O globo, n.31418, 14/08/2019. Sociedade, p. 29

 

Brasil no alvo 

Renato Grandele 

Rafaela D'elia

14/08/2019

 

 

Poucos dias depois de o governo da Alemanha suspender R$ 155 milhões que seriam destinados a projetos de preservação da Amazônia, a política ambiental do Brasil foi alvo de mais um protesto internacional. Na manhã de ontem, manifestantes do grupo Extinction Rebellion jogaram tinta vermelha na embaixada brasileira em Londres em ato contra os danos à floresta amazônica e o que descreveram como violência contra os povos indígenas da região.

Como forma de protesto, impressões de mãos em tinta vermelha foram feitas em toda a fachada, e frases como “No more indigenous blood” (“chega de sangue indígena”, em tradução livre) foram escritas no prédio. Alguns manifestantes chegaram a bloquear a entrada do local, e quatro deles foram detidos pela Polícia Metropolitana de Londres.

Em nota, a embaixada afirmou que o “direito de protestar é assegurado em democracias como o Brasil e o Reino Unido”, mas que o “direito de vandalizar, esse não existe em país algum”.

O Extinction Rebellion, cujos atos em prol do meio ambiente causaram inúmeras interrupções no centro da capital londrina por várias semanas ao longo do ano, disse que o protesto desta vez visava provocar o governo brasileiro em face dos “abusos de direitos humanos sancionados pelo Estado”.

—A imagem do Brasil está muito prejudicada aqui fora, mas não é muito diferente de como as pessoas veem o próprio Reino Unido e as políticas de (Donald) Trump (nos EUA) — disse Claire Norman, 30 anos, uma das ativistas do grupo.

— Estes líderes deveriam abraçar os valores de seus países.

As medidas do governo Bolsonaro em relação ao meio ambiente —como a negação dos dados oficiais de desmatamento e as críticas ao Fundo Amazônia, que é bancado pela Noruega e pela Alemanha e financia ações de preservação —vêm repercutindo internacionalmente, tanto na mídia quanto em governos estrangeiros.

Especialistas em relações internacionais alertam para possíveis danos que essa postura do Brasil pode causar à economia e à diplomacia do país.

Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Duisburg-Essen (Alemanha), o alemão Jan Oliver Della Costa Stuenkel diz que os diplomatas estrangeiros estão “perplexos” com a “indisposição do governo brasileiro” em tomar medidas de contenção ao desmatamento.

— Outros governos do país tiveram problemas com a devastação da floresta, mas sempre buscaram mostrar que existe uma preocupação em preservá-la e, por isso, estariam abertos à cooperação internacional. Agora não se percebe mais isso — explica Stuenkel, que é professor adjunto da FGV-SP. — A credibilidade brasileira caiu bastante na área climática.

ACORDOS AMEAÇADOS

Ele destaca ainda que os partidos verdes cresceram no Parlamento Europeu, e este grupo é fortemente resistente a um acordo comercial entre União Europeia e Mercosul numa eventual retaliação à política ambiental brasileira, que consideram conivente com o desmatamento.

—Há duas possibilidades: o bloco europeu pode suspender temporariamente a ratificação do acordo até que o Brasil se ajuste aos padrões desejados. A segunda hipótese é ratificar o acordo, mas usar regras previstas no documento para bloquear os produtos plantados em regiões do país consideradas problemáticas.

Stuenkel admite a possibilidade de um boicote a produtos agrícolas brasileiros e diz estranhar a suposta falta de reação do país para evitar os danos à sua economia:

—O país deveria enviar alguém para percorrer o mundo e assegurar a seus parceiros comerciais que não se preocupem com questões comerciais. Mas isso não tem sido feito.

David Kaimowitz, doutor em Economia Agrícola pela Universidade de Wisconsin (EUA), concorda com os riscos para o acordo entre o bloco europeu e o Mercosul e diz que o futuro do Fundo Amazônia pode ser determinante na relação entre o governo brasileiro e a comunidade internacional.

— A Noruega e a Alemanha estão mostrando sinceramente como querem ajudar a Amazônia. Se o Brasil quebrar este acordo, enviará uma mensagem de que não tem um governo confiável — acredita Kaimowitz, que também dirigiu o setor de Recursos Naturais e Mudanças Climáticas da Fundação Ford.

Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu aos questionamentos até a conclusão desta edição.

“Outros governos do país tiveram problemas com a devastação da floresta, mas sempre buscaram mostrar que existe uma preocupação em _ preservá-la” Jan Oliver Stuenkel, Doutor em Relações Internacionais e professor da FGV-SP

*Estagiária sob orientação de Marco Aurélio Canônico

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ONGs criticam PL que muda licenciamento ambiental

14/08/2019

 

 

Um projeto de lei relatado pelo deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), que flexibiliza a emissão de licenças ambientais e reduz o escopo de atividades que necessitam deste tipo de autorização no país, gerou protestos de entidades ligadas ao meio ambiente.

Indicado como relator pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), Kataguiri negociou o texto final do PL 3.729/2004 — conhecido como Lei Geral

do Licenciamento Ambiental — com parlamentares ligados ao agronegócio e com integrantes da frente ambientalista. Durante audiências públicas realizadas entre junho e julho, foram ouvidos especialistas da indústria, o governo, o Ministério Público, a comunidade científica e ambientalistas para se chegar a consensos.

Mas a quarta versão do documento, que foi fechada na semana passada e pode ir à votação na Câmara ainda neste mês, contrariou o grupo ligado ao meio ambiente.

Em nota pública emitida na noite de anteontem, dezenas de instituições — entre elas a SOS Mata Atlântica, o Greenpeace, o Observatório do Clima e o WWF Brasil —acusam o relator de ter dado “uma guinada de 180 graus” em relação ao texto negociado, rompendo “acordos anteriormente firmados”.

As entidades também dizem que Kataguiri apresentou, “de última hora”, um substitutivo que“torna o licenciamento exceção, em vez de regra ”.

“Anova versão traz graves retrocessos, como a exclusão de impactos ‘indiretamente’ causados por obras, dispensas de licenciamento para atividades de ‘melhoria’ e ‘modernização’ de infraestrutura de transportes e a eliminação da avaliação de impactos sobre milhares de áreas protegidas”, escreveu a ONG SOS Mata Atlântica, uma das signatárias da nota.

Como os deputados aprovaram, em março de 2016, um requerimento de urgência, a proposta já está pronta para ser levada a plenário, sem necessidade de análise em comissões.

Procurado pela reportagem, o deputado não havia retornado o contato até a conclusão deste texto. Ement revista ao Jornal Nacional, K ata guiri negou ter retrocedido no que foi negociado.

—Tudo que foi acordado, eu cumpri. É um texto equilibrado, que busca fazer essa fusão do desenvolvimento com a sustentabilidade ambiental. Estou à disposição dos líderes e da sociedade civil para alterações no relatório até que ele vá a Plenário.

Em artigo publicado no GLOBO em 20 de maio, Kataguiri defendeu a necessidade de “determinar o rito do licenciamento em legislação”:

“Hoje, as regras para o licenciamento são confusas, subjetivas e garantem perigosa discricionariedade aos órgãos licenciadores e fiscalizadores, o que gera insegurança jurídica e inviabiliza inúmeros empreendimentos. Além disso, a fiscalização (...) desperdiça boa parte de seus quadros em análises intermináveis de obras que podem nunca vir a ser implantadas”.