Título: Análise dos vetos paralisa o Congresso
Autor: Mader, Helena; Caitano, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 20/12/2012, Política, p. 4

Sem consenso sobre a forma de votar a distribuição dos royalties do petróleo, deputados e senadores deixam todos os assuntos pendentes para fevereiro, após o recesso parlamentar

O Congresso Nacional se transformou ontem em um “ringue de boxe”, nas palavras dos próprios parlamentares. E a briga entre os representantes do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e os deputados e senadores de outros estados paralisou a Casa até fevereiro do ano que vem. Sem consenso para analisar o veto ao projeto de lei que redistribui os royalties do petróleo, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), decidiram, em reunião com líderes partidários, encerrar 2012 sem a votação do Orçamento Geral da União (leia matéria na página 6) e a apreciação dos 3,2 mil vetos pendentes. O Congresso só volta a se reunir em 5 de fevereiro, em meio a um clima ainda mais contaminado pela disputa das mesas diretoras da Câmara e do Senado.

Antes da decisão de adiar todas as pendências, os parlamentares travaram uma guerra no Congresso. No início da manhã, deputados e senadores receberam uma cédula com todos os vetos a serem analisados na sessão da tarde. Os calhamaços de mais de 460 páginas chegaram em grandes caixas ao plenário, onde foram montadas urnas para colher os votos. Mas um grupo de parlamentares armou uma ofensiva contra a votação para tentar impedir a derrubada do veto da lei que redistribui os royalties. Os representantes do Rio de Janeiro e do Espírito Santo citaram o Regimento Interno do Congresso para defender que cada veto fosse debatido individualmente, com a possibilidade de participação de 10 oradores em cada item, por até 20 minutos cada um. Com isso, o debate poderia se estender por semanas. Essa foi a estratégia para inviabilizar o início da análise dos vetos ontem.

Líder do PSDB, o deputado Bruno Araújo (PE) defendeu que os parlamentares tentassem analisar ontem todos os vetos pendentes, deixando para fevereiro apenas a questão dos royalties. “Com um acordo, levaríamos o veto dos royalties para a primeira sessão do Congresso de 2013. Isso poderia levar a uma conciliação de todos os estados da Federação. Essa proposta possibilita que não haja a paralisação e acaba com essa vergonha para o Congresso que é estocar 3 mil vetos”, explicou. “Esse veto vai ser apreciado em algum momento. Ou fazemos isso em um ambiente de construção civilizada ou vai acontecer com sérias cicatrizes nas relações políticas”, acrescentou Araújo.

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) comemorou o adiamento dos debates para 2013 e disse que isso representará um aporte de R$ 3,4 bilhões para o Rio de Janeiro no ano que vem. Esses recursos permanecerão com os estados produtores por conta do veto da presidente Dilma Rousseff, que derrubou os artigos que redistribuíam os royalties de contratos já licitados. “Para a gente, é muito melhor organizar um cronograma, cancelar essa sessão e jogar para fevereiro”, comentou o senador.

Ordem cronológica O clima acirrado entre parlamentares reflete a tensão entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. Na última segunda-feira, o ministro do STF Luiz Fux determinou que o veto ao projeto dos royalties só poderá ser analisado depois que os parlamentares discutirem em ordem cronológica todos os outros vetos que estão pendentes, alguns há mais de uma década.

Na manhã de ontem, o senador Magno Malta (PR-ES) e as deputadas Sueli Vidigal (PDT-ES) e Lauriete (PSC-ES) entraram com um novo mandado de segurança no Supremo, pedindo que a Corte anulasse liminarmente a sessão do Congresso até que fossem criadas comissões mistas para apreciar separadamente cada veto. No documento enviado ao STF, os capixabas afirmam que, ao colocar os mais de 3 mil vetos em votação no mesmo dia, a mesa diretora da Casa praticou “um verdadeiro contorcionismo” que revela “um escancarado estelionato regimental” e “uma conduta de enrubescer as ditaduras mais ferrenhas”.

O gabinete do ministro Fux esclareceu ontem que a decisão proferida pelo magistrado não impedia a votação do orçamento no Congresso, mas bloqueava apenas a análise dos vetos. O presidente da Câmara, Marco Maia, disse que a decisão de Fux bloqueava todas as votações e, com base nesse entendimento, foram suspensas as deliberações de ontem. “Não é pressão, estamos cumprindo a decisão tomada pelo Judiciário, à luz do que é a nossa interpretação”, afirmou Maia. “Vislumbramos que há uma impossibilidade de cumprir essa determinação agora, não podemos votar os 3 mil vetos sem que haja acordo entre os deputados e bancadas. Senão levaríamos semanas para apreciar esses vetos, que sobrestam a pauta de votação do Congresso”, acrescentou o presidente da Câmara.

A vice-presidente do Congresso, deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), classificou a reunião de líderes e representantes das bancadas interessadas nos royalties como “tumultuada, nervosa, agitada”. Ela criticou a postura da Casa no episódio dos vetos. “Agora não se fala mais em Federação. A questão é que todos os erros cometidos até hoje nos levaram a essa impasse. Temos 3 mil vetos para serem apreciados. Isso é culpa do ministro Fux? Talvez. Mas talvez ele tenha restabelecido a ordem. Há anos que essa Casa não se respeita”, disse Rose.

O impacto

Confira como o adiamento das votações dos vetos influi na agenda legislativa

» O Congresso Nacional só volta a se reunir conjuntamente em 5 de fevereiro. A sessão de ontem foi encerrada sem que a Casa votasse a derrubada dos vetos

» Com isso, o Orçamento da União e créditos suplementares ao orçamento só serão votados no ano que vem

» Para analisar a redistribuição dos royalties, o Congresso terá que analisar antes 3.060 vetos a outros projetos de lei, em ordem cronológica

» A análise dos vetos poderia levar até 12 dias ininterruptos, caso fosse seguido à risca o Regimento Internto, que prevê o debate em comissões e a possibilidade de 10 parlamentares discursarem contra ou a favor da medida

» A estimativa da Coordenação do Congresso Nacional é de que a apuração da votação dos 3.200 vetos (total dos dispositivos pendentes) demoraria até 192 horas para ser apurada — no mínimo oito dias corridos

» A Gráfica do Senado chegou a imprimir apostilas para a votação de todos os vetos. Ao todo, foram pelo menos 275 mil folhas para os 594 parlamentares