O Estado de São Paulo, n. 45810, 21/03/2019. Internacional, p. A10

 

Brasil exige condições para abandonar vantagens na OMC e entrar na OCDE

Beatriz Bulla

Luiz Raatz

21/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Diplomacia. Alto funcionário do governo brasileiro, presente nas reuniões em Washington, relata momentos de tensão e garante que País não abrirá mão de privilégios comerciais sem que outros países importantes, como China e Coreia do Sul, façam o mesmo

Chegada. Bolsonaro (D) ao lado de Mourão ao desembarcar de viagem aos EUA; concessões para entrar na OCDE

Negociadores brasileiros afirmaram aos americanos que aceitariam abrir mão de vantagens dadas a emergentes na Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca do apoio dos EUA à entrada do País na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas o Brasil impôs condições, algo não noticiado na terça-feira, último dia da visita de Jair Bolsonaro a Washington. A informação foi relatada ao ‘Estado’ por um alto funcionário do governo brasileiro que acompanhou o encontro com o presidente americano, Donald Trump.

Para os americanos, o Brasil não poderia ser membro da OCDE, informalmente chamada de “clube dos ricos”, e manter as vantagens comerciais de um país em desenvolvimento dentro da OMC. Seria repetir o que fez a China, tudo o que os EUA não querem mais ver. O Brasil, de acordo com este funcionário, estaria disposto a deixar a OMC, mas com uma condição importante: outros países, como China e Coreia do Sul, teriam de fazer o mesmo.

O alto funcionário do governo brasileiro relatou momentos de tensão, especialmente quando os negociadores americanos abordaram de maneira agressiva as exportações do Brasil. Imediatamente, os brasileiros também subiram o tom, para evitar que o diálogo fosse conduzido pelos EUA.

Segundo presentes, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a relatar a Trump que um de seus secretários o tratou nas negociações como se fosse chinês. “Trump repreendeu o auxiliar com um olhar fulminante”, disse o alto funcionário brasileiro.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ganhou um “I like you” (gosto de você) de Trump, ao dizer que se os americanos quiserem vender etanol para o Brasil teriam de, em troca, abrir o mercado para o açúcar brasileiro. “Faz sentido, gosto de você”, teria respondido Trump. Ao se despedir do presidente americano, após a reunião, Trump voltou a repetir para a ministra. “Gostei de você!”

Parte do governo brasileiro argumenta que abrir mão do tratamento diferenciado na OMC não afeta de forma significativa o País e destaca que o acordo com os americanos foi para “começar a abrir mão” do benefício, o que não implicará uma mudança brusca ou desproporcional, e só se aplica a acordos futuros. Qualquer mudança levaria de dois a três anos para a entrada na OCDE se concretizar. A boa vontade e a ótima relação entre Bolsonaro e Trump talvez possam encurtar este prazo pela metade, na avaliação da comitiva brasileira.

O primeiro sinal concreto de resultado desta negociação será a presença de um representante do Departamento de Comércio em 30 dias no Brasil.

Avaliação. Entre integrantes do governo, circulou ontem um artigo publicado em 2000 pelo Banco Mundial sustentando que os benefícios do tratamento especial diferenciado na OMC devem ser aplicados apenas aos países em desenvolvimento com baixa renda, o que não é o caso do Brasil. O trabalho, escrito por Constantine Michalopoulos, argumenta que é preciso estabelecer um sistema gradativo para que os países em desenvolvimento com capacidade industrial e renda média deixem de utilizar o sistema.

Ex-integrante do governo Obama e consultor da Macro Advisory Partners, Nicholas Zimmerman avaliou a questão da OCDE para o Brasil, mesmo com a concessão sobre o tratamento diferenciado na OMC, como uma negociação “ganhaganha”. “Isso vai ajudar o Brasil a atrair investimento e, no meio tempo, há essa política mais ampla americana sobre a questão da categorização na OMC”, afirmou, durante debate no Brazil Institute, do centro de estudos Wilson Center, de Washington.

Na avaliação de Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, “seria melhor para o Brasil não ter de abandonar seu papel na OMC”. “Os EUA estão dizendo que ‘se vocês querem A, terão de abrir mão de B’. Não estão agindo como alguém que quer uma parceria próxima com o Brasil.”

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Análise - Rubens Barbosa: Três avanços importantes

Luis Raatz

21/03/2019

 

 

Foram conseguidas três coisas importantes. O acordo de salvaguarda tecnológica que discutimos há 20 anos. Ele abre a possibilidade do uso comercial de Alcântara. Sobre a OCDE, havia uma divisão no governo americano e o governo brasileiro conseguiu desbloquear. Pagaram o preço, que foi a OMC. E terceiro, a questão de ser aliado não membro da Otan.

A questão da OMC foi uma negociação normal, mas imagino que o governo tenha feito os cálculos. O que significa não ser mais graduado? Na OMC, não poderemos mais pedir tratamento especial para prazos melhores. Mas o Brasil já vinha perdendo isso. Essa posição de país em desenvolvimento estava acabando. Mas as negociações são assim. Temos de ter uma visão objetiva das coisas.

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Análise - Roberto Abdemur: Empate com algum risco

Luis Raatz

21/03/2019

 

 

Obalanço, no que diz respeito a medidas concretas, está empatado. O Brasil fez grandes concessões, como a isenção de visto, a importação de trigo – que talvez até prejudique nossa relação com a Argentina – e a abertura do Brasil à importação de carne suína americana. Por outro lado, foi positivo o aceno de Trump à entrada na OCDE. A designação como aliado extra-Otan também é positiva, apesar de simbólica.

O que me preocupa na visita é que dela resulte um alinhamento automático com os Estados Unidos. O presidente e o chanceler mostram sinais de uma opção preferencial por uma relação com os Estados Unidos, que teria um efeito muito negativo para a política externa brasileira. Diminuiria a relação com países árabes e europeus. Esse é o maior risco.

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Análise - Rubens Ricupero: Concessão e palavras vagas

Luis Raatz

21/03/2019

 

 

Bolsonaro conseguiu o que desejava: uma relação mais próxima. Mas, do ponto de vista do País, ele deu concessões substanciais em troca de palavras vagas. É muito desequilibrado o resultado da visita. Do lado brasileiro, os compromissos são quantitativos, como o caso da cota sobre trigo. Do lado americano, são promessas, como o caso da carne bovina. No caso da OCDE, não dá para abrir mão do estatuto da OMC.

A história da OCDE é uma manobra de relações públicas. Isso foi vendido por esse pessoal liberal porque pertencer à OCDE obriga a alinhar as políticas públicas. Isso é verdade. Mas nós teríamos diversas políticas que teriam de ser mudadas no Congresso. E não sei se o governo consegue fazer isso. É, na verdade, uma quimera. É bom, mas não abrindo mão de vantagens concretas.