Correio braziliense, n. 20474, 11/06/2019. Política, p. 3

 

Conselho do MP vai investigar Dallagnol

Renato Souza

11/06/2019

 

 

Sem levar em conta o fato de os diálogos terem sido obtidos de forma ilegal, o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel, decidiu abrir procedimento para investigar a conduta do procurador Deltan Dallagnol e de outros integrantes da Lava-Jato no Paraná durante conversas com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, quando ele era juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. O CNMP vai avaliar se os envolvidos cometeram falta funcional. A decisão foi tomada em meio a mensagens publicadas pelo The Intercept que mostram diálogos entre os procuradores e o ministro sobre a operação. Além de indicar testemunha e recomendar alterações em fases da operação, Moro consulta Dallagnol sobre a divulgação de uma conversa telefônica entre os ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

O corregedor deu prazo de 10 dias para que Dallagnol e os demais procuradores apresentem esclarecimentos. Na decisão, ele afirmou que existem evidências de desvio de conduta por parte dos integrantes da força-tarefa. “Sem adiantar qualquer juízo de mérito, observa-se que o contexto indicado assevera eventual desvio na conduta de Membros do Ministério Público Federal, o que, em tese, pode caracterizar falta funcional”, escreveu em um trecho.

Além da apuração conduzida pelo corregedor, o caso pode chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). As defesas de acusados ou condenados na Lava-Jato podem solicitar a suspeição do juiz, alegar cerceamento de defesa e pedir anulação de condenações ou investigações.

O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, afirmou que assuntos referentes às ações penais devem ser tratados nos autos e que diálogos fora desse contexto podem prejudicar a lisura dos julgamentos. “Vejo com péssimo olhos (as mensagens). O diálogo a ser mantido pelo juiz com o Ministério Público, que é estado acusador, e com os advogados de defesa deve ocorrer no processo, ou seja, de forma transparente e pública”, disse.

Questionado sobre eventual anulação dos processos, após pedidos dos advogados, ele frisou que ainda é cedo para fazer uma avaliação concreta, mas entende ser possível. “Quem sabe? Ainda dependerá da provocação do interessado e também do órgão julgador. É muito cedo para imaginar, entender os desdobramentos”, limitou-se a comentar.

Mais um procedimento

Um segundo procedimento administrativo que tem Dallagnol como alvo foi aberto pelo CNMP. Nesse caso, o órgão vai apurar suposta intervenção do procurador na eleição para presidente do Senado Federal. Em uma série de tuítes, ele teria feito contrapropaganda em relação ao candidato Renan Calheiros.

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OAB recomenda o afastamento

Luiz Calcagno

Rafaela Gonçalves

11/06/2019

 

 

O Federal da Ordem dos Advogados do Brasil recomendou o afastamento do ex-juiz Sérgio Moro e do procurador Deltan Dallagnol devido aos diálogos divulgados pelo site The Intercept. A advertência, segundo o órgão, é para que as investigações ocorram sem qualquer suspeita. A discussão foi tema central da reunião do Conselho Pleno, ontem, em que conselheiros de todo o Brasil cobraram um posicionamento prudente da instituição e aprovaram por unanimidade a recomendação.

Na nota, a OAB manifesta “perplexidade e preocupação” tanto pelo fato de autoridades de alto escalão terem sido hackeadas quanto pelo conteúdo das conversas que, segundo a entidade, ameaçam alicerces do Estado democrático de direito.

O texto da OAB ressalta, ainda, que a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário sempre foram valores defendidos e perseguidos pela instituição, que zela pela liberdade de imprensa, e que serão tomadas todas as medidas cabíveis para o esclarecimento dos fatos.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), por sua vez, manifestaram apoio a Sérgio Moro, Deltan Dallagnol e os demais promotores da força-tarefa da Lava-Jato. A ANPR reiterou “a confiança no trabalho desenvolvido pelos membros do Ministério Público Federal que atuam na operação Lava Jato” e defendeu “a importância da liberdade de imprensa e condena a obtenção ilícita de dados, bem como a sua transmissão a terceiros”. Ainda segundo o texto, a ANPR vai cobrar investigação rigorosa contra a violação dos celulares e a divulgação das conversas. Para a associação, os dados divulgados foram obtidos de forma ilícita, “violando os postulados do Estado de direito” e não serviriam como prova. “A Ajufe confia na honestidade, lisura, seriedade, capacidade técnica e no comprometimento dos Magistrados Federais com a Justiça e com a aplicação correta da lei. Seremos incansáveis na defesa da atuação de nossos associados”, encerra a nota.

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Hacker usou técnicas sofisticadas

Renato Souza

Augusto Fernandes

11/06/2019

 

 

O Ministério Público Federal no Paraná divulgou detalhes sobre as técnicas usadas pelo hacker para ter acesso a conversas mantidas entre o então juiz Sérgio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e demais integrantes da Lava-Jato. De acordo com o órgão, os alvos tiveram os aparelhos celulares clonados, assim como “contas em aplicativos de comunicação instantânea”. Os ataques ocorrem desde abril e estão sendo investigados pela Polícia Federal. Familiares dos alvos, de acordo com a investigação, também sofreram tentativas de ataques em celulares e computadores.

“O modo de agir agressivo, sorrateiro e dissimulado do criminoso é um dos pontos de atenção da investigação. Aproveitando falhas estruturais na rede de operadoras de telefonia móvel, o hacker clonou números de celulares de procuradores e, durante a madrugada, simulou ligações aos aparelhos dos membros do MPF”, informou o MP.

Ainda de acordo com o órgão, para atingir os objetivos, o hacker, “valeu-se de ‘máscaras digitais’”, indicando como origem dessas ligações diversos números, como os dos próprios procuradores, os de instituições da República, além de outros do exterior. As ligações eram feitas durante a noite, com o objetivo de identificar a localização da antena (ERB) mais próxima do aparelho celular, viabilizando assim a intrusão, além de fazer com que o ataque não fosse descoberto.

O consultor de segurança digital Leonardo Sant’Anna disse que existem diversos meios para invadir celulares. “A invasão pode ocorrer por meio da rede de internet wi-fi, pela clonagem de celular, instalação de programa malicioso etc.” Ele afirmou que encontrar o autor é tarefa difícil.

Perícia

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) explicou que os celulares de Moro e Dallagnol devem ser periciados, como obriga o Código de Processo Penal, se for aberta uma investigação sobre o caso no MP, no Superior Tribunal de Justiça ou na PF. “É um fator de nulidade processual, caso o exame pericial não seja feito. Mas, para isso, é necessário haver a intimação de um juiz, um procurador ou um delegado. A partir disso, podemos trabalhar para chegar à materialidade do fato acontecido, à dinâmica e à autoria de quem o fez”, disse o presidente da APCF, Marcos Camargo.