O Estado de São Paulo, n. 46001, 28/09/2019. Política, p. A4

 

Bolsonaro veta brecha para alta do fundo eleitoral

Mateus Vargas

Julia Lindner

28/09/2019

 

 

Presidente sanciona com 14 vetos projeto que flexibiliza as regras partidárias; entre pontos eliminados, está o que permitiria reajuste do valor repassado para campanhas

O presidente Jair Bolsonaro sancionou ontem o projeto que flexibiliza regras partidárias, mas vetou trecho que abria brecha para parlamentares aumentarem o valor de dinheiro público destinado a campanhas eleitorais. Ao mesmo tempo, o presidente manteve no texto artigos que, na visão de analistas, dificultam a fiscalização da prática de caixa 2.

Ao todo, foram 14 vetos à proposta, aprovada na semana passada pela Câmara dos Deputados. Além do artigo sobre o fundo eleitoral, Bolsonaro rejeitou outros trechos polêmicos da proposta, como a retomada da propaganda partidária na TV e no rádio e a anistia a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Os vetos ainda podem ser revistos pelo Congresso (mais informações nesta página).

A justificativa do Palácio do Planalto é que as alterações na lei implicariam mais custos para o Orçamento. No caso do fundo eleitoral, a proposta aprovada na Câmara determinava que o valor fosse atualizado anualmente, sem uma vinculação prévia, o que abria margem para que os parlamentares determinassem o valor a cada eleição.

Com o veto, vale a regra atual, que prevê uma fórmula preestabelecida para o cálculo. Pela proposta do governo enviada ao Congresso, o valor do fundo eleitoral para o ano que vem seria de R$ 2,5 bilhões. Mas, conforme revelou o Estado, a conta estava errada e o Ministério da Economia informou que enviará uma correção. A estimativa é de que a cifra caia para R$ 1,86 bilhão, pouco acima do R$ 1,7 bilhão destinado às campanhas no ano passado. O valor final, porém, depende de aprovação dos parlamentares.

No caso do veto à retomada da propaganda dos partidos na TV e no rádio – exibida em anos sem eleição e no primeiro semestre de anos eleitorais –, o argumento do Palácio do Planalto foi de que isso acarretaria em renúncia fiscal a emissoras, o que também afetaria as contas públicas. O horário destinado às siglas foi extinto em 2017, justamente para que o valor do benefício fiscal fosse remetido ao fundo eleitoral.

Benesses. Na proposta sancionada, passam a valer regras mais brandas para o pagamento de advogados, como a que exclui o valor destinado a honorários do teto de gastos das campanhas. Na avaliação de especialistas, esse dispositivo abre margem para caixa 2 e lavagem de dinheiro, pois não há parâmetros claros sobre quantificação dos serviços prestados.

A tese é de que é possível se declarar um valor acima do que o real e o restante poderia ser utilizado de forma ilícita.

“O dispositivo que não foi vetado abre essa brecha. A sanção significa retrocesso em matéria de transparência eleitoral”, afirmou o promotor de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu.

Advogados eleitorais contestam esta tese e dizem que ela parte do pressuposto de que os escritórios serão usados para cometer irregularidade. Em nota divulgada nesta semana, a Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo afirmou que “a advocacia sofreu grave ataque em alguns veículos de comunicação que, a pretexto de cobrir e criticar propostas de alteração da legislação eleitoral, ofenderam e confundiram o exercício da advocacia com atividades criminosas”.

A proposta sancionada também libera os partidos a pagar a defesa de candidatos, desde que a ação tenha relação com o processo eleitoral. Ao julgar as contas partidárias deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral havia endurecido o entendimento sobre esse tipo de despesa.

Pressão. A alteração nas regras para eleições e partidos foi aprovada em 18 de setembro pela Câmara, que retomou parte das benesses que o Senado havia derrubado por pressão das redes sociais.

Entre outros pontos, a partir de agora partidos estão autorizados a comprar bens, como imóveis, carros e aeronaves com dinheiro público. Também podem usar a verba do Fundo Partidário para pagar o impulsionamento de propaganda na internet, antes vedado.

A partir de agora, partidos políticos também poderão receber doações por meio de boleto bancário ou débito em conta – pela regra anterior, as doações só eram permitidas com cartão de crédito ou débito.

As novas regras já valem para as eleições municipais de 2020. O Congresso ainda pode rever os vetos e modificar normas para o próximo pleito, desde que a publicação seja feita até o próximo dia 4, limite de um ano antes das eleições.

PONTOS

O que Bolsonaro vetou

Fundo eleitoral

Previsão de aumento anual de recursos do fundo sem prévia limitação orçamentária.

Propaganda

Retomada da propaganda partidária em rádio e TV.

Fundo Partidário/multas

Utilização do Fundo Partidário para pagamento de multas.

Anistia

Perdão a multas aplicadas pela Justiça Eleitoral às siglas.

O que Bolsonaro manteve

Fundo Partidário/advogados

Uso do fundo para pagar a advogados sem contar para o limite de gastos de campanha.

Doações

Realização de doações a partidos via boleto ou débito em conta.

Limite

Limitar a 50% o uso do Fundo Partidário para quitar multas por contas desaprovadas.

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Centrão já se articula para derrubar vetos no Congresso

Mariana Haubert

Camila Turtelli

28/09/2019

 

 

Entre os pontos que deputados e senadores querem restabelecer, está o que aumenta o fundo eleitoral

Siglas do Centrão já iniciaram a articulação para derrubar os vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei que flexibiliza as regras eleitorais e partidárias. Apesar da iniciativa, o único consenso que deverá prevalecer é o da retomada do ponto que permitia um aumento anual do valor do fundo eleitoral, sem uma limitação orçamentária prévia. Os outros 13 vetos deverão passar por um intenso debate.

O fundo foi o único ponto da proposta que teve aprovação tanto do Senado quanto da Câmara, já que os senadores rejeitaram o restante do projeto que acabou sendo retomado depois pela Câmara. Por conta disso, parlamentares acreditam que este é o veto com maiores chances de ser derrubado. Os demais vão depender, principalmente, dos senadores que já demonstraram não concordar com esses pontos. Para que um veto seja rejeitado ou mantido, as duas Casas precisam decidir igualmente.

O deputado Paulinho da Força (SP), presidente do Solidariedade, disse que os parlamentares devem discutir o assunto por telefone durante o fim de semana. Há uma pressa para que os vetos sejam analisados já na próxima sessão conjunta do Congresso, na próxima quarta-feira, porque há um entendimento de que, para valerem para as eleições municipais de 2020, as regras eleitorais devem estar estabelecidas até 4 de outubro.