Correio braziliense, n. 20500, 07/07/2019. Economia, p. 9

 

Entrevista - Gustavo Loyola: "Deficit público: a última praga macroeconômica"

Vicente Nunes

Cláudia Dianni

Hamilton Ferrari

07/07/2019

 

 

Ex-presidente do Banco Central diz que real erradicou a inflação e as crises do balanço de pagamentos, mas o país ainda não superou o desafio de ajustar as contas públicas. Para ele, a reforma da Previdência é parte central na retomada do crescimento

Vinte e cinco anos depois do Plano Real, o economista Gustavo Loyola parece ser o mais otimista com o futuro do país entre os integrantes da equipe que criou e implementou o conjunto de medidas responsáveis por domar a hiperinflação. Ele participou da elaboração de vários outros pacotes — antes do exitoso Real —, portanto, viu muita coisa acontecer na economia brasileira, inclusive pelas lentes do Banco Central, instituição que presidiu duas vezes — entre novembro de 1992 e março de 1993, e de junho de 1995 a agosto de 1997 — e onde também foi diretor de Normas do Mercado Financeiro e chefe do Departamento de Normas do Mercado de Capitais, entre 1990 e 1992.

Para ele, o Brasil tinha três pragas macroeconômicas: inflação, crises externas de balanço de pagamentos e deficit público. Duas foram erradicadas, falta lidar com o desafio das contas públicas, afirma. Para ele, a reforma da Previdência é parte central do processo que vai permitir a retomada do crescimento econômico. Processo esse que passa por facilitação dos negócios, simplificação tributária, modernização regulatória, investimentos em infraestrutura e, mais importante, educação. Doutor pela Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getulio Vargas, Loyola foi eleito Economista do Ano pela Ordem dos Economistas do Brasil, em 2014. A seguir, a entrevista concedida por ele ao Correio:

O Banco Central reduziu a previsão de expansão do PIB de 1,6% para 0,8%. Mesmo com a inflação controlada e a menor taxa de juros, 25 anos depois do Plano Real, não conseguimos crescer. Por quê?

Há várias explicações do porquê de o Brasil não estar crescendo hoje. As causas mais importantes são os erros de políticas econômicas que foram cometidos, principalmente, a partir de 2008 e 2009 até 2015. O Brasil esqueceu de prosseguir na agenda de responsabilidade macroeconômica, que foi abandonada, e houve retrocessos. Também esqueceu de prosseguir na agenda de consolidação fiscal e de reformas, principalmente a da Previdência, que foi deixada para trás. Houve uma piora no ambiente de negócios, com maior interferência do Estado. Também teve desperdício de recursos e investimentos públicos com baixo retorno, ou seja, uma sucessão de erros. Os frutos do Plano Real vieram. O Brasil cresceu, mas não houve continuidade no espírito de reformas, que era parte da política da época, do governo Fernando Henrique Cardoso.

Isso dá sensação de frustração?

Sem dúvida, muito embora as conquistas do Plano Real não tenham sido perdidas. Eu sou de um tempo, de antes da troca de moeda, que havia três grandes pragas na macroeconomia brasileira: inflação, crises externas de balanço de pagamentos e deficit público. Dessas, duas foram erradicadas. Não temos mais problemas de inflação e também não temos desequilíbrio externo. Mas ainda temos que lidar com esse desafio das contas públicas. Nós temos hoje uma base macroeconômica muito mais sólida do que em 1994, quando se fez o plano. De lá para cá, houve um avanço que não foi totalmente perdido.

O que é preciso fazer para o Brasil retomar o crescimento?

Há alguns vetores, mas eu destacaria dois. O primeiro é a consolidação fiscal, ou seja, basicamente nós precisamos ter confiança de que vamos ter uma trajetória fiscal sustentável. Isso significa fazer a reforma da Previdência, porque, claramente, quando observamos o comportamento das despesas públicas dos últimos anos, o grande vilão é o crescente peso do pagamento de benefícios previdenciários. Embora não seja uma bala de prata que vá resolver todos os problemas, eu vejo como condição necessária para que o Brasil volte a ter uma trajetória sustentável de crescimento. O segundo vetor tem a ver com o ambiente de negócios. É preciso incentivo para retomar o crescimento. Também exige uma série de reformas, como a tributária, a regulatória, a de desburocratização e por aí vai. A partir disso, o investimento em infraestrutura que possa alavancar o crescimento. Há uma agenda liberal e pró-mercado, que é importante que seja implementada. E, no médio e longo prazos, o Brasil tem de investir mais em educação. Não resta dúvida de que a questão educacional é um gargalo.

