O globo, n.31415, 11/08/2019. País, p. 04

 

A encruzilhada da Lava-Jato

Carolina Brígido 

Bruno Góes 

Aguirre Talento

11/08/2019

 

 

Após uma série de percalços nas últimas semanas, novos desafios se avizinham para a Operação Lava-Jato. No Congresso, o centrão se articula para aprovar, em regime de urgência, o projeto de lei que trata do abuso de autoridade — e que tem efeito direto sobre o trabalho dos procuradores federais. No Supremo Tribunal Federal (STF), ações questionam as decisões do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, no processo do tríplex do Guarujá e referentes ao ex presidente Lula. A Corte ainda se prepara para votar a possibilidade de réus condenados em segunda instância ficarem em liberdade. Também está na pauta a votação da liminar que define a amplitude da atuação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Em outra frente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) deve julgar, na próxima terça-feira, dois processos disciplinares contra o coordenador da Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por manifestações públicas feitas por ele. Um deles trata de críticas a ministros do STF e o outro, de declarações contra a candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL) à Presidência do Senado. Neste segundo caso, a representação foi feita pelo próprio Renan, que solicitou

o afastamento de Dallagnol. Depois que o site The Intercept Brasil divulgou diálogos atribuídos ao procurador, criou-se um clima no MP para que suas ações passem por algum escrutínio. Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) ainda não sinalizou aos líderes quando vai pautar o projeto que trata do abuso de autoridade, já aprovado pelo Senado. Entretanto, deputados do centrão ouvidos pelo GLOBO afirmam que a proposta já tem um ambiente favorável pela aprovação. Desde que as supostas mensagens trocadas entre Moro e procuradores vieram a público, deputados passaram a ver o projeto como uma forma de resposta ao que consideram excessos cometidos. O projeto determina que juízes e membros do MP fiquem sujeitos a uma pena de seis meses a dois anos de detenção se, entre outros pontos, atuarem com “evidente motivação político-partidária”. Apesar das contestações à força-tarefa da Lava-Jato — cuja renovação é feita anualmente, em setembro —houve avanços da operação neste ano, principalmente no Rio, com prisões co moado doleiro Dario Messer, que estava há mais de um ano foragido, e do empresário Eike Batista. Novas frentes começam a ser abertas com base nas delações do ex-ministro petista Antonio Palocci, assinada pela Polícia Federal, e do lobista Jorge Luz, que operava na Petrobras. Em meio aos obstáculos, o material, já distribuído para as procuradorias no Rio, São Paulo, Curitiba e Brasília, deve dar novo fôlego e empurrar a operação para novos alvos.

PAUTA DO SUPREMO

No STF, o caso mais importante para a Lava-Jato é a possibilidade de prisão de réus condenados em segunda instância. O entendimento atual da Corte pode ser flexibilizado, permitindo que os réus permaneçam em liberdade por mais tempo, até que a condenação seja confirmada pela chamada terceira instância, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). No caso do Coaf, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, concedeu liminar a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) para suspender temporariamente todas as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo órgão e pela Receita Federal sem autorização prévia da Justiça. Está marcado para 21 de novembro o julgamento em plenário do caso em definitivo. No fim de 2018, relatório do Coaf apontou operações bancárias suspeitas de 74 servidores e ex-servidores da Assembleia Legislativa do Rio. O documento revelou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz, que foi assessor de Flávio quando o filho do presidente Jair Bolsonaro era deputado estadual.

O FATOR LULA

Outro processo em foco coloca em xeque um instituto bastante usado pela Lava-Jato: a delação premiada. O ministro Edson Fachin pediu a Toffoli para incluir na pauta do segundo semestre o julgamento que decidirá se a delação dos executivos da JBS tem validade, porque os delatores teriam descumprido parte do acordo e omitido informações ao MP. Na última quarta-feira, o plenário do STF derrubou, por 10 a 1, uma decisão da juíza da 12ª Vara Federal em Curitiba, Carolina Lebbos, que transferiu o ex-presidente Lula para um presídio em São Paulo — novo revés que atingiu a operação.

