Valor econômico, v.19, n.4696, 22/02/2019. Empresas, p. B1

 

Acordo da Vale em Minas envolve 100 mil pessoas e R$ 800 milhões 

Francisco Góes 

Ivo Ribeiro 

22/02/2019

 

 

Passadas quatro semanas do rompimento da barragem I da mina de Córrego de Feijão, em Brumadinho (MG), a mineradora Vale está sendo conduzida em suas operações por 150 gerentes-executivos. De acordo com pessoas próximas à companhia, a alta liderança da empresa, incluindo a diretoria-executiva e o conselho de administração, delegou a esses profissionais as tarefas do dia-a-dia e está dedicada exclusivamente aos desdobramentos da tragédia de Brumadinho, ciente de que desse esforço depende o futuro da companhia. Até ontem, havia 176 mortes confirmadas e 134 desaparecidos, bem como danos ainda não totalmente dimensionados ao rio Paraopeba.

Além do presidente, Fábio Schvartsman, a empresa tem oito diretores-executivos, seis dos quais levados por ele após assumir o comando em maio de 2017.

O corpo de executivos tem dois objetivos imediatos: dar andamento à ajuda humanitária aos atingidos pelo desastre sócio-ambiental e avançar nas investigações sobre o que provocou o desastre. Há duas frentes de investigação correndo em paralelo dentro da mineradora: um comitê interno de apuração conduzido pela ex-ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Ellen Gracie, e outra que tem à frente o escritório de advocacia americano Skadden, que selecionou um grupo de quatro peritos para fornecer uma avaliação sobre as causas técnicas do colapso da barragem.

O Valor apurou que cerca de 100 mil pessoas deverão ser alcançadas pelo Termo de Acordo Preliminar (TAP) assinado pela mineradora com autoridades na quarta-feira. Essas pessoas receberão um valor mensal ao longo de um ano, totalizando desembolso de cerca de R$ 800 milhões para a mineradora. O acordo visa a antecipação dos pagamentos de indenizações emergenciais a pessoas atingidas em Brumadinho e em comunidades localizadas a até um quilômetro de distância do leito do rio Paraopeba. O entendimento firmado atinge uma extensão de mais de 50 quilômetros de Brumadinho até a cidade de Pompéu, na represa de Retiro Baixo.

Uma vez estabelecidos os termos do acordo entre todos os participantes envolvidos na discussão em uma audiência no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na tarde de quarta, o conselho de administração da Vale, que se encontrava reunido, levou cerca de 30 minutos para analisar a proposta e aprovar os valores. A avaliação interna é que, com esse acordo preliminar, a Vale ganha 12 meses para negociar com as famílias das vítimas os termos definitivos das indenizações. O acordo foi firmado com a Advocacia Geral e o Ministério Público de Minas Gerais, a Defensoria Pública do Estado, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, além de representantes dos atingidos.

Mineradora trabalha com quatro linhas de defesa para se contrapor à avaliação que não soube gerir o risco

Frente às acusações de que não soube gerir riscos que poderiam ter evitado o desastre em Brumadinho, a mineradora tem sustentado que, desde a tragédia de Mariana, passou a operar com quatro camadas de segurança na área de barragens, reconhecidamente uma atividade de altíssimo risco. São elas: uma área própria de geotécnica operacional; auditorias externas de barragens; uma área de gestão de riscos corporativos que inclui um comitê-executivo ligado à diretoria e outro ao conselho de administração; por fim, a empresa tem um time de auditoria interna.

Até agora, a direção da mineradora ainda não identificou o que fez com que a estrutura viesse abaixo, mas já tem uma certeza: o maciço de rejeitos sofreu uma liquefação. A conclusão inequívoca, que coincide com o que já apontaram alguns especialistas, foi tirada a partir da imagem que mostra o momento exato da ruptura da barragem. Também existe a convicção de que houve algum tipo de falha técnica nos procedimentos adotados pela mineradora, ou o rompimento não teria ocorrido.

Especialistas em mineração têm dito que uma barragem não rompe sem antes emitir algum sinal. Perante autoridades e também internamente, diretores da empresa sustentam que não houve qualquer sinal visível de que a barragem tinha problemas. Descartam ainda a tese de conluio de geotécnicos internos e externos que, supostamente, saberiam dos problemas da barragem e não teriam tomado as medidas necessárias. Hoje completa-se uma semana que oito funcionários dos níveis técnicos da mineradora foram presos.

