O globo, n. 31334, 22/05/2019. País, p. 6

 

Recuo à vista

Gustavo Maia

Adriana Mendes

Bruno Góes

22/05/2019

 

 

Governo avalia rever decreto das armas

Diante da revelação de que o decreto do presidente Jair Bolsonaro sobre armas abre a possibilidade até de compra de fuzis pelo cidadão comum, o governo admitiu ontem pela primeira vez que analisa a possibilidade de alterações na medida. A brecha no texto foi descoberta pelo Jornal Nacional na segunda-feira.

— Esse é um dos aspectos que está sofrendo avaliação por parte do presidente, junto com a nossa assessoria jurídica da Casa Civil — declarou o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros.

Até agora, segundo definição estabelecida pelo Exército em 2000, poderia ser considerada de uso restrito a arma que disparasse projétil com energia de lançamento acima de 407 joules. No novo decreto, assinado há duas semanas, o limite foi ampliado para 1.620 joules.

Assim, até mesmo fuzis poderiam ser comprados, e os milhões de cidadãos de 20 categorias que ganharam direito ao porte, como moradores de zona rural, teriam a oportunidade de andar comeste ti pode armamento. Rêgo Barrosdis seque outros pontos do decreto também estão sob análise, mas sem revelar quais especificamente.

Embora a área técnica da Câmara tenha considerado o projeto inconstitucional, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem segurado a pressão de deputados que tentam derrubar o decreto de forma integral. O deputado prefere que o próprio governo faça alterações no texto.

O tema foi debatido na reunião de líderes ontem, e Maia argumentou a seus pares que a revogação total poderia prejudicar algumas das categorias que, na visão dele, estariam corretamente contempladas na norma.

Questionado pelo GLOBO após o encontro, Maia indicou que a Câmara pode fazer alterações no texto, caso o governo mantenha a resistência em retificar o decreto, ressaltando que está debatendo o tema com o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

— Nós estamos olhando. A assessoria da Casa está terminando de analisar o decreto. Estamos dialogando inclusive com o ministro Onyx para que se possa tentar a algum entendimento —disse Maia.

No Senado, um parecer técnico foi na mesma direção do Câmara. Além disso, há no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação que visa a derrubada integral do decreto. A relatora, ministra Rosa Weber, deu prazo até hoje para que Bolsonaro dê explicações sobre o tema.

Ontem, o titular da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça, se encontrou com Rosa para adiantar que o governo solicitará mais prazo para a resposta. Em nota, a AGU justificou a demanda para “possibilitar que as manifestações a serem apresentadas ao STF já contemplem possíveis revisões no Decreto 9.785/ 2019”. As alterações levariam em conta estudos da AGU, da Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) e de consultorias jurídicas dos ministérios de Justiça e Defesa.

Governadores contra

A sinalização do Planalto de um recuo parcial ocorreu no mesmo dia em que governadores de 13 estados e do Distrito Federal, a maioria de oposição, divulgaram uma carta aberta contra o decreto. As autoridades pedem que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário atuem para que o decreto seja revogado e assim haja uma “efetiva política responsável de armas e munição no país”.

Na avaliação deles, “as medidas previstas pelo decreto não contribuirão” para melhorar a segurança dos estados. “Ao contrário, tais medidas terão um impacto negativo na violência — aumentando por exemplo, a quantidade de armas e munições que poderão abastecer criminosos — e aumentarão os riscos de que discussões e brigas entre nossos cidadãos acabem em tragédias”, diz um trecho do documento. A carta é assinada pelos nove governadores do Nordeste, além dos chefes de executivo do Distrito Federal, Amapá, Tocantins, Pará e Espirito Santo.

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Em vídeo gravado em 2017, Bolsonaro promoveu fuzil T4

22/05/2019

 

 

Durante uma feira de armas no Rio, presidente elogiou fabricante

O presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo, postado nas redes sociais em 2017, num estande da empresa Taurus, fabricante de armamento, em que aparece com o fuzil T4. O modelo teve a posse liberada para cidadãos comuns no decreto que flexibilizou o porte e a posse de armas.

No vídeo, feito durante a feira LAAD (Defense and Security), no Rio, Bolsonaro diz que não é garoto propaganda, mas que está no lançamento do fuzil. Na época pré-candidato ao Planalto, ele chama a arma de “o nosso T4” e promete que, se chegar à Presidência, vai permitir que “cidadão de bem” use o armamento.

“Estou no estande da Taurus. Não sou garoto propaganda daTaurus, não, mas estou no lançamento de armamento aqui. Obviamente, visando a possibilidade de concorrência futura que pode acontecer. A Taurus está lançando aqui um fuzil”.

Em nota, a Taurus confirmou ontem que espera a regulamentação do decreto para vender o T4 na versão semiautomática para civis. Segundo a empresa, há uma fila de duas mil pessoas querendo comprar a arma, que pode ser entregue em até três dias após a compra.

No vídeo de 2017, Bolsonaro manda um recado para moradores de zonas rurais, que foram beneficiados no decreto das armas:

“Não sou especialista. Há muito tempo saí do Exército, mas continuo capitão. A paixão pelas armas não muda. Por isso, eu sempre digo: se eu chegar lá, você cidadão de bem vai ter isso aqui em casa. Você produtor rural, no que depender de mim, vai ter isso aqui também”.

No vídeo, Bolsonaro afirma ainda que as armas devem ser um “cartão de visita” para invasores de terras:

“Cartão de visita para invasor tem que ser cartucho 762, com excludente de ilicitude, obviamente, e mudando o nosso Código Penal. Que o mais importante que a sua vida, é a sua liberdade. Povo armado jamais será escravizado.”