Título: Apagão custa R$ 1,2 bilhão
Autor: Temóteo, Antonio; Pinto, Paulo Silva
Fonte: Correio Braziliense, 24/03/2013, Economia, p. 8

Vàlor que as concessionárias de energia tiveram de pagar aos consumidores desde 2010 representa só parte do prejuízo com as interrupções no fornecimento

Ficar sem energia elétrica não sai barato para ninguém. O prejuízo mensurável em reais já atinge os nove dígitos. Entre 2010, quando as concessionárias de energia elétrica passaram a ser obrigadas a pagar aos consumidores brasileiros compensações pelos cortes no fornecimento, e o ano passado, a conta ficou em R$ 1,2 bilhão. Isso cobre apenas uma parte do transtorno causado às pessoas que têm o fornecimento de luz interrompido.

O valor foi calculado com base na quantidade de horas que os domicílios ou empresas ficaram sem luz e no número de apagões que aconteceram. São indicadores que demonstram a baixa qualidade do serviço, segundo especialistas. Em média, cada unidade consumidora ficou 18,47 horas sem energia nesses três anos e os desligamentos ocorreram pelo menos 11 vezes (leia quadro ao lado). Para piorar a situação do setor, os níveis dos reservatórios das principais hidrelétricas do país aferidos na semana passada estavam bem abaixo dos que foram registrados no mesmo período do ano passado.

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontam que a empresa que mais reembolsou os consumidores em 2012 foi a Centrais Elétricas do Pará (Celpa), com um valor total de R$ 67,07 milhões, seguida pela Celg, de Goiás, com R$ 52,7 milhões, e pela Light, do Rio de Janeiro, que devolveu R$ 46,5 milhões.

Os números da Aneel omitem pequenos cortes. Apenas as interrupções de mais de três minutos entram na conta. Quem já ficou preso em um elevador por qualquer período, por menor que seja, sabe o quanto é desagradável. Trata-se de um transtorno que não se mede financeiramente.

O engenheiro Fernando Umbria, da Abrace, associação que reúne grandes consumidores, explica que, para indústrias, até mesmo cortes de energia de alguns segundos causam grandes perdas. “Religar toda uma linha de produção pode levar horas ou até mesmo dias”, afirma. Em 2010, um apagão no Nordeste resultou em prejuízo de R$ 200 milhões a uma das associadas da Abrace, cujo nome não é revelado.

Esse tipo de custo inesperado, freqüente para as empresas, é ressarcido apenas parcialmente — isso quando há compensação. A diferença tende a ser repassada para os preços. Assim, o consumidor é punido duas vezes: ao ficar sem energia e quando é obrigado, sem perceber, a cobrir o rombo dos produtores.

Na avaliação da coordenado-ra-geral da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, o mecanismo de compensação criado pela Aneel é injusto por falta de transparência. Além dos apagões curtos, são também excluídos do cálculo dias considerados críticos para o sistema. Inês defende que a agência aperfeiçoe as normas sobre o assunto.

A coordenadora da Proteste ressalta que entrar com um processo contra a distribuidora é muitas vezes o único caminho para que uma perda maior seja

reparada por causa de uma interrupção no fornecimento de energia. “Enquanto mudanças na regulação não acontecem, é preciso que o consumidor reclame. Somente assim ele será ouvido”, defende Maria Inês.

ENERGIA

O crescimento na demanda por eletricidade forçará o governo a manter as termelétricas em funcionamento até 2014, uma vez que os reservatórios estão com um baixo volume de água. Nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, o nível apurado na quinta-feira, 21 de março, era 49,94% do máximo, enquanto a média em março do ano passado ficou em 80,13%, o que representa uma queda em 12 meses de 37,7%.

Embora asduas regiões tenham a maior variação negativa, em quase todo o país se vê o mesmo quadro, com chuvas insuficientes para garantir segurança no funcionamento pleno das hidrelétricas. No Norte, a queda é de 12,6%. No Nordeste, de 18,3%. O Sul é a única região onde os reservatórios estão mais cheios, com nível, na quinta-feira, 3% superior à média de março de 2012. “Essa situação dos reservatórios não traz ameaça de racionamento de energia, mas certamente os brasileiros pagarão mais caro por ela", aponta o vice-presidente daAssociação Brasileira em Autoprodução de Energia (Abiape), Cristiano Amaral.

Atualmente, todas as termelétricas do país estão ligadas. Isso representa um custo mensal de cerca de R$ 800 milhões para o sistema, que será repassado ao consumidor no próximo reajuste tarifário. “Boa parte da redução na conta de energia neste início de ano será eliminada”, sentencia Amaral.

A volta do carvão

Diante da necessidade de evitar que o país pare, o governo já cogita até mesmo utilizar carvão como combustível para hidrelétricas. Com a preocupação de manter o status do Brasil como país que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o uso do carvão foi deixado de lado no governo Lula. Mas na semana passada, o ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, afirmou que os leilões de energia do segundo semestre poderão incluir esse combustível mineral.

Os planos para o abastecimento de energia do país precisam ser revistos na avaliação do diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Ele chama atenção para as grandes dificuldades de construir novas hidrelétricas, incluindo a necessidade de licença ambiental, e defende que o governo crie um programa para desonerar a compra de equipamentos destinados a usinas eólicas.

Pires também argumenta que é necessário descentralizar a fiscalização dos serviços prestados. “Os governos estaduais precisam desempenhar esse papel porque é impossível que a Aneel em Brasflia tome todas as providências necessárias para melhorar o setor”, acrescenta. Ele afirma ainda que as empresas deveriam ser incentivadas a investir na geração da própria energia para que o sistema seja aliviado de novas pressões.