Título: Com seca, até cemitério reaparece
Autor: Furbino, Zulmira
Fonte: Correio Braziliense, 10/01/2013, Economia, p. 12

Estiagem afeta os 34 municípios banhados pela represa da usina de Furnas, que, com reservatórios baixos, só funciona durante o dia

As oito turbinas da hidrelétrica de Furnas, a mãe dos reservatórios de energia no Brasil, que alimenta 11 usinas importantes para o país até chegar a Itaipu, na divisa do território nacional com o Paraguai, são desligadas da meia-noite às seis da manhã. Na parte do dia, a empresa gera energia, mas em quantidade bem menor do que deveria. Ontem, o reservatório, situado 220 metros acima do nível do mar, estava em 153,3 metros. Se baixar para 150 metros, atingirá seu “nível do morto”, ou seja, deixará de operar. O volume de água é tão baixo que o cemitério da velha São José da Barra, primeiro município inundado pelo lago da represa de Furnas, reapareceu.

Em Três Pontas, duas pontes que ligam o município às cidades de Paraguaçu e Elói Mendes, reapareceram e estão sendo usadas, inclusive, por caminhões pesados, depois de 11 anos submersas. A última vez que elas emergiram foi em 2001, ano do racionamento de energia no Brasil. As pontes ficaram debaixo d’água em 1962, quando o lago foi formado. Em Guapé, as ruínas da igreja da cidade velha, que está no fundo d’água há 50 anos, reapareceram. O turismo, a pesca e a agricultura na região dos 34 municípios banhados pela represa de Furnas estão prejudicados e, segundo a Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), os prejuízos chegam a R$ 100 milhões.

As perdas vão desde a queda na demanda nos postos de gasolina, que esperavam um bom movimento neste início do ano, até a redução de consumidores em supermercados, restaurantes, pousadas, hotéis e marinas. Sem contar os estragos causados na pecuária, na agricultura irrigada e na piscicultura. “São 3.500 quilômetros de área alagada. A última vez que o nível da represa caiu como agora foi em 2001”, disse o secretário executivo da Alago e presidente do Comitê de Bacias Hidrográficas do Lago de Furnas, Fausto Costa.

Quadro desolador Há nove meses, Aluísio Vicente da Silva investiu R$ 10 mil na montagem de um bar com quiosques às margens da represa, em São José da Barra. Ele esperava obter o retorno de seu investimento em seis meses, mas não foi o que aconteceu. Com a seca, a água, que está a 150 metros do estabelecimento, virou barro e ninguém quer entrar nela para nadar. “Nem sei quando vou conseguir recuperar o dinheiro que apliquei aqui. Antes de a água secar, a gente recebia cerca de 70 pessoas no fim de semana. Agora, não aparecem nem 30”, afirmou, diante de um cenário desolador.

O padre Eduardo Pádua de Carvalho é pároco em Passos, município vizinho a São José da Barra. Ele tem um rancho às margens do lago, onde passa férias todos os anos. Ele tem oito vizinhos, mas a única casa aberta é a dele. “Quem veio passar o fim de ano se assustou porque a represa ficou muito longe do rancho e não dava para puxar água. Cisternas de 22 metros secaram. Quem aparece, está indo à minha casa, a única onde ainda tem água”, ressaltou. O padre aproveitou que a represa está baixa e levou amigos para visitar o cemitério da velha São José da Barra, que emergiu novamente. Um a um, os visitantes vão levando as pedras do lugar embora.

De acordo com Aluísio Vicente, é o que vem acontecendo com a maioria das pessoas que vai conhecer o local. Só no grupo de Padre Eduardo foram duas pedras grandes. “Estamos levando como lembrança”, explicou. O prefeito de Três Pontas, Paulo Luiz Rabelo, disse que, próximo às pontes que reapareceram no meio da várzea em que se transformou a represa, há pousadas e vários restaurantes que estão “secos”. Antônio Sérgio Araújo, supervisor de Operações de Furnas, explicou que a usina cumpre um papel regulador da vazão de água para a alimentação da região e de outras usinas. Estamos gastando nossa caixa d’água. Agora, era o período de encher”, destacou.

Críticas da oposição A oposição não se sensibilizou com a reiterada negativa do governo de que o risco de racionamento de energia está afastado pela robustez do sistema. Para eles, houve falha no planejamento e as dificuldades atuais já limitam a expansão da economia. “O dilema de Dilma Rousseff é muito simples. Se houver pibão, haverá racionamento. Se houver racionamento, não haverá pibão”, resumiu Alberto Goldman, vice-presidente do PSDB. “Estou impressionado com o desprezo da presidente Dilma Rousseff à forte possibilidade de um racionamento neste ano”, afirmou José Carlos Aleluia, vice-presidente do DEM.

Ações das elétricas se recuperam Após quatro dias em baixa, as ações de empresas do setor elétrico se valorizaram, ontem, recuperando as perdas dos últimos dias, provocadas pelos temores de um possível racionamento de energia no país. A afirmação de ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, de que o risco de apagão está afastado, deu fôlego adicional ao avanço do setor, liderado pelos papéis preferenciais da Cesp, que tiveram alta de 6,72%. Segundo relatório do banco JP Morgan, as ações da estatal paulista estariam entre as beneficiadas, a curto prazo, pelo aumento de preço da energia no mercado à vista, devido ao acionamento de usinas térmicas. As preferenciais de Cemig e as ordinárias da Light completaram a lista das principais valorizações, com altas de 5,58% e 4,56%, respectivamente. O Índice de Energia Elétrica (IEE), que reúne as ações das empresas do setor, subiu 2,44%. A recuperação das elétricas ajudou o Ibovespa a subir 0,74% no dia.