Título: Classe C gasta mais com roupas
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 03/11/2012, Economia, p. 11

Essa parcela da população injetará R$ 55,7 bilhões no setor de vestuário neste ano, superando o total dispendido pelos grupos de ricos

A auxiliar de serviços gerais Júlia Viana, 54 anos, gasta, a cada dois meses, pelo menos R$ 1 mil para renovar o guarda-roupa próprio, dos filhos e das duas netas. Com um salário modesto, que preferiu não revelar, ela reconhece que a despesa, mesmo parcelada, pesa no orçamento. Mas considera o gasto como indispensável. "Mesmo pesando no fim do mês, é essencial se manter bem vestido hoje em dia. Quero que minhas netas estejam sempre bonitas", afirma.

São pessoas como Júlia que têm movimentado o comércio de vestuário brasileiro. Com acesso ao crédito, a classe C se tornou a menina dos olhos do varejo. De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Data Popular, esse grupo de consumidores representa 46% dos gastos e está disposto a colocar a mão no bolso neste ano. A previsão é de gastos de R$ 55,7 bilhões, R$ 10,2 bilhões a mais do que a estimativa prevista para as classes A e B.

Avanço real Na avaliação de Renato Meirelles, diretor do Data Popular e especialista em mercados de baixa renda, a chegada gradual do consumidor da classe C ao mercado de trabalho é o principal fator responsável pelo interesse dessa parcela de clientes na compra de roupas. Não à toa, nos últimos nove anos, segundo a pesquisa, os gastos da classe com moda tiveram crescimento real de 153,2%.

"Esse público não fica mais em casa e precisa estar bem vestido para enfrentar as jornadas de trabalho", garante Meirelles. "Os integrantes da nova classe média ocupam, geralmente, postos de atendimento ao público. Por isso, para elas, o gasto com vestuário é um investimento na busca pela boa imagem no ambiente de trabalho e de lazer", destaca. "É uma questão de autoafirmação, postura totalmente natural", acrescenta

Preocupada com o orçamento, a costureira Maria Silva, 52 anos, tenta controlar os gastos, mas admite que, ao menos três vezes ao ano, tem que renovar as roupas próprias, do filho e do marido. "Geralmente, a compra fica em torno de R$ 300. Tento ser econômica porque sei que terei que gastar de novo com vestuário em poucos meses", conta. De acordo com o levantamento do Data Popular, o gasto periódico é o mais comum entre os consumidores da classe C: 34,4% vão às compras a cada três meses.

Para o mordomo Flávio Paz, 42, os gastos com roupas só passaram a entrar no orçamento como fator essencial há cerca de cinco anos. Ele conta que, a cada quatro meses, gasta ao menos R$ 500 em roupas para a família. "As coisas ficaram mais baratas, além de os salários terem melhorado", afirma.

Segundo a professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBS) Zirene Roxo Matesco, a concorrência e as importações estimularam as empresas a investirem em roupas de qualidade, a preços acessíveis. "Hoje, a classe C está vestindo a mesma moda das classes A e B, com preços menores. São os próprios consumidores que fomentam esse mercado e buscam os últimos lançamentos nas lojas populares", assinala.

Crédito O acesso aos cartões de crédito e de débito, que facilita na hora das compras, também é apontados pela professora como os responsável pelo fenômeno notado no varejo. Para Zirene, o consumo das famílias é o que tem mantido a economia aquecida e evitado a recessão. "Há oito anos, o crédito correspondia a 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Hoje, representa 50%", diz.

A professora da FGV vai além. "Apesar de as previsões para o PIB serem pessimistas para este ano, cerca de 1,6%, a expectativa de consumo das famílias é de quase 4%, ou seja, mais que o dobro do crescimento da economia. Foi exatamente o consumo quem impediu que a economia afundasse ainda mais", considera.