O Estado de São Paulo, n. 45957, 15/08/2019. Internacional, p. A10

 

Contra volta do populismo kirchnerista, Macri eleva salários e dá subsídios

Luiz Raatz

15/08/2019

 

 

Estratégia. Presidente argentino anuncia pacote plano econômico de US$ 634 milhões para tentar reverter vantagem de Fernández na disputa presidencial; ele chegou a anunciar o congelamento da gasolina, mas depois o governo disse que precisa negociar com petrolíferas

O presidente argentino, Mauricio Macri, lançou ontem um pacote econômico de US$ 634 milhões para tentar reverter a vantagem do kirchnerista Alberto Fernández na disputa presidencial e aliviar os efeitos na economia real da reação negativa dos mercados à primária de domingo – vencida pelo rival. Entre as principais medidas estão gestos antes criticados por Macri e identificados com a oposição, como o aumento de subsídios e a ampliação do controle de preços.

Segundo economistas, o impacto fiscal será de 0,15 ponto porcentual no PIB e os recursos virão do contingenciamento de obras de infraestrutura. O governo chegou a anunciar que o preço da gasolina seria congelado por 90 dias, mas, 12 horas depois, deu um passo atrás e disse que a medida ainda não entraria em vigor, pois seria necessário um diálogo com as petrolíferas. “Não é um recuo definitivo, mas vamos conversar”, informou a Secretaria de Energia, acrescentando que esse congelamento deve ser realizado de acordo com as empresas.

O governo também prometeu aumentar o salário mínimo e uma restituição fiscal do imposto de renda no valor de 2 mil pesos (R$ 135) para cada argentino e um aumento do salário mínimo ainda não definido. Haverá também um reajuste na bolsa de estudos concedida para estudantes universitários e de ensino médio de baixa renda .

De acordo com economistas e analistas políticos consultados pelo Estado, o pacote deve ser paliativo. Depois da derrota por 15 pontos de diferença para Fernández no domingo, a Argentina viveu três dias complicados em consequência da reação ruim do mercado financeiro. O peso sofreu desvalorização de 20% e a Bolsa de Buenos Aires recuou 38% desde domingo.

“Isso tem um impacto na economia real. A desvalorização do peso levará a uma alta de mais ou menos 30% na cesta básica. Um dos objetivos do anúncio é contornar esse impacto”, disse ao Estado Ignacio Almirón, da Universidade de Buenos Aires. “Os recursos anunciados pelo governo recuperariam apenas 20% dessa desvalorização.”

Quando assumiu o governo, em 2015, uma das primeiras medidas de Macri foi retirar subsídios sobre serviços públicos como água e luz, adotados por Cristina Kirchner, o que provocou um aumento substancial no custo de vida. Em abril deste ano, o presidente já tinha recorrido a outra prática que antes criticava: o congelamento de preços de alimentos para conter a inflação. Agora, recorreu à mesma ferramenta para frear a alta dos combustíveis.

Com o anúncio e ao longo de todo o dia, Macri tentou acalmar os argentinos e os mercados. “Minha tarefa é garantir a governabilidade. O diálogo é o único caminho”, disse o presidente.

Mais tarde, Macri conversou com Fernández e disse que o rival se comprometeu a acalmar o mercado caso seja eleito. “Ele prometeu colaborar no que for possível para que o processo eleitoral afete o menos possível a economia dos argentinos”, afirmou o presidente.

Fernández disse, por sua vez, que as medidas não são ruins, mas o pacote é tardio. “É como dar a extrema-unção a um ateu”, afirmou. “Não adianta.”

Incertezas. Analistas veem a eficácia política do anúncio com cautela. “O objetivo dos anúncios é amenizar a crise na classe média – uma porção do eleitorado que abandonou Macri no domingo e estava com ele em 2015”, disse ao Estado Facundo Galván, da Universidade Católica de Buenos Aires. “Os anúncios fazem parte de um pacote que busca melhorar a situação em um contexto de crise.”

Ainda de acordo com o analista, ainda é cedo para dizer se essas medidas se mostrarão acertadas. “Em outubro saberemos se Macri conseguiu convencer os descontentes com a crise e sua liderança”, acrescentou.

Para Ignacio Labaqui, também da UCA, dificilmente as medidas terão um impacto na eleição. “Trata-se de um paliativo para uma situação bastante complexa e é difícil reverter o resultado das primárias”, avaliou./ COM EFE

AS MEDIDAS

Pacote de benesses

1. Salário mínimo. O salário mínimo aumentará pela segunda vez este ano, medida que atingirá cerca de 2 milhões de trabalhadores. Porcentagem desse aumento ainda seria definida.

