Título: Contratos sob suspeita
Autor: Colares, Juliana
Fonte: Correio Braziliense, 23/12/2012, Política, p. 2

Auditoria da Presidência da República encontra irregularidades em três acordos assinados entre a Secretaria de Portos e o Serpro. Valor dos projetos beira os R$ 130 milhões

A Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (Ciset/PR) encontrou indícios de irregularidades em três contratos milionários firmados entre a Secretaria de Portos (SEP) e o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa pública vinculada ao Ministério da Fazenda. Os projetos somam quase R$ 130 milhões e contam exclusivamente com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Auditoria da Ciset apontou que a Secretaria de Portos dispensou licitação em favor do Serpro e não realizou pesquisa de preços, descumprindo legislação vigente e orientação do Tribunal de Contas da União (TCU). A Ciset encaminhou os dois documentos que tratam do assunto (um relatório de auditoria e uma nota técnica) ao TCU, que abriu processos de fiscalização.

A equipe de auditoria da Ciset concluiu que, apesar de haver amparo legal para a dispensa de licitação, o Serpro não é a única empresa capaz de atender a demanda da Secretaria de Portos. Ao contrário, o posicionamento dos auditores é de que os serviços poderiam ter sido contratados mediante concorrência de mercado. O que a Ciset questiona, no entanto, é a ausência de pesquisa prévia de preços de mercado, caracterizada como uma irregularidade, já que, segundo entendimento da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República, não houve nem concorrência nem justificativa suficiente para o preço acordado.

Os contratos foram celebrados entre 2011 e 2012 e dizem respeito a sistemas criados dentro do projeto Porto sem Papel. Um deles trata da implantação do portal de informações e do concentrador de dados portuários, a um custo de R$ 92 milhões. A finalidade do sistema é acelerar e desburocratizar a atracação e a desatracação de navios; e concentrar as informações referentes às embarcações em um único banco de dados que pode ser acessado por diversos órgãos, como a Polícia Federal, a Receita Federal e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O contrato previa a implantação do projeto em 32 portos, incluindo Niterói, Fortaleza, Recife e Manaus, além da manutenção dos sistemas já implantados em outros portos, como o de Santos e o do Rio de Janeiro.

Não foi a primeira vez que a Secretaria de Portos dispensou licitação sem prévia pesquisa de mercado em favor do Serviço Federal de Processamento de Dados, empresa criada para prestar atividades de tecnologia da informação a órgãos públicos. No relatório de auditoria de 2011 da Ciset, ao qual o Correio teve acesso, consta que situação semelhante já havia sido identificada no ano anterior.

Gerenciamento "A SEP não coteja os preços ofertados pelo Serpro com os serviços similares disponíveis no mercado, mas, sim, com os preços do próprio Serpro", informa a Ciset, em relação ao mais caro dos três contratos sob suspeita de irregularidades, classificando a atitude como "equivocada". E conclui: "O gestor (da área da Secretaria de Portos responsável pelas contratações) não se valeu de todos os recursos de que dispõe no sentido de avaliar as condições contratuais do ponto de vista financeiro, visando resguardar os recursos públicos repassados à SEP". Para a Ciset, a Secretaria de Portos "não seguiu a legislação, quando esta orienta a se avaliar os preços e custos, por meio de pesquisa de preços, junto ao mercado". Há até jurisprudência do TCU orientando que "eventual contratação do Serpro somente deve ser realizada desde que seus custos unitários sejam justificados por meio de pesquisas de preços de mercado", com o objetivo de garantir o que for mais vantajoso à administração pública.

Ao analisar o contrato de implantação de um sistema informatizado para o gerenciamento da cadeia logística em 12 portos públicos, a Ciset faz uma lista de itens cotados pelo Serpro com valor superior aos da tabela de preços unitários da Secretaria de Logística e Transportes de São Paulo. O custo do contrato é de R$ 15,8 milhões. A Ciset informou, por meio da assessoria de imprensa, que a irregularidade na contratação está caracterizada, mas que na auditoria não foi verificado dolo ou prejuízo aos cofres públicos. Cabe ao TCU analisar essas questões e verificar se houve ilegalidade na contratação. As penalidades previstas no regimento do TCU incluem devolução do débito e multa, além de punição para o responsável pelos contratos. O tribunal informou que os processos de fiscalização abertos para analisar as contas da Secretaria de Portos estão em fase de instrução na unidade técnica. Até o momento, não houve deliberação sobre o assunto.

Dados confidenciais como justificativa

A existência de informações confidenciais entre os dados armazenados no banco portuário foi o principal motivo alegado pela Secretaria de Portos para a dispensa de licitação em favor do Serpro. Segundo o diretor do Departamento de Sistemas de Informações Portuárias, Luis Cláudio Montenegro, parte das informações que alimentam o banco de dados são de fiscalização e precisam ser mantidas em sigilo.

De acordo com Montenegro, o Serpro participou de um projeto anterior ao que está sendo implantado. Chamado de Sisportos, era uma tentativa de criar um sistema único que envolvesse os diversos órgãos interessados na movimentação portuária. Não deu certo. Seguindo recomendações internacionais, deu-se início a um novo projeto, o Janela Única, atualmente em desenvolvimento. Segundo Montenegro, o assunto chegou a ser conversado com Dilma Rousseff, quando ela era ministra da Casa Civil, e com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. De acordo com Montenegro, nessa reunião foi feita a opção pelo Serpro, como única "instituição de confiança" para receber esses dados. Os três projetos alvo de suspeitas de irregularidades estão em andamento.

O diretor do Departamento de Sistemas de Informações Portuárias afirma que houve pesquisa de preços em relações a contratos do governo federal, incluindo outros acordos firmados pelo Serpro. Segundo Luis Cláudio Montenegro, os preços contratados pela Secretaria dos Portos foram os menores. De acordo com ele, ocorreu um extensa negociação dos acordos durante seis meses.

Manutenção de preços Em resposta ao Correio, o Serpro informou que todos os contratos firmados são supervisionados pelas áreas jurídicas da empresa e dos órgãos contratantes, com atenção às exigências legais que envolvem o objeto da contratação. No relatório de auditoria de 2011, a Ciset verificou que o Serpro se comprometeu, em proposta comercial de agosto daquele ano, a manter os preços por quatro anos. No entanto, no contrato de valor mais alto entre os três com indícios de irregularidades, os auditores constataram que há uma cláusula em que fica acertado que "os preços definidos poderão ser reajustados após um ano de vigência do contrato". Sobre o assunto, o Serpro informou que "as previsões de reajuste dos contratos são estabelecidas em torno dos índices oficiais de mercado".

Área estratégica Criado em 1º de dezembro de 1964, pela Lei nº 4.516, o Serpro surgiu com a finalidade de modernizar e dar agilidade a setores estratégicos da administração pública. A empresa desenvolve programas e serviços que permitem maior controle e transparência sobre a receita e os gastos públicos, além de facilitar a relação dos cidadãos com o governo.