O globo, n.31462, 27/09/2019. Sociedade, p. 22

 

Novo sistema para os professores 

Paula Ferreira 

Raphael Kapa 

27/09/2019

 

 

Depois do anúncio de uma série de contingenciamentos nos repasses para as universidades federais este ano e uma perda de 9% no orçamento previsto para a Educação em 2020, o ministro Abraham Weintraub divulgou esta semana planos de contratar professores do ensino superior pelo regime CLT deforma a sanar os problemas financeiros do MEC. Ontem, ele voltou a defendera ideia e afirmou que os docentes pesam nas finanças das universidades (leia abaixo) .Mas,ao contrário do que havia sugerido anteriormente, afirmou que as contratações serão feitas por concurso.

O GLOBO ouviu especialistas para comentara proposta do ministro de mudar o modelo do Regime Jurídico Único (RJU), que garante estabilidade à carreira, para o celetista.

— (A contratação por CLT) Já acontece nos hospitais. Tem estabilidade, passa por concurso e recebe mais do que no regime de servidor. Do jeito que o orçamento está travado, ficaremos sem contratar. O Future-se (programa do MEC para financiamento de universidades) cria um instrumento para aumentara contratação de professores via CLT com concurso público. Mas tudo isso passapelo Congresso— afirmou Weintraub após o 21º Fórum Nacional de Educação Superior Particular (Fnesp).

A proposta não é um consenso na área, e estudiosos ponderam que é preciso cuidado coma mudança. Os pesquisadores citam exemplos de universidades americanas e europeias para argumentar que algum nível de estabilidade é importante para o desenvolvimento das instituições.

— O único risco no sistema de estabilidade é que alguns professores podem não se sentir motivados a continuar suas pesquisas e trabalhos de ensino após conquistá-la. Mas é pequeno quando comparado aos benefícios. O sistema de estabilidade protege a liberdade de pesquisa, essencial em qualquer universidade—opinou o professor da Universidade de Columbia e diretor do Columbia Global Centers, Thomas Trebat.

Claudia Costin, professora da FGV

“O RJU foi instituído, após a ditadura, para proteger as universidades. Existia um sentido na proposta que, hoje, engessa a universidade pública. Não é errado contratar por CLT. Na maioria das universidades do mundo, os professores não são funcionários públicos. Por que todos devem ganhar a mesma quantia no mesmo estágio de carreira se produzem de forma diferenciada? Como gerar atratividade dessa maneira? O ministro trata de ponto importante, mas não basta ter boas ideias. É necessário ter capacidade para implementá-las. Política pública se constrói com diálogo. Questiona-se se a CLT acabaria com a autonomia universitária. Esta precisa ser protegida junto com a pluralidade de vozes. A contratação por CLT faz sentido, mas as ameaças do ministro colocam a política em xeque. A contratação precisa se associar à liberdade de cátedra. Na Europa, só se pode ser demitido após processo meticuloso.”

Simon Schwartzman, sociólogo

“Sabemos que 85% a 90% dos custos das universidades federais hoje são com despesa de pessoal. Mas é óbvio que sem professores não há universidade. A longo e a médio prazo é possível reduzir as despesas contratando professores em regime de tempo parcial ou os retirando do regime de dedicação exclusiva, sobretudo aqueles que não estão envolvidos em pesquisa. A questão da forma do contrato de trabalho ser por CLT ou RJU não se limita, no entanto, ao aspecto financeiro. As universidades precisam ter condições de contratar pessoas, demitir funcionários, dentro de regras que sejam claras, mas não necessariamente as do funcionalismo público. No mundo inteiro, professores são contratados por universidades para contratos temporários que, ao longo dos anos, podem ser efetivados. As instituições deveriam poder contratar pessoas de níveis variados pagando salários diferentes.”

Remi Castioni, Professor da UnB

“Existe uma distorção na premissa de onde o ministro Weintraub partiu. Diferentemente de outros países, no Brasil é um desafio enorme casar ensino e pesquisa. O ministro, com a sinalização de contratação por CLT, quer estabelecer uma trava no gasto de pessoal. O salário de R$ 15 a R$ 20 mil que ele mencionou como parâmetro para sua crítica, no entanto, é o de quem está no final da carreira (de professor universitário). Há um outro problema que engessa a universidade: o professor não pode fazer nada diferente do que a função para a qual foi contratado. A proposta do ministro mudaria isso e, sem mudar a estrutura, não tem como flexibilizar. Um exemplo vitorioso que podemos aproveitar é o da Instituição Catalã de Pesquisa e Estudos Avançados, que atrai pesquisadores de todo o mundo para liderar diferentes áreas com pensamentos diversos, e isso centuplicou a pesquisa na Espanha.”

Thomas Trebat, professor da Universidade Columbia

“Nos Estados Unidos, a estabilidade é garantida pelas universidades a professores que demonstrem excelência em pesquisa e ensino. No sistema ‘tenure’, em geral, mesmo após três a seis anos de experiência do profissional, a estabilidade não está garantida. Destaco que o governo não tem nenhum papel em determinar quem recebe esse benefício. A universidade decide sozinha, com orientação de pares qualificados para avaliar as credenciais acadêmicas do professor. É importante notar que, uma vez que a estabilidade é garantida, o professor não pode ser demitido pela universidade por qualquer motivo relacionado à sua atuação acadêmica. Esse sistema tem uma enorme vantagem: a de permitir que pesquisadores façam seus estudos sem medo de assumir posições impopulares. Isso permite que o debate acadêmico floresça, e novas ideias sejam buscadas. E o sistema de estabilidade protege a liberdade de pesquisa, o que é essencial.”