O globo, n. 31327, 15/05/2019. País, p. 10

 

Decreto de armas é inconstitucional, diz nota técnica do MPF

Daniel Gullino

15/05/2019

 

 

Parecer afirma que flexibilização do porte feita por Bolsonaro só poderia ocorrer em projeto de lei submetido ao Congresso

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal (MPF), encaminhou na segunda-feira ao Congresso uma nota técnica classificando como inconstitucional o decreto que flexibilizou o porte de armas, editado pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. Um resumo do texto também foi encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR).

De acordo com a nota técnica, as alterações que foram feitas por Bolsonaro no Estatuto do Desarmamento não poderiam acontecer por meio de decreto, uma vez que, como foram de encontro ao teor do Estatuto, deveriam ter sido submetidas ao Congresso. O texto foi assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão adjunto, Marlon Alberto Weichert.

“A modificação no regime de posse e uso de armas de fogo pretendida pelo governo deveria ter sido submetida ao Congresso Nacional através de um projeto de lei, pois não se trata de matéria meramente regulamentar, mas sim de alteração de uma política pública legislada”, diz a nota técnica.

Os procuradores sustentam que há uma “inconstitucionalidade integral do decreto”, porque as ilegalidades “se acumulam em praticamente todos os espaços regulados pela proposição: posse, compra, registro, porte, tiro esportivo e munições”.

A nota técnica também diz que a justificativa de que o decreto cumpre uma promessa eleitoral — uma das razões citadas por Bolsonaro para embasar o decreto — ignorou “os princípios da legalidade e da separação de Poderes, bem como o dever público de promover a segurança pública”.

O texto ainda ressalta que, além de inconstitucional, o decreto também “afronta as bases científicas que reiteradamente demonstram que a expansão do porte de armas, longe de reduzir a violência, é prejudicial à segurança pública”.

Reação no Congresso

Na semana passada, a Câmara e o Senado também reagiram ao decreto, apontando ilegalidades na ampliação do porte de armas no país, sem o aval do Legislativo. Um parecer elaborado pela Secretaria- Geral da Câmara afirma que as mudanças feitas por Bolsonaro contrariam dispositivos previstos em lei e, portanto, não poderiam ser feitas apenas por decreto. O documento deve subsidiar a análise da Casa sobre o tema.

Já o relatório produzido pelo Senado aponta que Bolsonaro “extrapolou” seus poderes com a medida. Segundo a nota técnica, o parágrafo do decreto que lista 20 categorias que têm o direito de andar armadas é o “mais sensível, no que diz respeito à extrapolação do poder regulamentar”. A lei violada é o Estatuto do Desarmamento, segundo a análise. É ele quem estabelece as regras de porte. Assim, na visão da área técnica, apenas outra lei poderia fazer tais alterações. De acordo com o parecer, ao enquadrar 20 categorias entre os que automaticamente têm “efetiva necessidade” de andar armados o decreto avançou sobre a lei.

O debate sobre a legalidade do conteúdo do decreto também chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Numa ação protocolada pela Rede Sustentabilidade questionando a constitucionalidade do decreto, a ministra Rosa Weber deu prazo de cinco dias para o governo dar explicações sobre o texto.

O que mudou nas regras

> Editado na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, o decreto que flexibiliza o porte de armas determina que será considerada cumprida a “efetiva necessidade”, exigida pelo Estatuto do Desarmamento, a 20 categorias profissionais e a moradores de áreas ruais.

> Antes, essas categorias precisavam comprovar exercício de atividade de risco ou ameaça à integridade física para conseguir a licença para transportar armas, acessórios e munições para fora de casa.

> O texto também liberou a qualquer pessoa com porte armas antes de uso restrito das Forças Armadas e policiais. O decreto permite equipamentos que disparam projétil com energia de lançamento de até 1.620 joules. Antes, o limite estipulado era de 407 joules.

> Quem tem posse e porte passou a poder comprar até 5 mil munições por ano por arma de uso permitido e até 1 mil para cada arma de uso restrito. O teto antes do decreto era de 50 munições anuais.