O Estado de São Paulo, n. 45809, 20/03/2019. Internacional, p. A12

 

Eduardo, chanceler de facto do Brasil

Beatriz Bulla

Daniela Amorim

20/03/2019

 

 

Na Casa Branca, terceiro filho de Bolsonaro recebeu elogios públicos do presidente Trump

Os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump se encontram no Salão Oval da Casa Branca, ao lado dos dois intérpretes oficiais e na presença de Eduardo (E)

O terceiro filho do presidente brasileiro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), assumiu o posto de chanceler informal do governo durante a viagem do pai aos Estados Unidos. Ontem, na Casa Branca, Eduardo recebeu uma série de deferências públicas do presidente americano, Donald Trump, de quem é um entusiasta.

Primeiro, Eduardo foi convidado por Trump para participar da reunião privada entre os dois presidentes, no Salão Oval da Casa Branca. A praxe é que o encontro se limite aos dois líderes e respectivos tradutores, quando é o caso. O filho do presidente brasileiro se juntou aos dois.

A jornalistas, Bolsonaro disse que Trump convidou Eduardo para o encontro porque ele “tem amizade” com um dos filhos do americano. Em novembro, o terceiro filho do presidente brasileiro fez uma espécie de viagem precursora aos Estados Unidos, na qual se encontrou com integrantes do governo americano.

O chanceler Ernesto Araújo tentou reduzir a importância da participação de Eduardo no encontro de ontem entre os dois presidentes. Ele disse que sua participação não estava prevista no encontro e afirmou que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, o seu equivalente, também não estava no encontro. Pompeo está em viagem oficial ao Oriente Médio.

Depois do encontro e almoço na Casa Branca, os dois líderes partiram para uma declaração à imprensa no Rose Garden. Lá, de novo, Trump falou sobre Eduardo. “Eu vejo no público o filho do presidente, que tem sido fantástico. Você poderia se levantar? O trabalho que você tem feito durante um período duro é apenas fantástico. Eu sei que seu pai aprecia isso. Muito obrigado. Trabalho fantástico”, disse Trump, enquanto Eduardo se levantou e acenou para os jornalistas presentes.

Nos outros momentos, o deputado gravava, pelo celular, um vídeo dos dois presidentes fazendo o anúncio aos jornalistas. Depois de deixar a Casa Branca, Bolsonaro foi questionado por jornalistas se levava do encontro alguma decepção com relação a Trump.

“Nenhuma decepção. A minha sinalização positiva a Trump ocorria desde as primárias, comecei minha pré-campanha logo depois de 2014, eu vim aos EUA depois, comecei a conversar com gente do terceiro escalão do governo”, disse Bolsonaro, mencionando na sequência a deferência de Trump a Eduardo com o convite para participar do encontro no Salão Oval.

Também foi Eduardo quem acompanhou o presidente na visita à CIA, agência de inteligência americana, juntamente com o ministro da Justiça, Sérgio Moro. No tempo livre, o deputado e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara acompanhava Filipe Martins, assessor de Assuntos Internacionais do Planalto, em agendas paralelas com integrantes do governo americano e de movimentos conservadores do país.

O encontro entre Trump e Bolsonaro teve “descontração e gargalhadas”, segundo o brasileiro. Bolsonaro fez piada com a idade da mulher de Trump, Melania, dizendo ao americano que ele era “jovem” pois “temos a idade da mulher que amamos”. Melania é mais de 20 anos mais nova do que o presidente.

No Salão Oval, os dois presidentes trocaram camisetas de futebol. Trump presenteou Bolsonaro com uma camiseta da seleção de futebol dos EUA, com o número 19 e o nome do Bolsonaro escrito atrás. Já Bolsonaro deu uma camisa da seleção brasileira com o número 10, fazendo uma referência a Pelé. A camiseta amarela tinha o nome de “Trump” escrito nas costas.

Representante. Eduardo Bolsonaro não é o único filho do presidente a aparecer na linha de frente do governo. Na segunda-feira, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o mais jovem entre os políticos do clã, foi criticado nas redes sociais por ter ido a Brasília para, segundo ele, desenvolver “linhas de produção” solicitadas pelo pai.

Embora não seja deputado nem ocupe cargo no governo, Carlos “despachou” na Câmara dos Deputados e no Palácio do Planalto, relatando seus compromissos na capital federal nas redes sociais. “Em Brasília. Dentre muito o que conversar com amigos deputados federais e desenvolvendo linhas de produção solicitadas pelo presidente Jair Bolsonaro”, escreveu na segunda-feira, no Twitter, Carluxo, como ele é conhecido

Mesmo sem ocupar cargo no Executivo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) discursou ontem, em nome do pai, na 53.ª Convenção da Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Segundo a entidade, o presidente foi convidado, mas como estaria em viagem aos Estados Unidos indicou o filho para representá-lo.

