O Estado de São Paulo, n. 45906, 25/06/2019. Economia, p. B3

 

Acordo com Cade tira Petrobrás do mercado de gás

Adriana Fernandes

Anne Warth

Gustavo Porto

25/06/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

 

Para evitar possíveis multas do órgão que regula concorrência, estatal deverá se comprometer a vender participações em distribuidoras

A Petrobrás terá de sair totalmente do mercado de gás natural e vender as ações que detém nas empresas de transporte e distribuição. As obrigações fazem parte de um acordo costurado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a petroleira para suspender um processo que investigava a atuação anticompetitiva da estatal no mercado. A saída da Petrobrás do segmento é um dos pilares do Novo Mercado de Gás, plano lançado ontem pelo governo.

O acordo será assinado amanhã, mas a cautela do governo ainda é grande para que nada dê errado nessa etapa do pacote de medidas. Na avaliação da equipe econômica, a participação da Petrobrás nesse mercado tem sido um obstáculo à competição e à queda do preço do insumo.

A Petrobrás não é a única produtora de gás do País, mas sua presença e atuação no mercado é quase absoluta. Dona da maioria dos gasodutos de transporte do País, a companhia anunciou a venda de parte de sua malha no Sudeste – NTS e TAG –, mas manteve contratos que preveem o uso de toda a capacidade dos dutos para injeção de seu próprio gás.

Nesse cenário, as concorrentes não conseguem acessar aos dutos. Por isso, são obrigadas a vender sua produção para a Petrobrás. Quem quiser importar gás também precisa negociar com a estatal, que é dona de todas as unidades que processam o produto trazido por navios. Essas condições fazem com que a companhia, na prática, seja a única fornecedora do País

Procurada, a Petrobrás informou que vai aguardar a publicação da resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no Diário Oficial para comentar o assunto.

Congresso. Uma das preocupações do governo é com a recepção do pacote de medidas no Congresso. Para evitar atritos, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, vai hoje ao Senado e amanhã à Câmara. Ele vai sugerir possíveis mudanças na lei que deverão ser feitas pelo Legislativo. Uma delas é a aprovação da alteração no regime de exploração dos gasodutos para o modelo de autorização – hoje, são concessões. “Vamos apresentar o que entendemos que tem de ser aperfeiçoado na legislação”, afirmou Albuquerque.

Em defesa do pacote, o ministro ressaltou que o Brasil terá de ter aumento de 35% na geração de energia em dez anos. Ainda segundo ele, investimentos na instalação de infraestrutura para atender à demanda do novo mercado de gás natural devem movimentar R$ 34 bilhões até 2032.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse acreditar que a Petrobrás e o Cade não serão contrários à proposta de saída da companhia do mercado de distribuição. “Estamos muito mais preocupados com os brasileiros do que com monopolistas. O Cade não vai impedir algo a favor da concorrência, e acho que o presidente da Petrobrás também não será contra”, disse.

Consumidores livres. O pacote visa a incentivar maior liberdade aos grandes consumidores para adquirir o gás natural de comercializadores e produtores. Se houver alguma alteração nos contratos com as distribuidoras, ela não será imposta pelos Estados, mas negociada entre as partes. Se a revisão contratual trouxer algum prejuízo para a empresa, haverá compensações – financiadas, sobretudo, pelos recursos do Programa de Fortalecimento dos Estados (PFE). Procurada, a Abegás informou que vai aguardar a publicação das medidas para se pronunciar.

Os recursos que o governo vai transferir aos Estados são provenientes principalmente do Fundo Social do Pré-Sal. Criado em 2010 para ser uma poupança para o futuro, o fundo visa financiar o desenvolvimento do País com investimentos em saúde e educação. Hoje, 100% das receitas do fundo pertencem à União, mas, com o plano do gás, a ideia é dividir esses recursos com Estados.

A estimativa é que o fundo tenha R$ 17 bilhões até 2020, mas ele terá ainda mais dinheiro no futuro a partir das receitas dos leilões dos últimos anos e dos previstos para o fim de 2019.

Concorrência

“O Cade não vai impedir algo a Favor da concorrência e acho que o presidente da Petrobrás também não será contra.”

Paulo Guedes

MINISTRO DA ECONOMIA

PROJETO

- Por que o preço pode cair para o consumidor?

1 – Os produtores, que hoje são obrigados a vender seu gás para a Petrobrás, poderão comercializá-lo diretamente com grandes empresas e distribuidoras. Terão acesso a dutos de escoamento e unidades de processamento.

2 – Com os gasodutos abertos a todo o mercado, será possível comprar gás em um Estado e entregar em outro, elevando a competição.

3 – Distribuidoras serão remuneradas pelo serviço, com separação da atividade de comercialização. Agências reguladoras vão adotar práticas para incentivar custos mais baixos, com vistas a reduzir as tarifas. Os contratos, que hoje garantem remuneração de 20% ao ano, serão renegociados para garantir preços mais baixos e taxas de mercado.

4- Estados serão incentivados a privatizar as distribuidoras. A expectativa é de que as empresas tenham, com isso, uma maior capacidade de investimento e custos menores. Em troca, as unidades da federação receberão recursos do governo federal.

- Choque de preços

Governo federal espera reduzir o preço do gás de US$ 14,00 MM/BTu para US$ 6,00 a US$ 7,00 MM/BTu

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Gás natural: da oportunidade à realidade

Paulo Pedrosa

25/06/2019

 

 

Todo mundo já sabe: o pré-sal é uma riqueza do Brasil. O que fica cada vez mais evidente é que o gás natural que virá com o petróleo tem um poder extraordinário de transformar a nossa economia e gerar empregos. O aumento da competição dará início a um processo semelhante ao que promoveu a recuperação da economia nos EUA na última década, com a exploração do gás de xisto.

Duas razões explicam esse movimento: a primeira é que mais que dobraremos a produção de gás, com os campos já licitados. A outra é a convergência entre governo e mercado para transformar essa produção em oferta ao País. Em outras palavras, esse gás terá de ser produzido para que o petróleo possa escoar, e o Brasil está criando as condições para que ele seja usado em território nacional.

Ao contrário do que foi feito no passado, o choque de energia competitiva vem da criação de um ambiente de confiança para os investimentos e não de intervenções do governo. Estamos quebrando uma antiga lógica, lembrada por Roberto Campos, de que o Brasil nunca perdia uma oportunidade de perder uma oportunidade.

Estudos feitos pela Abrace apontam que o choque da energia competitiva tem potencial de gerar 12 milhões de empregos em dez anos e acrescentar 1% ao PIB brasileiro a cada ano.

A Petrobrás, que anunciou a disposição de concentrar esforços nos segmentos mais lucrativos, terá na criação de um mercado competitivo sua maior proteção contra as intervenções que, no passado, trouxeram tantos danos à companhia.

As indústrias terão acesso a um combustível que dará competitividade à produção nacional e promoverá investimentos novos. Governos e população se beneficiarão com o aumento da arrecadação e dos empregos.

Muitos Estados já dão sinais de que enxergaram, nesse movimento, uma grande oportunidade. Alguns, como Rio de Janeiro e Sergipe, até se anteciparam às propostas que estão sendo consolidadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

Esse cenário aponta para um novo Brasil mais moderno, mais eficiente e competitivo, com o fortalecimento de instituições como ANP, Aneel e Cade e a consolidação do País como um polo de atração de investimentos internacionais. O gás também ajudará na transição de nossa matriz energética, consolidando a tradição brasileira na geração de energia limpa e renovável.

Chegou a hora do gás mudar a realidade do Brasil.