O globo, n.31380, 07/07/2019. País, p. 08

 

Entrevista - Gustavo Bebianno 

'Há tendência no governo de se buscar rupturas', diz Bebianno 

Gustavo Bebianno 

07/07/2019

 

 

Ex-ministro da Secretaria-Geral critica falas de Bolsonaro que deixam instituições em segundo plano e ‘flertam’ com poder absoluto e tirano
Na mesma casa que já foi um dos quartéis-generais da campanha do presidente Jair Bolsonaro, o ex-secretário-geral da Presidência Gustavo Bebianno fala com preocupação sobre a situação do homem que durante mais de dois anos foi seu projeto de vida. No endereço do empresário Paulo Marinho — outro dissidente do bolsonarismo e hoje presidente estadual do PSDB no Rio na gestão liderada pelo governador de São Paulo, João Doria — Bebianno mantém a calma, mas é enfático. Sobre o futuro, assegurou que sua intenção é fazer um alerta para que o governo se recomponha, sem confirmar se pretende ter um papel na política.
Como o senhor, que durante a campanha promoveu uma aproximação entre o presidente do Congresso, Rodrigo Maia, e o então candidato Jair Bolsonaro, está vendo o ambiente de tensão entre Executivo e Legislativo?

O presidente conhece melhor do que nós todos as engrenagens da Câmara, ele tem muito mais tempo entre os deputados doque avida dele no Exército. Ele viveu 28 anos dentro da Câmara e co messa experiência tão larga, ele tem uma visão do Congresso, que representa o povo brasileiro, suas virtudes e seus defeitos. Acho engraçado quando se ataca o Congresso como se as pessoas que o compõem tivessem vindo de Marte. São todos brasileiros, eleitos pelo povo brasileiro. Ao se diagnosticar um problema num órgão, num estômago, vai fazer o quê? Tirar o estômago?

O estômago seria o Congresso?

Talvez, estou usando uma figura de linguagem. Você não tira o estômago, você o trata. Todo processo pela via democrática é lento, exige trabalho, perseverança, conversa e acordos. O que me preocupa hoje é perceber uma tendência do governo federal de buscar rupturas institucionais. Parece que existem flertes hoje com futuras rupturas institucionais. O presidente fez uma visita ao Comando militar do Sudeste onde ele diz que deve lealdade ao povo e somente ao povo, não às instituições. Disse que quem manda é o povo, mas ele se organiza por meio das instituições. Se as instituições forem enfraquecidas, suprimidas, vamos viver o quê? Sem as instituições, sobram dois caminhos: a anarquia ou um poder absoluto. Sabemos que todo e qualquer caminho absoluto tende a descambar num regime tirano. Hoje me preocupa um pouco essa colocação de salvador da pátria.

Como foi a relação de Bolsonaro com Maia durante a campanha?

O presidente Rodrigo Maia, desde a fase do primeiro turno, já se mostrava simpático ao projeto econômico apresentado pelo ministro Paulo Guedes (Economia). Para ele, foi um alento. Conversamos e ele sempre se mostrou disposto a trabalhar de forma empenhada pela aprovação das reformas. As conversas foram comigo e com o ministro Guedes. O que o presidente Rodrigo Maia mostrava era uma certa preocupação exatamente com o que está acontecendo hoje: apanhar e ser agredido gratuitamente por uma ala mais radical e ideológica.

O senhor vê possibilidade de ruptura entre o presidente e Rodrigo Maia?

Acho que já estão rompidos. Já há um grau de desconfiança muito grande que é ruim. Na Câmara baixa como na alta não se confia mais no presidente.

E isso, na sua avaliação, é consequência dos erros do governo?

Da inabilidade política do governo. Há certas posturas que causam insegurança, indas e vindas, além de frituras públicas desnecessárias. Exemplo: os ataques gratuitos por parte de familiares do presidente, sem quele tome a frente e dê um basta.

O último conflito foi entre o general Heleno e o vereador Carlos Bolsonaro…

O Carlos é uma pessoa que não tem equilíbrio emocional, tem uma visão paranoica da vida e enxerga em tudo teorias da conspiração.

Como era, na campanha, a relação entre os militares e o que o senhor chama de a ala mais radical do bolsonarismo?

Essa ala nunca participou muito na campanha, o próprio Carlos nunca veio aqui (na casa de Paulo Marinho). A preocupação dos militares era sobre a gestão, sobre como lidar com os problemas que o Brasil precisava enfrentar. Ninguém esperava que o governo fosse perder tanto tempo e energia com assuntos irrelevantes.

Já tem gente falando em Doria 2022. O senhor aceitou alguma proposta?

Não. Faltam três anos e meio e agora temos de torcer para que o governo Bolsonaro dê certo. Fui afastado do governo, me ofereceram outras funções, embaixadas, mas saí do jeito que entrei. Hoje não estou engajado em projeto político algum, tenho olhado para o Rio de Janeiro e vejo com preocupação a falta de rumo nas esferas municipal e estadual.