Como o senador não integra o Executivo, o Estado perguntou à Abras o motivo da presença do parlamentar no lugar do presidente. A resposta oficial da entidade foi que Bolsonaro escolheu o filho senador para representálo. Questionada novamente ontem, a Abras alegou que houve um erro do cerimonial que organizava o evento: pai e filho tinham sido convidados. / COLABOROU DANIELA AMORIM

Elogios

“Vejo no público o filho do presidente, que tem sido fantástico. Você poderia se levantar? O trabalho que tem feito durante um período duro é apenas fantástico. Sei que seu pai aprecia isso. Obrigado. Trabalho fantástico”

Donald Trump

PRESIDENTE DOS EUA, SOBRE EDUARDO

“Temos a idade da mulher que amamos”

Jair Bolsonaro

PRESIDENTE DO BRASIL, SOBRE A IDADE DE TRUMP E MELANIA

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O que pensam os analistas

Rodrigo Turrer

Luiz Raatz

20/03/2019

 

 

MARCOS AZAMBUJA

DIPLOMATA

● Venezuela

A posição brasileira tem de ser claríssima, como sempre. O Brasil é contra qualquer intervenção não autorizada e ilegítima nos assuntos internos de outros Estados. O Brasil não pode se associar a uma intervenção militar ou de qualquer outro tipo que não tenha aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Não é da nossa tradição esse tipo de ameaça. Não é da nossa relação com os vizinhos.

● Brasil na Otan

É possível, mas não é desejável. Eu tenho dúvidas sobre essa vinculação, porque nós não fazemos parte deste mapa. Estamos no Atlântico Sul. A Otan tem uma lógica, criada na 2.ª Guerra, em oposição primeiro à ameaça nazi-fascista, depois à União Soviética. Eu não vejo o Brasil entrando neste clube com razões legítimas. Isto me dá a impressão de que estamos jogando fora uma tradição longa em troca de um aventureirismo. Essa tentação é prestigiosa, mas envolve risco e despesa. Duas coisas que o Brasil não deve assumir.

● OCDE

A OCDE cria credibilidade. É um clube que tem regras e sócios prestigiosos. Ser membro da OCDE confere uma espécie de selo de qualidade, seria bom para o Brasil. Mas o País deve entrar sem condicionalidades, sem abrir mão de nada. Da mes- ma maneira que a Coreia do Sul e a Turquia são sócias sem terem aberto mão dessas vanta- gens na OMC. 

FERNANDO CRUZ

EX-CONSELHEIRO DA CASA BRANCA

● Venezuela

O que importa agora são os militares, que seguram o país como está. Os EUA estão falando tanto de uma ação militar, sem o efeito desejado, que não me parece ser a melhor hipótese. O restante da região tem de agir mais. As sanções americanas já atingiram seu limite, e agora são os países da região que precisam tomar medidas para impor sanções aos aliados de Maduro, cassar vistos para impedir a entrada de chavistas, proibir o trânsito de dinheiro e de pessoas aliadas de Maduro pela América Latina.

● Brasil na Otan

Acho pouco possível a entrada. Podemos seguir o exemplo da Colômbia. Eles trabalham não apenas como aliados americanos, mas aliados de toda a Otan, participando de treinamentos, de missões regionais. Mas não sei se o Brasil quer isso, mandar tropas para outros países, participar de exercícios, de guerras. A decisão tomada é histórica porque seria inimaginável dez anos atrás este nível de proximidade de maneira tão rápida.

● OCDE

O País tem de crescer, olhar pa- ra a frente, em vez de se prender ao passado. A economia brasilei- ra tem tudo para subir e precisa de mais confiança com investidores. Esse é o tipo de medida que ajuda a trazer confiança. A entrada elevaria o Brasil a outro nível de promessas e exigências. Qualquer investidor ficaria mais seguro. / RODRIGO TURRER

PETER HAKIM

PRESIDENTE DO DIÁLOGO INTERAMERICANO

● Venezuela

Acho que os EUA perceberam que os países sul-americanos resistirão a sanções mais duras ou a uma possível ação militar, um golpe militar, armar dissidentes ou até mesmo uma invasão. Com o Brasil ao seu lado, seria mais difícil para os EUA perderem apoio regional na América Latina para sua estratégia para a Venezuela, principalmente se Washington optar por opções mais radicais.

● Trigo e o Mercosul

Eu não esperava que os EUA fizessem esse tipo de demanda de maneira tão aberta. Foi uma surpresa. Eu não tenho os números, mas claramente isso não cairá bem com os argentinos, que fazem parte de acordos muitos antigos com o Brasil e veem o País como seu principal parceiro comercial. Não sei também se comprometerse com um volume tão grande de importação é a melhor decisão do ponto de vista econômico.

● OCDE

Brasil na Otan

A entrada na OCDE seria uma boa para o Brasil, mas os custos seriam altos. O mais importante para o Brasil, no entanto, e o governo Bolsonaro sabe bem disso, é a economia ir bem e deixar para trás a recessão e a estagnação. Isso é crucial para o sucesso do governo. Uma relação mais profunda com os EUA pode convencer investidores. No entanto, seria melhor para o Brasil não abandonar seu papel na OMC.