Que tipo de reforma regulatória poderíamos ter?

A meu ver, o governo estabelece uma série de mudanças em vários setores que acabam inibindo os investimentos. Isso vem desde excesso de burocracia, de regras e normas conflitantes, que acabam provocando insegurança jurídica. Há outras ações, como facilitar a abertura de empresas e a simplificação tributária. Não é uma questão de pagar muito ou pouco imposto, mas sobre o custo que temos para atender às nossas obrigações tributárias e o risco que o contribuinte tem de incorrer em algum tipo de sanção pelo Estado. Passa também pela agenda do Banco Central, de redução do spread. Não temos uma medida única, mas uma política de governo que leva a favorecer o investimento e incentivar a inovação.

O governo e o Congresso estão cientes dessas condições para o país voltar a crescer? Ou a agenda de costumes tem se sobreposto às pautas econômicas?

Temos hoje um Congresso mais favorável à reforma da Previdência, justamente pela percepção de que estamos numa situação-limite nas contas públicas. O Congresso também tem um perfil mais liberal em várias questões, o que pode ajudar na implementação de uma agenda mais pró-mercado. Os parlamentares já tinham, relativamente, essa visão, como vimos com a aprovação da reforma trabalhista, que foi um avanço importante. Evidentemente, não é algo linearmente tranquilo. Na discussão da reforma da Previdência, por exemplo, vemos pressões corporativistas sendo acolhidas por alguns deputados. Temos visto o debate sobre a inclusão ou não dos estados e municípios, mostrando que essa percepção não é completa. Todos os entes deveriam ser incluídos.

E o governo?

O governo está tendo dificuldades para articular com o Congresso, embora a equipe econômica e as pessoas mais próximas ao (ministro da Economia) Paulo Guedes tenham uma percepção mais clara desses temas. Não sei se isso permeia todo o governo e o próprio presidente da República (Jair Bolsonaro), que não tem uma trajetória no Congresso indicando que ele tenha o ideal liberal na economia. Outro aspecto é a concorrência que a agenda liberal tem com as outras agendas do governo, que são conservadoras. Não se pode confundir ser liberal em economia com ter uma postura reacionária.

O Brasil aprendeu a lição de que com inflação não se brinca?

Eu tive uma parte importante da minha carreira no Banco Central com a inflação muito elevada. Minha carreira ficou muito marcada pela participação dos chamados planos econômicos, que foram tentativas de solução dos problemas. Era uma macroeconomia muito mais complicada. Eu acho que hoje aprendemos a lição. A sociedade brasileira é muito mais avessa ao risco inflacionário. De alguma forma, nós desenvolvemos, antes do Plano Real, uma série de mecanismos de convivência com a inflação, como a indexação, que atenuaram, de alguma forma, o efeito e ajudaram as pessoas a fazerem essa travessia. A sociedade reconheceu, imediatamente, os benefícios do Plano Real.

Hoje é possível pensar num Plano Real II? Qual seria o grande problema a ser atacado?

Acho que não teria um Plano Real II no sentido de algo que possa ter um impacto tão grande em um curto espaço de tempo. Há espaço para avanços importantes na agenda econômica. Eu diria que a Previdência tem uma centralidade nesse processo. Não vai resolver tudo, mas, sem ela, não tem como pensar em outra coisa. É a grande dor e o grande mal que o país está vivendo. Não adianta resolver os outros problemas, se esse não for atacado. Não quero comparar com o Plano Real, mas essa é a grande oportunidade que o Brasil tem e não deve ser desperdiçada.

Temos hoje 13 milhões de desempregados. A reforma da Previdência tem potencial para reduzir isso?

A tendência é de que sim. As mudanças tecnológicas e o avanço que temos visto já estão tendo um impacto muito grande no mercado de trabalho. Hoje, há muitos que estão trabalhando em empregos muito mais precarizados, por exemplo, a ‘uberização’ e as pessoas que estão fazendo entregas. É bom para nós, consumidores, mas do ponto de vista do mercado de trabalho, aonde isso vai chegar? Tem questões que nós precisamos atacar. Precisamos ter uma agenda importante na educação para poder lidar com esses grandes desafios que as novas tecnologias trazem.

Frases

"É a grande dor e o grande mal que o país está vivendo (Previdência). Não adianta  resolver os outros problemas, se esse não for atacado. Não quero comparar com o Plano Real, mas essa é a grande oportunidade que o Brasil tem e não deve ser desperdiçada”

“Os frutos do Plano Real vieram. O Brasil cresceu, mas não houve continuidade no espírito de reformas”