Valor econômico, v.19, n.4703, 07/03/2019. Política, p. A10

 

MPF revela que Gilmar foi procurado por Aloysio para discutir processo 

André Guilherme Vieira 

07/03/2019

 

 

A força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba enviou ontem ofício à Procuradoria-Geral da República (PGR) sugerindo que seja requerida a suspeição do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para julgar pedidos que envolvam o ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira e o engenheiro Paulo Vieira de Souza, o 'Paulo Preto', apontado como operador de propinas do PSDB e preso preventivamente em São Paulo - a suspeição ocorre quando há indícios de que um magistrado é parcial ao decidir. No caso de Gilmar, ela só pode ser solicitada pela PGR ao STF.

Os investigadores reuniram, em ofício dirigido à procuradora-geral Raquel Dodge, informações que indicam que Aloysio "atuou junto" a Gilmar, em "interesse próprio" e no de Vieira de Souza. Os dados foram obtidos do celular do ex-chanceler, apreendido em 19 de fevereiro durante cumprimento de mandados de busca e apreensão judicialmente autorizados na 60ª fase da Operação Lava-Jato.

Para a força-tarefa de Curitiba, as conversas obtidas expõem "a interferência de Aloysio Nunes Ferreira Filho em interesse próprio e do também investigado Paulo Vieira de Souza, junto ao ministro Gilmar Mendes, valendo-se de relação pessoal com este, para a produção de efeitos protelatórios em processo criminal em trâmite na Justiça Federal de São Paulo", escreveram os procuradores no ofício enviado a Dodge.

Os investigadores referem-se a processo criminal no qual Vieira de Souza é réu por peculato envolvendo valores da ordem de R$ 7,7 milhões referentes a obras do Rodoanel e do Sistema Viário em São Paulo, que tramita na 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Ontem à noite, a juíza Maria Isabel do Prado impôs a Vieira de Souza condenação de 145 anos e oito meses de prisão nesse processo, além de aplicar multa de R$ 13,4 milhões por crimes de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informação e formação de quadrilha. Procurada, a defesa de Vieira de Souza não se pronunciou.

Também ontem, o ministro Gilmar Mendes informou, por intermédio de sua assessoria no STF, que "conforme andamento processual do HC nº 167.727, a ordem de habeas corpus parcialmente concedida no dia 13/2/2019 restringia-se à realização de diligências solicitadas pela defesa, com fins de efetivar o devido processo legal".

Ainda segundo a nota, "em atenção à manifestação da PGR conclusas ao relator no dia 27/2/2019, em que a juíza responsável pela condução do processo na instância de origem noticiava que referidas diligências já haviam sido realizadas ou estavam prejudicadas, a referida decisão foi reconsiderada no último dia 1/3/2019". Gilmar reconsiderou a decisão e manteve a ação na etapa final, que foi concluída ontem pela juíza na primeira instância.

O advogado José Roberto Santoro representa Aloysio e Vieira de Souza. Na reclamação nº 33514, distribuída a Gilmar, o criminalista pede que as investigações que levaram à prisão do suposto operador do PSDB sejam remetidas à Justiça Eleitoral de São Paulo, porque manteriam conexão com inquérito que apura propinas em contratos da estatal paulista Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa), para financiar campanhas do partido. A juíza da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Gabriela Hardt, informou ao STF que é contra o pedido da defesa. Vieira de Souza foi diretor da Dersa nas gestões dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin no governo de São Paulo.

Segundo o MPF, "às 18:23h do dia 10/02/2019, por meio de aplicativo de mensagem, o advogado José Roberto Santoro perguntou a Aloysio Nunes: 'Caríssimo, você falou com nosso amigo?'. Na sequência, especialmente no dia 11/02/2019, segunda-feira, primeiro dia útil após o protocolo do habeas corpus, diversos fatos, dados o contexto narrado e os personagens envolvidos, aconteceram em íntima conexão ao processo distribuído no Supremo Tribunal Federal", relatam os procuradores.

Segundo a análise do celular de Aloysio apreendido, no dia 11 de fevereiro o telefone do gabinete do ministro Gilmar fez contato, às 19:29h "por um minuto e oito segundos, com Aloysio Nunes".

As 19:34h e 19:35h, por aplicativo de mensagens, Aloysio informou a Santoro que falou com o "amigo" ministro Gilmar Mendes e que a resposta foi "vaga".

Santoro então escreveu a Aloysio: "Você é um anjo".

A reportagem não conseguiu contato com Aloysio Nunes Ferreira e a defesa dele não se pronunciou.