Correio braziliense, n. 20507, 14/07/2019. Política, p. 6

 

Moro na chapa quente

Renato Souza

14/07/2019

 

 

Poder » Apesar de suprir os principais requisitos para ocupar uma carreira no Supremo, a divulgação de diálogos trocados entre o ministro da Justiça e os procuradores da Lava-Jato pode gerar questionamentos sobre a reputação ilibada necessária para assumir a vaga

O presidente da República, Jair Bolsonaro, sinalizou que já está avaliando nomes a fim de escolher um novo ministro para o Supremo Tribunal Federal (STF). Em novembro do ano que vem, Celso de Mello alcançará os 75 anos de idade, requisito para ser aposentado compulsoriamente, abrindo uma vaga na Corte máxima da Justiça brasileira. O primeiro nome, cogitado ainda no fim do ano passado, antes que o presidente tomasse posse, é o do ministro da Justiça, Sérgio Moro. No entanto, ele está no centro de uma crise envolvendo a divulgação de conversas trocadas pelo aplicativo Telegram. Os diálogos colocam Moro sob suspeita de ter violado a Lei da Magistratura e ultrapassado as competências de um juiz ao julgar casos da Lava-Jato no Paraná.

Apesar de as revelações não terem, até o momento, nenhum desdobramento judicial, podem ter força para criar uma barreira entre o ministro e um assento nas cadeiras do Supremo. Juristas avaliam que, se confirmadas, as mensagens afetariam um dos requisitos para integrar a Corte. Moro poderia ser barrado pelo Senado por não suprir a regra da reputação ilibada. Esse critério está previsto na Constituição, mas não encontra normas objetivas que caracterizem alguém que se enquadre na exigência. Mas qualquer violação ao sistema de Justiça poderia resultar no questionamento de sua indicação ao cargo, que poderia ser avaliada no próprio Supremo.

O ministro do STF Marco Aurélio Mello, que se aposenta em 2021, após Celso de Mello, faz duras críticas a uma eventual indicação de Sérgio Moro ao Tribunal. “Ele não é uma pessoa vocacionada ao cargo. Eu não gostaria que ele, por exemplo, me substituísse, preenchesse a cadeira que eu ocupo há 19 anos. Ele já virou as costas uma vez à magistratura, e teria feito para chegar ao Supremo… Evidentemente o caminho não é esse”, afirmou o magistrado ao Correio, se referindo ao fato de Sergio Moro ter deixado 22 anos de magistratura para ocupar o Ministério da Justiça.

Marco Aurélio explica que a reputação ilibada se enquadra no que pensa a sociedade sobre uma pessoa com valores morais e éticos inquestionáveis. “Evidentemente é o senso comum de reputação ilibada (que define). Primeiro o presidente indica, e segundo, passa pelo Senado”, completa.

A professora Vera Chemim, mestre em direito administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), destaca que avaliar o passado de um candidato é fundamental para conhecer sua idoneidade e atestar se ela se encaixa nas regras de ocupação do cargo. “A reputação ilibada, nesse sentido, é a pessoa, o indicado, ter que desfrutar perante a sociedade de uma reconhecida idoneidade moral. Tem de ser uma pessoa íntegra, incorruptível, e que não tenha feito nada que pode denegrir sua imagem”, diz.

Para a especialista em direito, as conversas eventualmente trocadas entre Sérgio Moro e procuradores da Lava-Jato, publicadas pelo site The Intercept, podem ser um entrave, caso sejam comprovadas judicialmente. “Se algo vier a ser provado, poderá incidir (na indicação). Estamos ainda no campo das hipóteses. Tem que ver se as mensagens realmente são autênticas. É preciso investigar para se atestar uma veracidade. Se for provado, é claro que prejudicaria a imagem dele, a reputação e obviamente seria um obstáculo para ele ser alçado a ministro do STF”, completa.

O professor Pedro Paulo Castelo Branco Coelho, docente da Faculdade de Direito da UnB, que atuou como juiz federal, sendo responsável pelo julgamento de casos famosos, como do empresário PC Farias, não vê ilegalidades na conduta do ministro Sérgio Moro, mas vê um erro na ida dele ao Poder Executivo. “Ele não aconselhou ninguém. Não vejo influência na produção de provas. O grande problema do Moro foi ter se metido com política. Ele não devia ter deixado a vitaliciedade dele para mexer com política. O juiz não pode se meter com política. Já me chamaram para ser candidato a governador do Acre. Eu nunca aceitei. Ele tinha que ter se mantido onde estava”, ressalta.

Advocacia

Nas últimas semanas, o nome do ministro André Mendonça, Advogado-Geral da União, ganhou força na lista de possíveis indicados para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente Bolsonaro afirmou que estava na hora de indicar um evangélico para a Corte. Além de ser pastor, Mendonça tem uma extensa carreira no mundo jurídico. Apesar de negar que tenha lançado o nome do ministro como eventual indicado, Bolsonaro assume que o nome dele é cogitado. “Primeiro, da minha boca, não saiu isso. Eu sei que ele é terrivelmente evangélico. Temos muito bons nomes para o STF, e o André Luiz é um nome que, com toda certeza, está entre uma lista aí com muito apoio por parte do presidente”, afirmou em entrevista a jornalistas, na sexta-feira, após participar da posse do novo diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem Rodrigues.

Em entrevista ao programa CB.Poder, realizado pelo Correio e a TV Brasília, André Mendonça disse acreditar que as declarações do chefe do Executivo foram simbólicas, e disse que o Supremo precisa representar todos os segmentos da sociedade. “Acho que o presidente disse isso mais em uma questão de representação social. Tivemos um momento que era desejado que as mulheres fossem representadas no Supremo Tribunal Federal. Tivemos o privilégio de ter o ministro Joaquim Barbosa. Eu, por exemplo, sonho que um dia a gente tenha um deficiente físico. E certamente chegará um dia em que teremos um evangélico também. Qualquer seja o indicado, cristão ou não, branco, mulher, a Constituição estabelece princípios objetivos, reputação ilibada por exemplo”, disse.

Regras

Requisitos

Mais de 35 anos

Menos de 65 anos

Reputação ilibada

Notável saber jurídico

Escolha

Indicação do presidente da República

Sabatina no Senado

Mandato

Até os 75 anos de idade

Dois anos como presidente da Corte