O Estado de São Paulo, n. 45817, 28/03/2019. Política, p. A10

 

Congresso sabatina 1º escalão

Renato Onofre

Teo Cury

Breno Pires

Idiana Tomazelli

Eduardo Rodrigues

Lígia Formenti

Anne Warth

28/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Participação de titulares da Esplanada em audiências na Câmara e no Senado é marcada por protestos, bate-boca e selfies

BRASÍLIA

Sete dos 22 ministros do governo Jair Bolsonaro participaram ontem de audiências no Congresso para dar explicações sobre seus trabalhos à frente das respectivas pastas. Diante do clima hostil entre governo e parlamentares, enfrentaram protestos e perguntas mais ríspidas, mas também houve recepções amistosas, com direito a selfie.

Na primeira audiência do dia, um grupo de dez índios, liderados pela líder indígena Sônia Guajajara, que foi candidata a vice-presidente pelo PSOL, aguardava a chegada do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Eles protestaram contra a municipalização da saúde indígena. O tumulto do início, porém, contrastou com o clima ameno no restante da sessão .

O clima estava bem mais tenso na Comissão de Educação da Câmara. O ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que balança no cargo, foi bastante criticado, mesmo levando assessores, que a toda hora o auxiliavam. Deputados classificaram suas respostas como vagas.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) cobrou dados do ministro por duas vezes e, diante de respostas que considerou evasivas, pediu que deixasse a pasta. “O senhor não tem respostas. O senhor vem aqui sem dados. É um desrespeito ao Brasil. O senhor não sabe o que está acontecendo.” Vélez rebateu. “Se a senhora não espera resposta, por que faz perguntas?”

O ministro mais aguardado do dia, no entanto, era o da Economia, Paulo Guedes, que, na véspera, havia cancelado sua participação em uma comissão da Câmara. Ele foi à tarde à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e admitiu que faltou no dia anterior para não “tomar tiros nas costas” do partido do governo, o PSL.

“Fui aconselhado (a não ir), tem gente que cuida de mim. Me disseram que o meu partido ia atirar em mim, que a oposição ia atirar em mim e não teria nem relator. Parece que semana que vem não levarei tiro nas costas do meu partido, só pela frente (da oposição)”, afirmou.

Na comissão do Senado, porém, foi duramente questionado e, num dos momentos mais tensos, acusado de mandar a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) “calar a boca”, o que negou. Um pouco antes, ao responder a uma interpelação da senadora, disse: “A senhora terá o seu horário”, e não respondeu. Filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) foi ao seu auxílio defender a reforma da Previdência. “O avião está caindo.”

Outra audiência concorrida foi a do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que encontrou no Senado um ambiente mais favorável que na Câmara, onde chegou a trocar farpas com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Casa. Houve até risadas quando o senador Jorginho Mello (PR-SC), em meio a elogios, perguntou como Moro estava se sentindo no governo. “O senhor nunca foi muito sorridente”, brincou.

O clima foi ameno também para o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. Ex-assessor parlamentar da Marinha, ele apresentou propostas com o microfone na mão, como um palestrante. No fim, tirou selfie com um vereador de Jacundá (PA), que acompanhava a audiência.

Sem pausas. Quem não teve trégua foi o chanceler Ernesto Araújo na Comissão de Relações Exteriores da Câmara. A reunião foi a mais longa do dia – sete horas e intervalo de apenas dois minutos e 57 segundos, como frisou o presidente da comissão, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O ministro precisava ir ao banheiro.

Com tantos ministros no Congresso, o do Meio Ambiente, Ricardo Salles, teve uma audiência esvaziada na comissão da sua área no Senado. Parlamentares justificavam que precisavam se retirar para acompanhar as reuniões com Guedes ou Moro.

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No tabuleiro da política, o poder não fica órfão

Rodrigo Augusto Prando

28/03/2019

 

 

O poder não fica órfão, ele sempre será exercido por algum ator político e, às vezes, aquele que tem a legitimidade do voto, portanto, o “poder de direito”, não consegue efetivá-lo em “poder de fato”. O presidente Bolsonaro tem tido dificuldade para governar, para dar um norte a seu governo. Pior, ainda, tem sido o relacionamento de Bolsonaro e até de um dos de seus filhos com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Sabidamente um tema impopular, a reforma da Previdência não tem em Bolsonaro um ferrenho defensor. Maia afirmou – corretamente – que seu papel não é fazer a articulação política do governo e, também, de que, ao jogar no colo do Parlamento a responsabilidade da reforma, Bolsonaro quer o bônus, caso seja aprovada, mas não quer o ônus que há no bojo dela.

Anteontem, a Câmara aprovou uma PEC que engessa parcela substancial do orçamento e torna obrigatório o pagamento de despesas hoje passíveis de adiamento, como, por exemplo, emendas das bancadas parlamentares e investimentos em obras. Uma derrota para o governo e recado: falta articulação política e o tratamento dispensado aos deputados, quase todos classificados como da “velha política”, gera problemas e atritos entre os poderes Executivo e Legislativo. Nem mesmo o partido do governo, o PSL, entendeu o que estava acontecendo. Maia surfou numa onda que não foi gerada por ele. Quem, efetivamente, traz dificuldades ao governo Bolsonaro é o próprio governo Bolsonaro. Simples. Os ataques à “velha política” pelo presidente da República e os seus, bem como os bolsonaristas nas redes sociais, têm conseguido a proeza de reunir, indignados, partidos à esquerda, ao centro e à direita, contrários ao tratamento governamental.

No tabuleiro da política institucional, Maia e os deputados encurralaram o Planalto. Ou Bolsonaro começa a dialogar e deixa de falar para os já convertidos (bolsonaristas nas redes sociais) ou outras pautas-bomba, num “pacote de maldades”, virão em breve. O poder não fica órfão.