O Estado de São Paulo, n.46302, 25/07/2020. Política, p.A4

 

Redes sociais 'cancelam' aliados de Bolsonaro

Rayssa Matta

Paulo Roberto Netto

Fausto Macedo

25/07/2020

 

 

Internet. Twitter e Facebook suspendem 16 contas de empresários, influenciadores e políticos por divulgar ofensas e fake news; decisão é de Alexandre de Moraes, do Supremo

Após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Twitter e Facebook suspenderam ontem contas de 16 empresários, influenciadores e políticos investigados no inquérito das fake news. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, eles são suspeitos de usarem as redes sociais para divulgar notícias falsas, além de ofender e ameaçar autoridades, segundo investigação que corre no Supremo.

O bloqueio é necessário, segundo Moraes, para "interromper discursos criminosos de ódio". De acordo com investigação da Polícia Federal (PF), há indícios de que os donos dos perfis cometeram calúnia, difamação, injúria, associação criminosa e crimes contra a Segurança Nacional. Foram atingidos pela medida, entre outros, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB); os empresários Luciano Hang, Edgard Corona e Otávio Fakhoury; os blogueiros Allan dos Santos e Bernardo Küster; além da extremista Sara Giromini e de Edson Salomão, chefe de gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PTB-SP).

A suspensão das contas havia sido determinada por Moraes em 26 de maio. Na mesma decisão, o relator do inquérito das fake news autorizou mandados de busca e apreensão e quebra de sigilos bancário e fiscal dos 16 apoiadores de Bolsonaro, suspeitos de disseminarem notícias falsas e ataques ao Supremo. Ao receber a decisão, porém, as redes sociais responderam que não tinham como cumpri-la, pois Moraes não especificava que contas deveriam sair do ar. O ministro informou nomes, CPFS e endereços dos investigados. Mas, segundo o Twitter, faltava o nome dos perfis para evitar que outro usuário fosse suspenso por engano. Passados quase dois meses, na última quarta-feira, Moraes reiterou a ordem de bloqueio das contas, desta vez especificando os perfis dos investigados. Ele acrescentou multa diária de R$ 20 mil em caso de descumprimento.

No decorrer do processo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se posicionou contra o bloqueio da página de Otávio Fakhoury. Em manifestação apresentada em junho, Aras concordou com a defesa do empresário e declarou que a medida era desproporcional e "sem utilidade". O PGR, no entanto, opinou pela continuidade da investigação.

Funcionamento. Segundo o inquérito das fake news, foi detectada a existência de um "mecanismo coordenado de criação e divulgação" de mensagens que continham ataques contra ministros dos Supremo. Os perfis de influenciadores, como Allan dos Santos, por exemplo, utilizavam seus seguidores para criar hashtags ( palavras-chave) que atacavam o STF, para, só então, reproduzi-las em suas contas. Dessa forma, eles não seriam responsáveis pela criação das hashtags.

A PF identificou também indícios de que as publicações eram compartilhadas por meio de robôs com o objetivo de atingir número expressivo de leitores. Esse mecanismo seria financiada por empresários "de maneira velada". O uso de robôs é um dos tipos de "comportamento inautêntico coordenado" usados pelo Facebook para derrubar, há duas semanas, uma série de páginas em diversos países .

Um dos exemplos de ataques ao Supremo citados pela PF no inquérito ocorreu em 7 de novembro do ano passado, quando influenciadores fizeram publicações dizendo que a Corte é "uma vergonha" e pedindo impeachment dos ministros. Outro caso ocorreu em 9 de maio, quando Roberto Jefferson publicou uma sua foto segurando um fuzil e, abaixo, escreveu que Bolsonaro deveria "demitir e substituir os 11 ministros do STF, herança maldita".

Quem tentou acessar ontem as contas dos investigados, leu mensagens de "conta retida" e "conta suspensa em resposta a determinação legal".

Segundo o advogado Francisco Brito Cruz, diretor do Internetlab, a suspensão adotada pelo Twitter é diferente da exclusão da conta, que ocorre quando o perfil viola alguma das diretrizes da rede social. A retenção que atingiu Allan dos Santos e Roberto Jefferson, por exemplo, serve para limitar o acesso de usuários aos perfis enquanto cumpre decisão judicial em determinado país. "O Twitter está cumprindo a decisão de uma autoridade. O efeito prático é mostrar ao usuário que ele está acessando uma conta que está sofrendo uma sanção na Justiça", afirmou Cruz.

Defesas. O advogado João Manssur, que representa Fakhoury, afirmou ontem que o bloqueio das contas é "desproporcional". "A medida acarreta verdadeira censura", disse. A defesa de Sara Giromini afirmou que o inquérito das fake news tenta "calar quem não tem voz" e que pretende procurar organismos internacionais.

A defesa de Bernardo Küster classificou o episódio como "censura" e "intimidação" e afirmou que tomará medidas cabíveis. O PTB, presidido por Roberto Jefferson, chamou a suspensão da conta de 'AI-5' e disse que STF se transformou em uma 'Gestapo' – abreviação da Polícia Secreta do Estado no regime nazista. Os demais investigados não foram localizados.

O Twitter informou, por meio de nota, que "agiu estritamente em cumprimento a uma ordem legal e o Facebook afirmou que "respeita o Judiciário e cumpre ordens legais válidas" no País.

PARA LEMBRAR

Facebook já derrubou rede

Em 8 de julho, o Facebook anunciou que derrubou uma rede de contas e perfis falsos ligados a integrantes do gabinete do presidente de Jair Bolsonaro, a seus filhos, ao PSL e a aliados. Foram removidos 35 contas, 14 páginas e 1 grupo no Facebook e 38 contas no Instagram.

O anúncio fez parte de uma operação mundial de remoção de redes de desinformação que operavam em quatro territórios postando conteúdo relacionado a assuntos políticos domésticos. Além do Brasil, foram derrubadas redes nos EUA, Ucrânia, Argentina, Uruguai, Venezuela e Chile.

No material identificado pelo Facebook estavam conteúdos relacionados às eleições, memes políticos, críticas à oposição, empresas de mídia e jornalistas, além de textos sobre o coronavírus.

Os citados classificaram a medida como arbitrária.