Valor econômico, v.19, n.4649, 13/12/2018. Política, p. A10

 

Crivella busca megaprojetos e ajuda de Bolsonaro para o Rio 

Cristian Klein 

Heloisa Magalhães 

13/12/2018

 

 

O Rio de Janeiro tem 11 mil quilômetros de ruas e avenidas esburacadas, túneis que estão caindo aos pedaços - segundo o próprio prefeito - mas Marcelo Crivella (PRB) se permite sonhar com grandes projetos e investimentos para a cidade, cujos interesses pretende defender com a ajuda do presidente eleito Jair Bolsonaro e, no limite, da Justiça. Quer apoio do governo federal para aprovar no Congresso lei que permite a abertura de cassinos no país - e que o Rio seja uma nova Cingapura para os negócios do magnata americano Sheldon Adelson. "O compromisso dele é investir US$ 10 bilhões e gerar 50 mil empregos", diz o prefeito, que abre mão de sua fervorosa religiosidade - é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus - em nome do pragmatismo favorável aos jogos de azar. "As pessoas sabem que se não tivermos emprego, vamos para o caos social. E joga quem quiser", justifica.

Sem o caos, a pregação de Crivella prevê outros paraísos mundanos. A terra é prometida. Vai à janela de seu gabinete e aponta o espaço entre o Maracanã e a Central do Brasil onde quer construir uma laje sobre trilhos, ao estilo do High Line nova-iorquino, com seu jardim suspenso. Trata-se de Parceria Público-Privada (PPP) estimada em R$ 8 bilhões. Do Oriente Médio também vem a animação com o projeto do novo autódromo, orçado em R$ 850 milhões. Foi desenhado, destaca, pelo mesmo arquiteto que fez o de Dubai, ainda que a área reservada para o renascimento urbano em torno da pista fique em Deodoro, bairro do subúrbio carioca.

Nos desígnios de Crivella, Jair Bolsonaro é messias. Do presidente eleito também espera ajuda na renegociação da dívida da prefeitura com o BNDES. Mas se não receber a graça federal, avisa que irá à Justiça para reduzir os juros que afirma serem maiores do que os cobrados a Cuba pelo Porto Mariel. "Irei até a última instância se tiver tempo no meu mandato, até o Supremo", antecipa ao Valor.

Para Crivella, o pacto federativo prejudica o Rio, de onde a União arrecada R$ 134,8 bilhões, mas repassa menos de R$ 4 bilhões. A capital fluminense seria uma "cidade nordestina" em termos de transferências federais por habitante. "No futuro, quero devolver a Avenida Brasil, quero devolver o Aterro, a Marina da Glória. Se não houver justiça, que o governo federal assuma tudo", afirma o prefeito, que já tenta devolver hospitais e postos de saúde à União.

Numa entrevista exclusiva concedida quase dois anos depois da posse, Crivella em vários momentos culpa a gestão anterior, de Eduardo Paes (DEM), pelas mazelas do município. É passado com olho no futuro, de quem parece ter despertado para ganhar terreno no campo da comunicação, depois dos tempos de silêncio e premido pelo ciclo eleitoral. Procurado, o ex-prefeito não enviou resposta sobre as críticas do sucessor.

A seguir, os principais temas tratados por Crivella na entrevista:

Cassino

Lutei muito no ano passado, não consegui, mas quero que o Bolsonaro me ajude. Que é [aprovar] uma superlicença para termos um cassino. Recebi a visita do Sheldon Adelson [presidente da empresa Las Vegas Sand] e ele está interessadíssimo. A ideia dele era comprar [a área do aeroporto] Santos Dumont. Tirei isso da cabeça dele, para ele comprar o Porto Maravilha. E nós termos aqui um cassino tipo o que ele fez em Cingapura, onde 5% é o cassino, e tem centro de exposição, centro de convenções, hotel, com duas torres enormes, de 50 metros, e piscina lá em cima. Ele me disse que fatura mais em Cingapura do que todos os cassinos de Las Vegas. E o dele é o maior, o Venetian. Tá louco para investir. Compromisso dele: investir US$ 10 bilhões e gerar 50 mil empregos. Vamos ter aqui um grande empreendimento.

