos gastos públicos em obras. Após a pressão de ministros e do Congresso, o governo Jair Bolsonaro deve destinar R$ 6,5 bilhões do Orçamento para obras públicas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, queria manter o valor em R$ 4 bilhões. Dos R$ 6,5 bilhões, R$ 3,3 bilhões serão indicados diretamente pelos parlamentares e poderão ser usados para contemplar ações em seus redutos eleitorais. O dinheiro do meio ambiente, portanto, seria enxugado para alimentar essas obras.

Repercussão. Após o anúncio de Salles, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), classificou a medida como "inconstitucional", em nota enviada à Coluna do Estadão. Maia disse também, antes do recuo do governo, que a Casa iria estudar a possibilidade de sustar o bloqueio dos recursos e a desmobilização dos agentes ambientais.

"Isso pode acarretar na maior tragédia de perda de biodiversidade da história recente do nosso País", disse o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara O deputado Zé Vitor (PL-MG), que integra a base do agronegócio no Congresso Nacional, também criticou a possibilidade. "Loucura uma atitude dessas."

No início do mês, o Estadão mostrou que o Ibama havia pedido mais recursos para a Economia para as atividades de fiscalização da Amazônia não serem afetadas. Na ocasião, a pasta de Salles informou ter tentado reverter a redução de dinheiro, mas sem sucesso.

O governo tem até segundafeira para enviar o projeto orçamentário de 2021 ao Congresso. Além do Ambiente, a proposta do governo deve indicar cortes em áreas como Educação e Saúde e até o Censo Demográfico feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), previsto para 2021, corre o risco de ser adiado.