Valor econômico, v. 19 , n. 4652 , 18/12/2018. Empresas, p. B2

 

Acordo Boeing Embraer está nas mãos do novo governo​

Marli Olmos

18/12/2018

 

 

Foram necessários cinco meses para Embraer e Boeing definirem os termos do acordo anunciado em julho para a criação de duas joint ventures na área de aviação comercial e militar. A demora levou a definição do assunto para um momento delicado, de transição de governo. Pessoas próximas à negociação dizem, no entanto, que o cuidado na elaboração do conteúdo do acordo levou em conta expectativas do governo brasileiro, o que reduz as chances de o Executivo vetar a operação. Isso não significa, porém, um aval automático. O presidente da República tem 30 dias para se pronunciar. Há possibilidade de Michel Temer definir a questão nos próximos dias. Mas, a prevalecer as expectativas do setor, Jair Bolsonaro é quem tomará a decisão final.

A principal novidade do acordo revelado ontem foi o aumento de valores que envolvem o entendimento. A Boeing desembolsará US$ 4,2 bilhões para ficar com 80% do capital social da joint venture na área de aviação comercial na faixa de 50 a 150 passageiros. Em julho haviam sido anunciados US$ 3,8 bilhões.

A nova empresa, que terá valor de US$ 5,263 bilhões, é a força que Boeing e Embraer, que hoje produzem aviões de tamanhos diferentes, precisam para enfrentar aliança semelhantes criada há um ano entre a francesa Airbus e a canadense Bombardier. Segundo a Embraer, as sinergias entre as operações representarão uma redução de custos em torno de US$ 150 milhões por ano antes de impostos - até o terceiro ano de operação. Haverá também parcerias na área de engenharia.

O acordo prevê a possibilidade de a Embraer exercer a opção de venda de seus 20% após o período de vedação de venda de participação - dez anos a partir da data de fechamento da operação. Em teleconferência com investidores, o vice-presidente financeiro e de relações com investidores da Embraer, Nelson Salgado, disse que dos US$ 4,2 bilhões a serem pagos pela Boeing, US$ 1,2 bilhão serão gastos com custos da separação, o que resultará em US$ 3 bilhões de caixa líquido.

A Embraer será, no entanto, majoritária, com 51% de capital social e controle da joint venture do KC-390, um avião bimotor a jato com capacidade de transportar 23 toneladas de carga - o suficiente para levar um tanque de guerra. Essa parceria visa a busca de novos mercados para essa aeronave e abre caminho para a Embraer comercializar o KC-390 nos Estados Unidos, que, como muitos países, exige um percentual de montagem ou conteúdo local em compras de aeronaves militares.

A chamada nova Embraer continuará a ser uma empresa brasileira, preservando os direitos do governo por meio de uma ação de classe especial, a chamada "golden share", que lhe permite o direito de vetar um acordo como esse.

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, que permanecerá no cargo no novo governo, disse que o acordo ainda precisa ser analisado pela equipe de Bolsonaro, o que tende a levar mais de uma semana. O entendimento precisa também ser submetido aos acionistas, em assembleia que deve ser realizada 30 dias depois que o governo se posicionar.

"Juntos daremos mais valor aos acionistas, clientes e aos brasileiros em geral", disse o presidente da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, durante a teleconferência com investidores. O executivo considerou o acordo que cria o maior grupo de aviação do mundo "um marco, que acelerará o crescimento da empresa".

Não é de hoje que a Embraer se aproxima dos americanos. Em 1978, nove anos depois de ter sido fundada, a companhia brasileira homologou, nos EUA, seu primeiro avião de passageiros, o Bandeirante. Nos anos 1990, a empresa entrou para o mercado de jatos regionais. A expectativa é de que a aproximação com a Boeing garanta mais recursos e escala para pesquisa e desenvolvimento.

Por meio de nota, a Embraer informou que, após concluída a transação, a joint venture da aviação comercial será liderada por uma equipe de executivos sediada no Brasil, incluindo um presidente. A Boeing terá o controle operacional e de gestão da nova empresa, que responderá diretamente a Dennis Muilenburg, presidente da Boeing. "A Embraer terá poder de decisão para alguns temas estratégicos, como a transferência das operações do Brasil", destacou o comunicado.

A equipe de analistas do BTG Pactual avaliou como positivos os termos do acordo, assim como a decisão sobre a opção de venda, pela Embraer, de sua participação na joint venture na área comercial. Em relatório, o banco Safra destacou que o novo valor atribuído à joint venture "implica em potencial valorização para as ações da empresa brasileira. A equipe do Safra também considerou satisfatória a estrutura definida para a parceria no cargueiro militar KC-390 "A Embraer continuará com o controle do projeto". A ação da Embraer fechou ontem em R$ 21,25, uma alta de 2,51%. (Colaboraram Paula Semi e Ivan Ryngelblum, de São Paulo, e Cristiano Zaia e Daniel Rittner, de Brasília)