Licença religiosa

Sei da sua curiosidade, mas você não é crente, não é pastor? O Rio de Janeiro precisa de emprego. E já perdemos 350 mil empregos na cidade. Se as pessoas não jogarem aqui, vão jogar em outro lugar, no Uruguai. E joga quem quiser. É um assunto polêmico porque o governo monopoliza o jogo no Brasil. Meu querido amigo, vamos ter aqui. E [o cassino] sofre esse controle externo, FBI, CIA, Interpol para não haver lavagem de dinheiro. E mais, essa senhora que o marido é viciado, ela pode ir lá e pedir para ele não jogar. Se você estiver no Serasa também não joga. Cingapura tinha 6 milhões de turistas e passaram para 20 milhões. O Adelson, que é o maior doador do Estado de Israel, me disse que não há hipótese de não dobrarmos o número de turistas para cá. Acho que essas superlicenças devem ser [aprovadas] em três, quatro lugares no Brasil, é o que imagino. Tenho certeza [de que a ideia será bem aceita no meio religioso] porque as pessoas sabem que se não tivermos emprego, vamos para o caos social.

Laje sobre trilhos

Tenho uma PPP que é um sonho meu. Quero construir uma grande laje e cobrir toda a rede ferroviária, com uma "big slab", do Maracanã até a Central do Brasil. Aí vou ter 1 milhão de metros quadrados na área mais nobre do Rio de Janeiro para tecnologia, inovação, com isenções fiscais, uma série de benefícios para quem quiser vir para cá, para o coração da cidade. Vamos cobrir isso tudo, os locais onde estacionam os trens, as garagens, com uma laje a uma altura de 30 metros. Tem em Paris e Nova York.

Autódromo

O meu autódromo vale a pena vocês conhecerem. É lindo, lindo, lindo. O cara que fez o projeto do Rio fez o de Dubai. Vai ser em Deodoro, ali do lado do Parque Radical. Não é só autódromo, não. Ali vamos ter dezenas de edifícios, hotel, um shopping, vai ficar um colosso. Já tem os investidores. Sei até que eles romperam com São Paulo para a Fórmula 1 de 2020. Espero que seja no Rio.

Buracos para Bolsonaro

Bolsonaro sabe mais do que ninguém as angústias do Rio de Janeiro. Ele sabe que temos todos os nossos rios e lagoas poluídos, 11 mil quilômetros de ruas e avenidas esburacadas. Tenho uma PPP para cuidar dos meus túneis, que estão caindo aos pedaços, com vazamento. Na zona oeste tapamos 30 mil buracos - 10 mil em Bangu, Santa Cruz e Campo Grande. Temos procurado fazer uma manutenção da cidade melhor que podemos, mas vivemos uma crise anômica, absurda.

Rio, cidade nordestina

O governo federal arrecada no Rio - tirando INSS, aposentadoria - R$ 134,8 bilhões. Quanto devolve? Menos de R$ 4 bilhões. Mas aí você diz que é uma coisa do pacto federativo, que somos uma nação e afinal de contas recebemos um grande capital social dos Estados mais pobres, do Nordeste. Isso foi no passado. Não tem mais pau de arara. Se somar o FPM [Fundo de Participação dos Municípios] de todos os municípios do Nordeste, incluindo capital, vai dar cerca de R$ 30 bilhões. Se dividir minha receita corrente líquida (RCL), que é de R$ 19 bilhões, pela população de 6,5 milhões, minha RCL per capita é de R$ 2.999. A de Brasília é R$ 6.816. Aí pega as transferências e divide os R$ 4 bilhões que o governo manda para mim, dá R$ 613 por habitante. O Rio é o último. Não tem ninguém no Brasil que receba menos. A média nacional é R$ 1.179. Isso é um escândalo! A cidade do Rio hoje é uma cidade nordestina. Nós é que estamos precisando de ajuda.

Devolução para União

O Rio não só perdeu a situação de capital, mas perdeu os funcionários importantes do governo, e ficou com postos de saúde para tomar conta aqui e diversas instituições federais, transferidas para nós. Entrei com uma ação para devolver esses postos de saúde e hospitais, como no futuro quero devolver a Avenida Brasil, quero devolver o Aterro, a Marina da Glória. Se não houver justiça, que o governo federal assuma tudo.