Fontes da Vale dizem que a Tüv Süd, responsável pela auditoria de Brumadinho, fez a última visita em 23 de janeiro à barragem, dois dias antes da tragédia, no dia 25 de janeiro. A auditoria alemã emitiu um relatório dizendo que a barragem estava em conformidade, embora tenha feito uma série de recomendações consideradas de rotina nestes casos pela mineradora.

Em outubro de 2018, um painel de especialistas também havia visitado Brumadinho e, ao final, emitiu um relatório atestando que a barragem era bem mantida e não oferecia risco desde que a mineradora continuasse tomando as medidas de segurança e manutenção necessárias. Os técnicos, entre os quais havia renomados especialistas, fizeram uma foto, ao pé da barragem, no dia da inspeção. Para os executivos da Vale, a imagem é um atestado de que os técnicos não enxergavam riscos.

Quase um mês após a tragédia, municípios de MG que abrigam barragens vivem uma situação de pânico

Construída em 1976 pela alemã Ferteco, empresa adquirida pela Vale no começo dos anos 2000, a barragem I da mina de Córrego de Feijão estava inativa desde 2015. Naquele ano, a Vale entrou com pedido de licença no órgão ambiental de Minas Gerais para fechar a barragem, solicitação que só foi concedida no fim do ano passado. O plano da Vale era separar o resíduo de minério de ferro e colocar o rejeito sólido em uma cava. Tal separação, segundo fontes ligadas à empresa, não tinha propósito econômico, mas visava reduzir o volume do rejeito para que ele coubesse na cava.

Quase um mês depois da tragédia de Minas Gerais, municípios do Estado que abrigam barragens de mineração vivem uma situação de pânico e confusão. Na quarta-feira, a Vale removeu 125 pessoas que vivem próximas a cinco barragens: Vargem Grande, do Complexo Vargem Grande, em Nova Lima; e Forquilha I, II e III e Grupo, na Mina Fábrica, em Ouro Preto (MG). Antes, no dia 16, a empresa já tinha evacuado cerca de 200 pessoas em Nova Lima, envolvendo riscos associados à barragem da mina de Mar Azul.

Para fontes da Vale, a remoção dessas pessoas é consequência direta de regras mais rígidas de certificação dos reservatórios que acabaram de ser aprovadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM). A agência criou um novo fator de segurança para definir que as barragens estão estáveis, mas o problema é que as auditorias externas contratadas pela Vale para inspecionar as barragens não aceitam emitir laudos com base nesses novos critérios.

Ao não dispor desses laudos, a Vale e outras empresas precisam comunicar as autoridades, como a Defesa Civil, e acionar planos de evacuação das pessoas que moram em comunidades próximas das barragens. Essas medidas têm provocado fechamento de estradas, realocação de pessoas em hotéis e gerado pânico em municípios de Minas Gerais. "A credibilidade da Vale para questionar essa mudança de critério da ANM, neste momento, é zero", disse uma fonte próxima à empresa. Na busca de evitar repetições do caso Brumadinho, a Vale já anunciou que vai acelerar a desativação de dez barragens a montante em três anos, o que exigirá investimentos de R$ 5 bilhões e irá significar o corte de 40 milhões de toneladas ao ano na produção de minério de ferro da empresa.

Ao mesmo tempo, vai avançar com novas tecnologias. Além do processamento e compactação do rejeito a seco, vai expandir sistema de concentração do minério sem uso de água. Atualmente, 60% do beneficiamento do minério já é feito a seco, ante 40% em 2015, ano do rompimento da barragem de Mariana.

A companhia mantém a intenção de divulgar o balanço financeiro de 2018 no dia 27 de março, mas foi tomada a decisão de não se realizar a tradicional teleconferência sobre os resultados com analistas de bancos que acompanham a empresa. A avaliação é de que não haverá ainda respostas para as muitas perguntas que serão feitas sobre o caso Brumadinho e que, diante da tragédia, não faz sentido comentar sobre resultados.