Título: Bola fora no primeiro dia
Autor: Ferreia, Pedro; Silva, Andrea; Sarapu, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2012, Brasil, p. 9

O começo do julgamento ficou marcado por tumulto causado, principalmente, pelos advogados do ex-policial civil. O acusado de executar a modelo a mando do goleiro Bruno será julgado em outra data, por causa da desistência de seus defensores

O julgamento do goleiro Bruno Fernandes e outros quatro acusados da morte de Eliza Samudio começou tumultuado no Fórum de Contagem, na Grande Belo Horizonte. O principal empecilho foi a decisão de Ércio Quaresma e outros cinco advogados, que desistiram da defesa do ex-policial Marcos Aparecido dos Santos, o Bola. Com isso, o julgamento foi desmembrado e o homem acusado de matar Eliza será julgado em outra data. Outro problema foi causado por Luiz Henrique Ferreira Romão, o Macarrão, que passou mal e foi levado de volta à Penitenciária Nelson Hungria. O futuro de Bruno, que está preso há 867 dias e chegou magro e abatido ao fórum, será decidido por seis mulheres e um homem, sorteados entre 43 nomes pela juíza Marixa Fabiane Lopes Rodrigues, ontem à tarde.

A demora na chegada das testemunhas fez com o que julgamento começasse às 9h50, e não às 9h. Mas os impasses no plenário do Tribunal do Júri comandados pelos advogados de Bola provocaram mais três horas de atraso. Quaresma, que chegou a defender Bruno na fase de inquérito, mas foi afastado ao ser flagrado em um vídeo polêmico em que aparece fumando crack, se transformou no centro das atenções. Foi o grande articulador do tumulto, fazendo pressão psicológica para desestruturar a juíza e cansar os jurados, segundo o jurista e professor de direito em São Paulo Luiz Flávio Gomes, que acompanha o julgamento como observador.

Quaresma conseguiu impedir o andamento normal dos trabalhos. A primeira confusão foi em relação à falta de estrutura do plenário. Ele discutiu com o defensor de Bruno, Rui Pimenta, por causa de lugares, e se desentendeu também com um dos escrivães sobre a falta de mesa, cadeiras e tomadas elétricas para instalar computadores. Criou caso, inclusive, com a quantidade de vagas destinadas à imprensa e estudantes de direito, justificando que o número de credenciamento era maior do que o espaço reservado aos familiares dos réus. Somente dois parentes de cada acusado podem acompanhar o júri.

Entre os presentes estava a dentista Ingrid Calheiros Oliveira e uma tia do goleiro. Ingrid afirmou estar no plenário na condição de mulher de Bruno e garantiu que os dois já oficializaram o casamento. “Estou muito nervosa, mas se houver Justiça em Minas, Bruno será absolvido”. Compareceram também para acompanhar um irmão de Dayanne, a mãe de Fernanda, Solange Castro, e a mulher e a filha de Bola, Denislene dos Santos e Middian Kellyn, que vestiam camisas com a foto do ex-policial civil e dos rottweilers da família, que teriam comido os restos mortais de Eliza, segundo uma linha de investigação.Do outro lado, a mãe de Eliza, Sônia de Fátima Moura, também acompanhou os trabalhos.

Ao meio-dia, a juíza instaurou oficialmente a sessão citando os cinco réus: Bruno e Macarrão, que respondem por homicídio triplamente qualificado, sequestro, cárcere privado e ocultação de cadáver, o Bola, acusado de homicídio duplamente qualificado e ocultação de cadáver; Fernanda Gomes de Castro, por sequestro e cárcere privado de Eliza Samudio e o filho, Bruninho, que na época do crime estava com 4 meses; e Dayanne Rodrigues do Carmo Souza, acusada de sequestro e cárcere privado do menino.

Contraditório Amigo de Bruno, Clayton Gonçalves foi o primeiro a depor. Arrolado pela promotoria, ele confirmou as informações prestadas à polícia, mas contradisse seu depoimento ao longo das perguntas feitas pela promotoria e pela defesa dos réus. Clayton foi detido enquanto dirigia a Range Rover de Bruno, carro em que a perícia comprovou a existência de sangue de Eliza. O rapaz estava sem o documento do carro e contou à policia que o veículo seria lavado no sítio com óleo diesel.

Ontem, porém, ele disse que sequer sabe lavar um carro. Afirmou que foi mantido na delegacia com algemas entre 6h e 11h, quando prestou depoimento. Depois, corrigiu o horário. Clayton contou ter se sentido ameaçado porque os policiais teriam dito que ele responderia pelo crime, já que dirigia o veículo. A testemunha comentou ter ouvido Sérgio Rosa Sales, primo de Bruno, dizer que “Eliza já era”. Sérgio também estava arrolado no processo, mas, em agosto deste ano, foi assassinado na capital mineira, segundo a polícia, por motivação passional.

Clayton, muitas vezes para situações diferentes, respondeu que não se lembrava dos fatos, porque havia bebido muito. O depoimento seguiu até as 19h45. A pedido da promotoria, ele ficará à disposição até que João Batista, outra testemunha de acusação, preste depoimento hoje. A ideia é de que se faça acareação entre os dois.

Para o jurista Luiz Flávio Gomes, o depoimento de Clayton foi vago e impreciso. “Há dois enigmas que temos que tentar responder todos os dias: Eliza morreu? E quem matou? E o depoimento da primeira testemunha foi muito lacunoso”, disse.

“Há dois enigmas que temos que tentar responder todos os dias: Eliza morreu? E quem matou?” Luiz Flávio Gomes, jurista