Título: Arruda desmonta tese do delator
Autor: Tahan, Lilian
Fonte: Correio Braziliense, 17/10/2012, Cidades, p. 24

Ex-governador diz em depoimento à Justiça ter sido vítima de uma armação conduzida por Durval Barbosa, que manipula a divulgação de vídeos e se beneficia do acordo da delação premiada

Pela primeira vez desde que passaram a tramitar na Justiça as ações de improbidade administrativa da Operação Caixa de Pandora, o ex-governador José Roberto Arruda deu a versão dele para os fatos que o envolvem em uma suposta trama de corrupção. Em depoimento na 2ª Vara de Fazenda Pública que durou toda a tarde de ontem, Arruda negou cada um dos pontos centrais das acusações feitas pelo ex-secretário de Relações Institucionais de seu governo Durval Barbosa, estopim para o escândalo que derrubou o governo em 2010. Com a mesma contundência com que defendia seus pontos de vista antes da crise, o ex-governador disse que foi vítima de uma vingança e que só passou por essa “tragédia pessoal”, como se referiu ao episódio da Pandora, por não ter cedido às chantagens de Durval e do grupo dele. Para a surpresa de todos, a advogada do ex-secretário, Margareth Almeida, anunciou durante a audiência que seu cliente tem vídeos inéditos que ainda poderão ser divulgados.

Arruda não ficou na defensiva. Tão logo começou a falar, partiu para o ataque. Ao responder uma das primeiras perguntas feitas pelo juiz Álvaro Ciarlini, que conduz o processo originado a partir de ação movida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o ex-governador se disse surpreso por que até hoje não apareceu o vídeo em que o atual chefe do Executivo local, Agnelo Queiroz (PT), conversa com Durval Barbosa, episódio anterior à Operação Caixa de Pandora. “Esse vídeo sim explicaria muito”, disse Arruda. O ex-governador defende a tese de que houve uma grande conspiração para abreviar seu tempo no comando do Distrito Federal. Seus advogados sustentam que Durval mostrou os vídeos da Pandora para Agnelo dentro de uma estratégia de assegurar a vitória petista na sucessão no Palácio do Buriti.

Ao lado da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) e do marido dela, Manoel Neto, o ex-governador é acusado pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do MPDFT de negociar apoio político com dinheiro de propina. Personagem constante em todas as audiências da Pandora na condição de testemunha, Durval responde nesse processo como réu. Foi ouvido ontem como acusado de pagar Jaqueline Roriz a pedido de Arruda. Segundo afirmou em juízo, repassou, pelo menos, R$ 100 mil à filha de Joaquim Roriz em 2006. Na versão de Durval, o dinheiro seria uma forma de obter o apoio de Jaqueline na pré-campanha, quando Arruda ainda disputava no PFL (hoje DEM) com Paulo Octávio a indicação para a candidatura.

Justamente o vídeo que fez da denúncia um capítulo à parte no escândalo da Pandora é um dos pontos centrais da argumentação de Arruda na tentativa de desconstruir a tese de Durval. Na visão do ex-governador, há uma incoerência com força para derrubar a delação premiada de seu algoz. Arruda questionou o fato de Durval ter demorado mais de um ano para entregar o vídeo de Jaqueline. “Então, quer dizer que ele estava andando em sua casa e de repente tropicou com a fita?”, afirmou, dentro do contexto de que haveria um direcionamento para prejudicá-lo.

Arruda acusou o ex-secretário de Relações Institucionais de ter adulterado vídeos e escutas com a intenção de incriminá-lo. Ao ser questionado pelo MP sobre o diálogo interceptado no qual pergunta a José Geraldo Maciel (então chefe da Casa Civil) em quanto estava a despesa com políticos, Arruda diz que a frase foi tirada do contexto e que se referia à previsão de gastos de candidatos proporcionais para as eleições de 2010. “Não sou eu quem estou falando, laudo da Polícia Federal atesta que houve edição nos vídeos. As fitas que o delator mostrou são todas do governo anterior, mas ele fez todos acreditarem que teriam sido na minha gestão. Durval pode ter obtido êxito midiático e político, mas no plano judicial é preciso mostrar as provas”, disse Arruda, para quem o delator estaria pronto a prejudicar quem entra em seu caminho. No caso de Jaqueline, o vídeo teria sido em resposta ao desempenho dela na campanha, que desbancou Laerte Bessa, aliado antigo de Durval. Arruda questiona ainda o fato de o ex-secretário dizer que deu dinheiro a Jaqueline, mas não admitir ter financiado a campanha do próprio irmão, o ex-deputado distrital Milton Barbosa.

Desmentido

A versão do ex-governador estava afinada com a de Jaqueline Roriz, que em seu testemunho desmentiu a acusação de Durval, afirmando que não seria possível ter recebido dinheiro para apoiar Arruda, já que havia declarado apoio a Maria de Lourdes Abadia. “Eu declarei apoio a Arruda tempos depois da eleição. Durante a campanha tinha uma candidata e o nome dela era Abadia”, afirmou a deputada. Para Arruda, não há cabimento na ação que o acusa de ter financiado uma candidata de oposição que integrava o partido de uma adversária. Mas, na ação do MP, apesar do partido, Jaqueline era uma aliada. A negociação, segundo diz Durval em seus depoimentos, teria ocorrido a partir do momento em que restou claro o favoritismo de Arruda nas eleições.

Durante a audiência, os advogados de Durval e de Arruda se exaltaram. Já completava quase duas horas do depoimento de Arruda quando a representante do delator, Margareth Almeida, chamou a atenção do juiz para o fato de que o ex-governador “trocava olhares” com seus advogados. Antes que terminasse o raciocínio, no entanto, o advogado Nélio Machado interveio. “Não conheço a atuação da senhora como advogada, eu tenho 40 anos de advocacia e me sinto ofendido com seu comentário”, retrucou. Ciarlini pediu calma e tentou apaziguar os ânimos.

Mas foi de Margareth mais uma declaração que causou surpresa durante a audiência. Já perto do fim da sessão, a advogada afirmou que Durval tem vídeos inéditos que, segundo ela, ainda podem aparecer para a imprensa. Para a defesa de Arruda, a declaração é mais uma demonstração de que a delação premiada é seletiva e que, portanto, atinge apenas os inimigos de Durval. Além da ação de improbidade administrativa, Arruda é alvo de denúncia que corre no Superior Tribunal de Justiça (STJ) com as mesmas acusações.

Mais dois anos no comando do MPDFT Foi publicado ontem no Diário Oficial da União o ato de recondução de Eunice Amorim Carvalhido ao cargo de procuradora-geral de Justiça do Distrito Federal, assinado pela presidente Dilma Rousseff. Eunice vai comandar o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) nos próximos dois anos. Em 2010, ocorreu a primeira nomeação, feita pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Eunice foi a mais votada pela classe e encabeçou lista tríplice encaminhada em junho à Presidência da República na qual figuravam também o procurador Eduardo Albuquerque, como segundo colocado, e o promotor Maurício Miranda, da Promotoria do Tribunal do Júri de Brasília. A data da posse ainda será marcada. Deve ocorrer até o final deste mês.