Valor econômico, v.19, n.4699, 27/02/2019. Política, p. A10

 

PF apura se Lula recebeu propina em espécie 

André Guilherme Vieira 

27/02/2019

 

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é alvo da Polícia Federal (PF) por suspeitas de recebimento de propinas em espécie pagas pela Odebrecht. A investigação está atrelada a inquérito que apura lavagem de dinheiro pela Projeto Consultoria, empresa do ex-ministro e delator Antonio Palocci, que comandou a Fazenda e a Casa Civil nos governos do PT.

Lula foi intimado a depor no inquérito no dia 22 de março, às 9 horas. Ele está preso em uma sala no último andar da PF de Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e 1 mês de reclusão imposta pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) por corrupção e lavagem relacionadas ao recebimento de um tríplex reformado pela OAS - como contrapartida por contratos com a Petrobras obtidos pela empresa, segundo a acusação. A defesa do petista tem reiterado que ele é inocente e que nunca recebeu propinas.

Lula é alvo de mais uma investigação por causa da delação de Palocci, seu ex-braço direito.

O ex-ministro afirmou ter entregue a Lula "cerca de oito a nove vezes valores em espécie". Segundo Palocci, eram remessas de R$ 50 mil, em média, e o dinheiro vivo era colocado em caixas de uísque, narrou o delator.

A investigação também apura o relato de Palocci de que Lula teria recebido propina pela obra da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Por esse empreendimento, a Odebrecht teria destinado R$ 15 milhões a Lula, conforme os relatos de Palocci feitos em delação premiada.

Em um dos depoimentos, Palocci afirmou ter entregue dinheiro em espécie a Lula em Brasília e "diversas vezes" em São Paulo. Disse também que levou "valores em espécie para Lula dentro da aeronave presidencial" e que era a única pessoa a entregar pessoalmente valores a Lula "em mãos".

Ontem, Lula prestou depoimento à PF no contexto de outra investigação, aberta depois que cerca de 50 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Frente Sem Medo - liderados pelo ativista Guilherme Boulos - ocuparam o tríplex em 16 de abril do ano passado, em seguida à invasão do edifício Solaris, localizado na praia das Astúrias, no Guarujá.

Eles ficaram no imóvel por cerca de quatro horas e saíram depois de negociarem com a Polícia Militar. O imóvel teve sequestro ordenado pela Justiça Federal em 15 de fevereiro deste ano e deverá ir a leilão em data ainda não definida.

Delegada da PF em Santos, Luciana Fuschini foi à Curitiba ouvir o ex-presidente ontem de manhã. Ela perguntou a Lula se ele incitou a ocupação do tríplex. O petista disse que não e também negou ter tratado do assunto com Boulos antes de ser preso. Lula se entregou à PF em sete de abril de 2018. O apartamento do Guarujá foi invadido pelo MTST em 16 de abril. Nessa mesma data, a PF abriu inquérito para investigar 'esbulho possessório' (invasão de propriedade).

Lula também foi indagado sobre declaração feita em discurso no dia 24 de janeiro na praça da República, em São Paulo, após saber da decisão do TRF-4. "Se me condenaram, me deem pelo menos o apartamento", falou na ocasião. Lula disse que foi 'força de expressão' para manifestar a sua indignação com a condenação.

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Cabral confessa crime e diz que 'apego a dinheiro é um vício'

Cristian Klein

27/02/2019

 

 

Depois de dois anos e três meses negando que recebia propina de fornecedores do Estado, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB) admitiu, em depoimento à Justiça federal, que cobrava comissões de 5% a empresários que tinham contratos na área da saúde. Em menos de uma semana, é o segundo depoimento em que Cabral decide confessar seus crimes, numa mudança de estratégia. Mesmo sem conseguir uma delação premiada, o emedebista busca reduzir o tempo de condenação que, somando todos os processos, chega a quase 200 anos de prisão. Na quinta-feira, o ex-governador depôs à força-tarefa da Lava-Jato, na Procuradoria da República no Rio. Ontem, esteve mais uma vez diante do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal. No 15º depoimento à Justiça federal, Cabral disse que seguiria conselho anterior do magistrado para ser fiel aos fatos, e responder ao "sentido histórico" do combate à corrupção. "Em nome da minha mulher, dos meus filhos, da minha família, em nome da história, eu decidi falar a verdade, ficar bem comigo mesmo", afirmou.

O ex-governador contou que, desde o primeiro mandato (2007-20010), recebia com seu secretário de Saúde Sérgio Côrtes propinas de 3% e 2%, respectivamente. Entre os principais empresários estavam Arthur Soares, conhecido como Rei Arthur, e Miguel Skin. Cabral disse ter recebido R$ 30 milhões do primeiro, e entre R$ 3,5 milhões e R$ 4 milhões do segundo, além de contribuição de campanha. "Quando acabou a eleição, fiz questão de dizer para o Sérgio Côrtes: 'Olha, tem um contrato já em vigor, o Arthur é que coordena a arrecadação dos recursos, e nós vamos combinar uma propina aqui, que seja de 3% para mim e de 2% para você em relação aos serviços da área de saúde", disse.

Numa postura diferente aos depoimentos anteriores, quando se mostrava altivo, arredio e assumia ter usado apenas recursos de caixa dois que sobraram de campanhas eleitorais, Cabral se disse arrependido e aliviado. Comparou a voracidade na prática da corrupção a um vício. "Esse meu erro, erro de postura, de apego a poder, a dinheiro, a tudo, isso é um vício", justificou.

Pela primeira vez, o ex-governador assumiu ser dono dos recursos repatriados pelos irmãos e hoje delatores Marcelo e Renato Chebar - que administravam seu dinheiro no exterior. Os cerca de R$ 270 milhões foram repatriados em 2017. "Quero dizer ao senhor que é verdade o fato de que o dinheiro dos irmãos Chebar era meu dinheiro sim", afirmou.

O ex-governador confessou o recebimento de propina, mas disse que a mulher, a advogada Adriana Ancelmo, que já foi presa e atualmente cumpre medidas cautelares, não participava da organização criminosa. Cabral afirmou ter sido o responsável por "contaminar" o escritório de Adriana ao levar clientes que tinham contratos com o Estado. Bretas achou improvável e o questionou se teria mentido para a mulher. "Enganei mesmo e a prejudiquei", disse.

Como no depoimento da semana passada ao MPF, o ex-governador afirmou que o ex-secretário da Casa Civil Regis Fichtner era seu braço-direito no esquema de corrupção. Disse ainda que o sucessor, o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), recebia mensalidade de R$ 150 mil. Quanto ao ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), Cabral disse tê-lo ajudado com recursos de caixa dois, mas que não integrava o esquema. O depoimento de ontem se ateve às propinas na área de saúde.