A Segunda Turma deve julgar o habeas corpus de Lula ainda neste mês. A defesa argumenta que Moro não tinha isenção para conduzir o processo do tríplex.

Incertezas sobre a força-tarefa

> PRINCIPAIS DESAFIOS

> Processos disciplinares

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) deve julgar, na próxima terça-feira, dois processos disciplinares contra o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, por manifestações públicas feitas por ele contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

> Projeto contra o abuso de autoridade

O centrão se articula na Câmara para aprovar, em regime de urgência, proposta segundo a qual juízes e membros do MP ficam sujeitos a uma pena de seis meses a dois anos de detenção se, entre outros pontos, atuarem com “evidente motivação político-partidária”.

> Prisão após condenação em

segunda instância

O entendimento atual do STF de que condenados podem ser presos após decisões confirmadas pela segunda instância pode ser flexibilizado. Isso permitiria que os réus permanecessem em liberdade até a confirmação pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

> PERCALÇOS

> Decisão sobre caixa dois

Em março, o STF decidiu que processos sobre corrupção ligados à prática de caixa dois devem ser enviados para a Justiça Eleitoral. Para procuradores de Curitiba, a decisão enfraqueceu a Lava-Jato.

> Manutenção do ex-presidente Lula em Curitiba

O STF derrubou na semana passada decisão da Justiça Federal do Paraná que transferiu o petista para um presídio em São Paulo.

Ele está preso em uma sala especial na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.

> Decisão sobre o Coaf

Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, deu liminar para suspender as investigações em curso no país que tenham como base dados sigilosos compartilhados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e pela Receita sem autorização da Justiça.

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Com decisão sobre Lula, STF fez defesa institucional

Ana Clara Costa 

11/08/2019

 

 

Ao anular a decisão da Justiça Federal do Paraná de transferir o ex-presidente Lula da sede da Polícia Federal, em Curitiba, para a penitenciária de Tremembé, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu uma resposta institucional à Lava-Jato. A decisão ocorreu justamente após a divulgação de diálogos atribuídos ao procurador Deltan Dallagnol nos quais ele sugeria a investigação do ministro Gilmar Mendes e do presidente da Corte, Dias Toffoli. A leitura de juristas é a de que os ministros quiseram aproveitar a situação para fazer uma defesa institucional da Corte e passar a mensagem de que há limites para a atuação de Curitiba. Essa avaliação também leva em consideração o fato de Lula ser, hoje, o principal símbolo do sucesso da Lava-Jato. Ainda que, no Legislativo, haja uma movimentação para a aprovação do projeto de lei contra o abuso de autoridade, que tem o potencial de afetar o trabalho de procuradores e juízes, a avaliação é que a decisão mais importante a respeito da operação será do Supremo,

Para juristas, STF quis passar mensagem de que há limites para atuação de Curitiba sobre a liberdade de atuação da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Caso a liminar de Toffoli, em resposta a um pedido apresentado pelo senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), seja mantida pelos ministros da Corte, há um consenso de que não restará muito a ser feito da Lava-Jato. Os relatórios de inteligência financeira requeridos pelo Ministério Público ao Coaf são instrumentos considerados essenciais para dar andamento às investigações. Se submetidos à burocracia judicial, conforme pede o senador, tornam-se problema, não solução.

Foram também os cruzamentos de dados feitos pela Receita Federal, sem necessariamente uma autorização judicial, que possibilitaram à Lava-Jato traçar o caminho do dinheiro no caso da Petrobras. Quase 500 processos foram abertos dentro do órgão para apurar o fluxo financeiro de pessoas e empresas. Caso os ministros chancelem a restrição ao uso do Coaf e da Receita pelo Ministério Público, uma situação incoerente tende a se formar: será graças ao filho do presidente que se elegeu na esteira do combate à corrupção que a Lava-Jato poderá terá sua maior derrota —em um governo em que o ex-juiz Sergio Moro é ministro da Justiça.