Título: À espera do primeiro tiro
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 06/04/2013, Mundo, p. 14

Coreia do Norte aconselha representações diplomáticas e organizações internacionais a retirarem funcionários do país e cita prazo para resposta. Regime posiciona mísseis para ataque. Embaixador brasileiro relata clima de calma em Pyongyang, mas não descarta conflito

Dois mísseis Musudan, capazes de atingir alvos a 3 mil quilômetros de distância, estão posicionados em suas plataformas e escondidos na costa leste da Coreia do Norte. Em resposta, a Coreia do Sul enviou seus destróieres (navios de guerra) Aegis, equipados com um avançado sistema de radar, para o Mar Amarelo e o Mar do Japão, formando uma espécie de escudo em torno do país. O porta-voz da Casa Branca, Jay Carney, afirmou ontem que um lançamento de um míssil norte-coreano não seria surpresa para Washington. O ditador norte-coreano, Kim Jong-un, parece determinado a levar sua retórica belicista às últimas consequências. Depois de autorizar um ataque nuclear contra os Estados Unidos, o regime voltou a surpreender e mandou uma carta para representações diplomáticas e organizações internacionais baseadas em Pyongyang, na qual afirma não poder garantir a segurança dos funcionários, em caso de um conflito. A mensagem "aconselha" os diplomatas a deixarem o território e pede uma resposta até quarta-feira.

Em um desafio a Pyongyang, a Rússia, o Reino Unido, a França e a Polônia anunciaram não ter planos de esvaziar as embaixadas. Consultado pelo Correio, o Itamaraty explicou que as autoridades da Coreia do Norte se dispuseram a prestar auxílio logístico na retirada. Até o fechamento desta edição, o governo brasileiro não havia decidido se atenderia ou não a recomendação. O Brasil mantém, em Pyongyang, o embaixador Roberto Colin e um oficial de chancelaria. "É óbvio que nós seguimos com preocupação a escalada da retórica na Península Coreana e estamos em contato permanente com o nosso embaixador. Nós avaliaremos as condições, antes de tomarmos uma decisão", declarou ontem o chanceler Antonio Patriota.

Por telefone, de Pyongyang, Colin afirmou ao Correio que o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Norte reuniu, na tarde de ontem, todos os chefes de missões diplomáticas no país. "Fomos recebidos pelo vice-ministro de Negócios Estrangeiros, que considerou a crise "extremamente grave" e a mais séria desde o fim da Guerra das Coreias, e culpou os Estados Unidos. Eles pediram que informássemos sobre nossas intenções até 10 de abril, se pretendemos transferir a embaixada", disse. Segundo ele, o clima em Pyongyang é de tranquilidade. "O principal jornal daqui não cita o conflito na capa há mais de uma semana", acrescentou. Apesar de crer numa manobra dissuasiva do regime de Kim Jong-un, o embaixador não descarta um conflito. "O risco de um acidente sempre existe. A Zona Desmilitarizada, que divide as duas Coreias, no Paralelo 38, é a região mais militarizada do mundo. Existe o perigo de que um acidente qualquer fuja do controle", admitiu.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras agências da ONU "não têm previsões" de retirar seus funcionários de Pyongyang. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) adiantou que "o dispositivo no país continua o mesmo".

Para o sul-coreano Jae-Jung Suh, professor de estudos internacionais pela Johns Hopkins University (em Washington), as declarações agressivas da Coreia do Norte apresentam um padrão consistente. "Eles têm dito que tomarão medidas punitivas, caso sejam atacados ou invadidos. O movimento de tropas e de armas foi desenhado para transmitir essa mensagem", explicou ao Correio, por e-mail. "Pyongyang apela para a clássica tática da dissuasão. Ela só funciona se o alvo pretendido, os EUA, acreditar que os norte-coreanos são loucos o bastante para realizar uma ofensiva. Eles cumprirão com a ameaça? Acho que ninguém pretende descobrir isso", disse Suh.

Míssil

A agência de notícias sul-coreana Yonhap, citando fontes da inteligência militar de Seul, garantiu que a Coreia do Norte pode lançar um míssil em 15 de abril, aniversário do nascimento de Kim Il-sung, fundador do regime e avô de Kim Jong-un. "Não ficaria surpreso se Pyongyang lançasse um foguete", comentou o norte-americano Scott Snyder, diretor do Centro para Política EUA-Coreia do Instituto The Asia Foundation (em Washington). O analista acredita que Kim precisará tomar essa medida para levar adiante sua dissuasão.

Duyeon Kim, especialista do Centro para Controle de Armas e Não Proliferação (também em Washington), suspeita que a propaganda bélica da Coreia do Norte busca criar uma situação volátil pré-guerra na Península Coreana, a fim de justificar suas demandas por um tratado de paz que substituiria o armistício de 1953 — assinado com a Coreia do Sul — e forçaria a expulsão das tropas americanas. "A posição adotada pelos EUA tem sido a de proceder com a desnuclearização, primeiro, antes de começar os diálogos de paz. Pyongyang afirma que se sujeita às Convenções de Viena, ao informar as embaixadas e as organizações internacionais, mas a sua intenção verdadeira é desconhecida", alerta.

O apelo de Fidel Castro

O líder cubano Fidel Castro convocou a Coreia do Norte e Washington a evitarem uma guerra nuclear. "Se uma guerra explodir ali, os povos de ambas as partes da Península (Coreana) serão terrivelmente sacrificados, sem benefício para nenhum deles", afirma, em um artigo publicado na primeira página do jornal oficial Granma. "Se um conflito desta índole explodir ali, o governo de Barack Obama seria sepultado por um dilúvio de imagens que o apresentariam como o personagem mais sinistro da história dos EUA", advertiu. Fidel mandou um recado a Pyongyang: "Agora que demonstrou seus avanços técnicos e científicos, lembramos seus deveres com os países que foram seus grandes amigos, e não seria justo esquecer que tal guerra afetaria, de modo especial, mais de 70% da população do planeta".