Renegociação da dívida

Temos contratados para pagar nestes quatro anos, de imensa crise e queda absurda no emprego e na arrecadação, R$ 6,5 bilhões, a maior parte junto ao BNDES. São contratos com CDI mais 2% ou 3%. As condições [de empréstimo] para o Porto Mariel, em Cuba, são muito melhores que a nossa. Eles pagam de seis em seis meses. A taxa deles é em torno de 4% e a nossa em torno de 10% e com prazo maior. Estou há dois anos tentando renegociar com o BNDES. [O contrato] aliás não é tabela Price, foi customizado, foi inventado.

Ação contra o BNDES

Estava esperando para que com o novo governo possamos ter um novo diálogo. [Mas se não houver] Irei [contra o BNDES na Justiça]; tentarei sim uma conciliação na Justiça. Sei que os tribunais federais são difíceis de darem sentenças favoráveis a municípios e Estados. Mas eu irei. Irei até a última instância se tiver tempo no meu mandato, até o Supremo. Vou tentar uma conciliação, vou chamar as autoridades. Não se pode fazer empréstimos de maneira customizada. Quero que sejam empréstimos que foram feitos aos demais municípios, afinal de contas temos garantias, não atrasei uma prestação sequer. Se vocês vissem a reunião que tive na primeira semana de janeiro [e de governo] com a Maria Silvia [Bastos Marques, ex-presidente do BNDES], ela quase me botou da porta para fora.

[Nota do BNDES: "Os contratos entre o BNDES e o município do Rio de Janeiro foram autorizados pelo Tesouro Nacional e seguiram as mesmas normas internas (políticas operacionais, de crédito e de garantias) que o banco observa em financiamentos de igual natureza"].

Cidade empacada

O PAC no Rio de Janeiro foi o Plano de Aceleração do Custeio e da Corrupção. Vamos falar sobre os ônibus [em pistas expressas] do BRT, nas Transbrasil, Transoeste e Transcarioca. Sou engenheiro de formação. Abri dez áreas de inspeção. O projeto [da Transcarioca] previa 10cm de sub-base e 24cm de calha de concreto armado. No local que faltava menos, faltavam 10cm; nos mais, faltavam 19cm. Calculamos menos R$ 100 milhões de material. Mas é interessante que o contrato teve um termo aditivo de R$ 400 milhões. A obra foi orçada em R$ 1,6 bilhão e terminou em R$ 2 bilhões. Era uma obra em garantia. Mesmo assim os engenheiros verificaram que quando foi colocada a carga ela virou um mar de fissuras. Aí contratou-se empresa de manutenção e operação que custou R$ 13 milhões ao município em dois anos. O Arco Metropolitano, que tem 120km e 17 pontes, custou os mesmos R$ 2 bilhões da Transcarioca. Mandei carta para as empresas para que voltem e refaçam tudo isso. Estou contratando uma perícia externa, para não dizerem que sou eu e meus engenheiros.

Metro quadrado do Leblon

A Transbrasil custava R$ 1,3 bilhão. Ia da Central do Brasil a Deodoro. Foi parada em agosto de 2016. Quando assumi, tentei retomar, e o dinheiro da Central até o Caju tinha sumido. O que eles gastaram nesse outro trecho desapareceu nesse aqui. O Ministério das Cidades e a Caixa Econômica disseram: "Crivella, é um problema seu, você arruma o dinheiro, não tenho. O secretário de Obras está preso, pegou 23 anos de sentença por causa dessa obra". As estações custavam R$ 20 mil o metro quadrado. Eu pergunto: quanto custa um apartamento na beira do mar, no Leblon? É um pouco mais de R$ 20 mil, com estacas, garagem, piscina, elevador. E o que tem uma estação de BRT para custar R$ 20 mil o metro quadrado?

Passageiros fantasmas

Você acha justo um VLT [Veículo Leve sobre Trilhos], que foi negociado no tempo deles, que o município deve bancar, todos os dias, se não houver 300 mil passageiros? Hoje tenho 70 mil passageiros. E tenho que pagar 230 mil passagens diariamente. Você acha um bom negócio isso? São R$ 293 mil por dia, R$ 9 milhões ao mês.