O globo, n. 31323, 11/05/2019. País, p. 8

 

Texto de decreto é diferente da versão aprovada por Moro

Ana Clara Costa

Francisco Leali

11/05/2019

 

 

Documentos do Ministério da Justiça indicam inclusão de profissionais no texto original, após assinatura de Bolsonaro

O governo ampliou o alcance do decreto de armas no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro assinou o ato, em solenidade no Palácio do Planalto. Documentos do Ministério da Justiça indicam que foram incluídas dez categorias profissionais com direito a porte de arma após o presidente assinar o decreto. A versão que recebeu parecer favorável do ministro Sergio Moro, em 7 de maio, listava apenas nove categorias que passariam a ter direito de carregar uma arma. Já a versão publicada na manhã do dia 8 no Diário Oficial somava 19 categorias, entre caminhoneiros, proprietários rurais, políticos com mandato e até jornalistas. A solenidade em que Bolsonaro assinou o decreto ocorreu por volta das 17h do dia 7 de maio. Até aquele momento, o Ministério da Justiça ainda não tinha emitido parecer jurídico aprovando a medida.

O texto que estava sendo examinado pelos subordinados do ministro Sergio Moro tinha no artigo 20 uma lista bem menor das categorias profissionais que o governo reconheceu o direito de ter porte, escrevendo que para essas a necessidade de ter arma já seria presumida pelo Estado. A versão aprovada em parecer assinado pela consultoria jurídica às 18h, depois da solenidade em que estava Bolsonaro e o próprio Moro, não incluía produtores rurais, caminhoneiros, jornalistas e nem políticos com mandato. Durante o discurso que fez no anúncio oficial do novo decreto, nem mesmo o presidente citou essas categorias, que só iriam aparecer no Diário Oficial no dia seguinte. Procurado, o Palácio do Planalto não se manifestou para informar se a ampliação do número de categorias ocorreu após a solenidade ou antes dela, ainda no dia 7 de maio. O Ministério da Justiça também não se manifestou.

Moro: houve divergência

Ao expor os motivos para a edição do decreto, o ministro Sergio Moro afirmou que houve divergência entre a vontade da população representada no referendo sobre o desarmamento e o estatuto aprovado pelo Congresso à época. Escreveu o ministro: “Verifica-se, em tese, um descompasso entre o desejo expressado pela população e a regulamentação por parte do poder público, que não se desincumbiu da missão de fazer cumprir o direito duplamente reconhecido à população”.

O ministro ainda afirmou que o novo decreto era uma forma de “adequar a legislação à realidade social, hoje assolada pelo indiscutível recrudescimento da criminalidade” e que o texto viabilizava o “exercício do direito fundamental à legítima defesa”.

Moro também disse, dirigindo-se ao presidente, que o decreto promove “a abertura do mercado para importação de armas e munições, permitindo a livre iniciativa, estimulando a concorrência, premiando a qualidade e a segurança, bem como a liberdade econômica, tão privilegiada pelo Senhor”. O texto da minuta foi inicialmente elaborado pela Casa Civil antes de ser enviado a Moro.

Opinião do GLOBO

O caminho

AS PRIMEIRAS avaliações de assessores da Câmara apontam para inconstitucionalidades no decreto do presidente Bolsonaro de liberação da posse e do porte de armas. Era esperado.

O LEGISLATIVO, assim, cumpre uma das suas funções, que é conter exorbitâncias do Executivo. O melhor que o governo pode fazer é enviar ao Congresso projetos que modifiquem o Estatuto do Desarmamento.

HAVERÁ, ENTÃO, um amplo e necessário debate sobre o armamentismo.

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Registro de armas cresceu 10% no primeiro trimestre

Renata Mariz

João Paulo Saconi

11/05/2019

 

 

Número é referente a licenças para civis concedidas após decreto de Bolsonaro; Minas e São Paulo são estados com maior procura

O número de armas de fogo registradas para civis no Brasil aumentou 10% este ano, após o primeiro decreto do presidente Jair Bolsonaro sobre o tema, editado em janeiro. Foram 9.506 licenças no primeiro trimestre de 2019, contra 8.646 no mesmo período do ano passado, segundo dados da Polícia Federal (PF) obtidos via Lei de Acesso à Informação. Na esteira da assinatura do decreto, houve uma mudança na lista dos estados com mais registros. O Rio Grande do Sul, historicamente o líder em número absoluto de registros de armas, perdeu a dianteira registrada nos últimos quatro anos. Nos três primeiros meses de 2019, Minas Gerais assumiu o primeiro lugar: foram 1.157 licenças concedidas no estado. Em segundo e terceiro lugares, São Paulo e Rio Grande do Sul tiveram 1.157 e 1.040, respectivamente, armas registradas. Na avaliação dos grupos pró-armas, o crescimento registrado foi pequeno. Eles consideram que o primeiro decreto de Bolsonaro, que liberou a posse (direito de ter o armamento em casa ou no trabalho, caso seja responsável pelo estabelecimento), teve alcance limitado. Com a medida desta semana, que estendeu o direito ao porte a 20 categorias, a aposta é de que haverá uma corrida às lojas de armas. Um parecer da Câmara dos Deputados divulgado ontem, porém, aponta que a ampliação do porte de armas feita por decreto de Bolsonaro é ilegal diante do Estatuto do Desarmamento.

— Vai ter uma corrida, porque esse decreto atende de fato ao cidadão, que precisa da arma fora de casa. Aliás, o momento de maior risco de ser atacado é quando a pessoa entra ou sai de sua residência. O

decreto anterior foi muito superficial — afirma Bene Barbosa, presidente do Movimento Viva Brasil e um dos principais defensores da liberação de armas no país. Outro ponto decisivo para que os novos registros não tenham subido mais, na avaliação dele, é o preço para se ter uma arma no Brasil. O valor parte de R$ 4 mil em diante, podendo chegar a R$ 8 mil ou mais, segundo levantamento do GLOBO feito em janeiro passado em três capitais, considerando o preço da própria arma e custos com testes e taxas.

Preço de arma deve cair

As quantias a serem desembolsadas estão longe das possibilidades da maior parte dos brasileiros. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes a 2017, metade da população tinha renda média de R$ 754 por mês. Seria necessário, considerando os modelos mais baratos de arma, reservar quase seis meses de salário para juntar os R$ 4 mil necessários. Jairo Paes de Lira, coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo e presidente da Associação Brasileira pela Legítima Defesa, afirma que os preços cairão com a liberação da importação, também contemplada no decreto recém-editado por Bolsonaro. A medida autoriza a compra de armas e munições do exterior, mesmo que haja produto similar no país, o que era vedado até então sob a justificativa de preservar a indústria nacional.

— A abertura de mercado vai propiciar a competição, fazendo com que os preços fiquem mais acessíveis. Não nos importamos se haverá muitos ou poucos interessados em armas, mas queremos que haja liberdade para quem quiser tê-las —diz Paes de Lira.

Embora elogie o decreto recente de Bolsonaro, Paes de Lira tem ressalvas quanto a alguns pontos do texto. Ele critica a previsão de cassação do porte de arma para pessoas que respondam a inquérito ou processo criminal. O coronel defende que é preciso haver condenação para que a medida seja aplicada e diz que nem a lei prevê tal punição. O Estatuto do Desarmamento faz essa vedação ao falar da autorização para se ter arma.