2. Imposto de Renda. O valor mínimo para pagamento de Imposto de Renda aumentará em 20%, o que, segundo o governo, afetará 2 milhões de pessoas que terão de pagar uma alíquota menor ou serão isentos. Desta forma, quem ganha mais de 55.376 pesos por mês (cerca de US$ 908) pagará esse imposto, no caso de ser “solteiro”, enquanto para empregados com “cônjuge e dois filhos” o piso mínimo será de 70.274 pesos mensais (US$ 1.152). Haverá um reembolso para impostos já pagos no ano de “12.000 pesos (cerca de US$ 197) para uma família com dois filhos com um salário bruto de 80.000 pesos (US$ 1.311) por mês”. Os trabalhadores que tenham dependentes não pagarão o imposto sobre o trabalho, estimado em 11% do salário bruto, durante setembro e outubro, com um máximo para este benefício de 2.000 pesos mensais (US$ 33). Essa medida se estende a trabalhadores que recebem menos de 60.000 pesos por mês (US $ 984).

3. Bônus. Os trabalhadores que se enquadrarem nessas categorias receberão bônus de 5.000 pesos (US$ 82) no final do mês.

4. Benefícios. Os trabalhadores informais e os desempregados obterão benefícios por meio do Subsídio Universal para Crianças, que incluirá “dois pagamentos extras de 1.000 pesos (US $16) por criança”.

5. Dívidas. As pequenas e médias empresas, além de trabalhadores autônomos, terão um prazo de 10 anos para pagar as dívidas devidas até com o Tesouro.

6. Bolsas. As bolsas de estudo terão um aumento de 40% no mês que vem.

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Bolsonaro: 'Não vou entrar em poêmica' com Fernandez

15/08/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que não quer “entrar em polêmica” com o candidato da oposição à presidência da Argentina Alberto Fernández. “Acho que ele (Fernández) é do PSOL, né? Estão falando a mesma coisa que falavam por ocasião quando eu era candidato aqui. Não vou entrar nessa polêmica com ele, mas os números da economia mostraram que a Argentina se aproximou muito da Venezuela com a possibilidade desse cidadão se eleger presidente”, disse Bolsonaro. Ele afirmou que o Brasil deve se preocupar com a eleição na Argentina, mas não pretende interferir no processo interno do país. Horas antes, Bolsonaro disse que “bandidos de esquerda” começavam a voltar ao poder na Argentina, referindo-se ao resultado das primárias, nas quais o presidente Mauricio Macri, seu aliado, foi derrotado por Fernández, que tem como candidata a vice a ex-presidente Cristina Kirchner. A vitória de Fernández desencadeou uma troca de insultos entre Bolsonaro e o candidato, que chamou o presidente de “um racista, um misógino e um violento”.

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Governo argentino aposta em cenário improvável

Fausto Spotorno

15/08/2019

 

 

As medidas anunciadas pelo presidente argentino, Mauricio Macri, não são nenhuma loucura. É preciso considerar que a desvalorização do câmbio dos últimos dias afetou completamente a inflação esperada na Argentina. Ela foi de cerca de 25% nos últimos dias e isso terá um efeito inflacionário da ordem de cerca de oito pontos porcentuais mais ou menos adicionados ao esperado. A inflação que deveria terminar em 41%, agora deve alcançar cerca de 50%.

As medidas tomadas por Macri, em sua maioria, afetam o consumo, ou pelo menos liberam fundos, e causam impacto nos salários. Mas será preciso compensar o efeito da inflação acima do esperado.

Entre as medidas, as melhores anunciadas ajudarão as pequenas empresas que, financeiramente, vinham se complicando muito por causa das altas dos juros e da recessão. As medidas devem permitir dar uma maior liquidez a essas empresas que estão em uma situação financeira muito complicada.

Podemos até chamar essas medidas de populistas. Mas, na verdade, o resultado eleitoral de domingo somado aos impactos sobre o mercado está levando o governo Macri a assumir um pouco mais de riscos em sua política econômica. É óbvio que muitas dessas medidas têm um componente eleitoral.

Também é certo que o efeito da aceleração da inflação estava meio esquecido. Por exemplo, o salário real na Argentina, na primeira parte do ano, caiu 12%. E se esperava uma recuperação do salário real na segunda metade do ano graças à combinação de uma melhora dos ganhos, por um lado, com os acordos entre sindicatos e empresas e, por outro, uma baixa na inflação.

Mas a medida para baixar a inflação sem pensar na desvalorização do câmbio resultará em uma inflação ainda mais alta. Mais uma vez, será preciso fazer algo para se recuperar o salário.

Por um lado, foi por isso que ele anunciou esse pacote e, por outro, buscava uma estratégia com efeito eleitoral, o que não deverá ser significativo.

O presidente Macri está apostando em uma situação muito improvável, que é a de que poderá reverter o resultado eleitoral do fim de semana. Mas para conseguir isso, ele precisará de sorte e oportunidade, e as condições não são muito favoráveis. Trata-se de uma situação muito particular. É possível que o governo ganhe alguns votos, mas para isso a oposição terá de perder votos. E isso não vai acontecer.

O governo acredita que pode ganhar três pontos porcentuais até as eleições e fazer com que a oposição perca três pontos. Dessa maneira, poderia sonhar com um segundo turno. Mas isso é muito difícil.