Valor econômico, v.19 , n.4671 , 22/01/2019. Brasil, p. A3

 

Com crise e migração, mão de obra rural cai 3% em 4 anos

 

 

 

Bruno Villas Bôas

22/01/2019

 

 

Cosmo Donato: "Mesmo com desemprego alto nas áreas urbanas, a imigração de mão de obra pode ter continuado"

 

Mesmo com o bom desempenho do agronegócio, a força de trabalho nas áreas rurais no país encolheu nos últimos anos, ao passo em que cresceu fortemente - acima do avanço populacional - nas regiões urbanas. A constatação é possível a partir de números inéditos contidos nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, levantados pela LCA Consultores a pedido do Valor.

O levantamento mostra que a força de trabalho (pessoas ativas no mercado de trabalho, sejam empregadas, sejam desempregadas) recuou 3% nas áreas rurais desde o terceiro trimestre de 2014, para 12,3 milhões de pessoas no terceiro trimestre do ano passado. Nesse período, a população rural cresceu apenas 1%. O dado reflete, segundo especialistas, uma combinação de crise com migração campo-cidade.

Nas áreas urbanas do país, o comportamento foi diferente. A população cresceu 4% nos últimos quatro anos - que compreende o terceiro trimestre de 2014 ao terceiro trimestre de 2018. Porém, a força de trabalho urbana cresceu ainda mais no período analisado - 8%, para 92,8 milhões de pessoas, o correspondente a 6,5 milhões de pessoas a mais, conforme o levantamento da consultoria na base de dados do IBGE.

Segundo Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, os números são condizentes com o processo de migração de mão de obra do campo para a cidade em busca de vida melhor. É algo que foi visto com mais intensidade em décadas passadas. O boom do agronegócio pode não ter gerado forte demanda de mão de obra porque ocorreu em atividades não intensivas em mão de obra, como grandes plantações de soja e milho nas regiões Centro-Oeste e Sul.

"O agronegócio que cresce fortemente é mais intensivo em maquinário. Então, mesmo com desemprego alto nas áreas urbanas, a imigração de mão de obra pode ter continuado para lá", diz Donato, frisando que os trabalhadores de áreas rurais não são, necessariamente, trabalhadores rurais. "Parte pode estar empregada em comércio e serviços das áreas rurais. São atividades que, de forma geral, sofreram com a crise."

De acordo com o levantamento, a taxa de desemprego nas áreas rurais do país cresceu de 4,9%, no terceiro trimestre de 2014, para 9,5%, no terceiro trimestre de 2018. Eram no total 1,2 milhão de desempregados. A população ocupada (empregados, empregadores, contas próprias, servidores) que morava em áreas rurais encolheu 8% nos últimos quatro anos, o que corresponde a uma perda de 961 mil ocupações.

Já a taxa urbana passou de 7% para 12,2%, entre os dois períodos. Neste caso, eram 11,3 milhões. Isso significa que a taxa de desemprego rural cresceu proporcionalmente mais ao longo do período. Embora a taxa de desemprego tenha piorado, a população ocupada aumentou 2% do terceiro trimestre de 2014 ao mesmo período de 2018. Esse crescimento, porém, não foi suficiente para absorver todos que chegaram ao mercado de trabalho.

Nas grandes regiões do país, a taxa de desemprego urbano é de 50% a 100% maior nas áreas urbanas do que nas rurais. Isso não acontece, porém, no Nordeste. Na região mais pobre do país, as taxas de desemprego rural (14,1%) e urbano (14,5%) praticamente igualam-se. Os problemas de condições de vida, emprego e distribuição de terras no Nordeste rural é um desafio histórico da região, que foi foco de movimentos como o das Ligas Camponesas.

O levantamento foi possível porque o IBGE passou a disponibilizar separadamente estatísticas de áreas rurais e urbanas nos microdados da Pnad Contínua. Os números, porém, nunca foram divulgados. A separação foi feita pelo Censo 2010, que delimitou áreas rurais e urbanas dos municípios e formou o chamado Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos. Esse cadastro é usado pela Pnad Contínua.

Segundo a pesquisadora Maria Lucia Vieira, gerente da Pnad Contínua do IBGE, a taxa de desemprego maior nas áreas urbanas, em relação às rurais, faz sentido diante do êxodo rural. "As pessoas, sobretudo os jovens, vão para a cidade procurar emprego. O que também ajuda a explicar o avanço da força de trabalho urbana", disse a pesquisadora.

O êxodo rural resulta, claro, em diversos problemas nas cidades: além do aumento do desemprego, provoca crescimento do subemprego (atividades sem vínculos empregatícios) e avanço do déficit habitacional. O movimento, claro, é relativamente menor que o visto nas décadas passadas, quando o país viveu acelerado processo de urbanização.