Valor econômico, v.21, n.5008, 26/05/2020. Política, p. A7

 

Barroso condena "ataque destrutivo às instituições"

Isadora Peron

Murillo Camarotto 

26/05/2020

 

 

O ministro do Supremo Tribunal Federal Luis Roberto Barroso assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um discurso repleto de recados e com uma forte defesa da democracia. Barroso, que entra no lugar da ministra Rosa Weber, irá comandar a realização das eleições municipais em meio à pandemia do coronavírus, além de lidar com ações que podem levar à cassação do presidente Jair Bolsonaro e do vice, Hamilton Mourão.

"Numa democracia, política é gênero de primeira necessidade. Não há alternativa a ela", disse. "A educação, mais que tudo, não pode ser capturada pela mediocridade, pela grosseria e por visões pré-iluministas do mundo. Precisamos armar o povo com educação, cultura e ciência", complementou, sem citar o ministro da Educação, Abraham Weintraub, que em reunião ministerial do dia 22 de abril disse existir "vagabundos" no STF.

Barroso disse ainda que, como qualquer instituição em uma democracia, o Supremo está sujeito à crítica pública e deve estar aberto ao sentimento da sociedade, mas destacou que "o ataque destrutivo às instituições, a pretexto de salvá-las, depurá-las ou expurgá-las, já nos trouxe duas longas ditaduras na República". "São feridas profundas na nossa história, que ninguém há de querer reabrir. Precisamos de denominadores comuns e patrióticos. Pontes, e não muros. Diálogo, em vez de confronto. Razão pública no lugar das paixões extremadas.".

O Supremo tem sido alvo de ataques da militância bolsonarista e recebeu uma espécie de advertência na semana passada, quando o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, disse que a eventual apreensão do telefone celular do presidente, no âmbito de uma investigação judicial, poderia abrir espaço para uma crise de proporções imprevisíveis.

Em nota oficial, Bolsonaro de forma indireta respondeu. "Reafirmo meu compromisso e respeito com a democracia e membros do poder legislativo e judiciário. É momento de todos se unirem. Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independência e harmonia entre as instituições da República, com respeito mútuo".

No discurso da posse, Barroso alertou ainda para a necessidade de combater as fake news nas eleições e na "atuação pervertida de milícias digitais".

Durante sua fala, o ministro afirmou que uma agenda nacional pós-pandemia tem que se pautar pela integridade, por derrotar a pobreza extrema e pela competência. "Precisamos deixar de ser o país do nepotismo, do compadrio, das ações entre amigos com dinheiro público. Precisamos derrotar as opções preferenciais pelos medíocres, pelos espertos e pelos aduladores".

Segundo ele, "em algum lugar do futuro, a pandemia vai passar, vamos retomar nossas vidas e teremos de cuidar do nosso país".

Barroso também lembrou que a Constituição de 1988 tornou possível fazer "a travessia bem-sucedida de um regime autoritário, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democrático de direito, com eleições periódicas e alternância no poder". Ele definiu a Constituição como "a grande conquista da nossa geração".

Segundo o ministro, em três décadas de estabilidade institucional, a democracia resistiu a "chuvas, vendavais e tempestades". "Não há volta nesse caminho. Só quem não soube a sombra não reconhece a luz que é viver em um estado democrático de direito, com todas as suas circunstâncias".

Sobre as eleições municipais, o ministro disse que está conversando com o Congresso e que há consenso sobre o fato de que as eleições somente devem ser adiadas se não for possível realizá-las sem risco para a saúde pública.

Ele afirmou ainda que esse adiamento deverá ser com o "prazo mínimo inevitável" e que a possibilidade de prorrogar mandatos, mesmo que por prazo exíguo, "deve ser evitada até o limite"."O cancelamento das eleições municipais, para fazê-las coincidir com as eleições nacionais em 2022, não é uma hipótese sequer cogitada".