Valor econômico, v.19, n.4613, 19/10/2018. Política, p. A5

 

Campanha em rede social está sob suspeita 

Murillo Camarotto 

Luísa Martins 

19/10/2018

 

 

A suposta participação de empresários em uma campanha maciça para disseminar mensagens contra o Partido dos Trabalhadores (PT) transformou as redes sociais em pivô de uma polêmica que despertou reações em Brasília, ontem, e recebeu atenção da mídia internacional.

Em reportagem, o jornal "Folha de S. Paulo" publicou que empresas teriam comprado pacotes de disparo em massa com mensagens contra o PT no WhatsApp, o aplicativo controlado pelo Facebook. Segundo o jornal, uma grande operação de empresários que apoiam o candidato Jair Bolsonaro (PSL) estaria sendo planejada para a próxima semana, antecedendo o segundo turno das eleições.

Se comprovada, a denúncia poderia configurar prática ilegal de doação de campanha por empresas, o que é vedado pela legislação. Além disso, o gasto não estaria sendo devidamente contabilizado pela campanha de Bolsonaro na Justiça Eleitoral. As companhias ainda estariam incorrendo em outra irregularidade ao comprar bases de dados de terceiros, o que também é proibido por lei.

Em Brasília, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, reuniu-se com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e com procuradores eleitorais.

Em discurso, Dodge disse que o Ministério Público Eleitoral (MPE) combate os ilícitos eleitorais, mas não fez menção à suposta ilegalidade na campanha do PSL.

Após o encontro, o ministro disse que a Polícia Federal (PF) poderá investigar o caso, se for acionada pelas autoridades competentes.

"Isso é da esfera da Justiça Eleitoral Federal. Se formos convocados, iremos verificar tudo isso. Mas cabe a iniciativa à Justiça Eleitoral. Estamos à disposição", afirmou.

O ministro informou que a PF pode apresentar hoje, ou no início da próxima semana, os resultados das primeiras investigações relacionadas à circulação de notícias na mídia social. Ressalvou, no entanto, que os relatórios vão abordar, principalmente, questionamentos feitos sobre o sistema eletrônico de votação, e não questões relacionadas aos apoiadores dos candidatos à Presidência da República.

Segundo o Valor apurou, a PF pode apresentar resultados referentes a ameaças recebidas pela presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber. Segundo um texto que circulou nas redes sociais, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) estaria "matematicamente eleito". "Se as urnas forem fraudadas", diz a mensagem, a população irá para as ruas até que haja uma nova eleição com voto impresso. "Experimente deixar que isso aconteça", prossegue o texto.

"A nossa grande preocupação está focada, hoje, com a questão do respeito da vontade do eleitor. Essa é a prioridade. As outras 'fake news', as pessoas que foram atingidas devem requisitar a investigação ou intervenção policial", disse Jungmann. "Vamos supor que foi algo contra a honra; cabe a quem se sentiu atingido fazer uma reclamação e pedir que seja aberta a investigação."

A PF também investiga a autoria de um vídeo no qual policiais militares de Brasília denunciam fraudes nas urnas eletrônicas. O diretor-geral da PF, Rogerio Galloro, tem discutido frequentemente a questão das notícias falsas, mas não participou de reuniões sobre o assunto, como chegou a circular.

Ontem, Jungmann lembrou que não há tipificação penal para a veiculação de notícias falsas, a não ser quando estas resvalam em crimes de injúria ou contra a honra. Ele reconheceu que o controle da circulação de notícias falsas é complexo e depende da participação de toda a sociedade.

"O Estado tem dificuldade de conviver e se relacionar com a velocidade do mundo digital, onde não há hierarquia, não há regras. Estamos fazendo uma ponte entre o mundo digital e o presencial, que é onde estão os órgãos e as instituições", disse Jungmann. "Quando você trabalha com as "fake news", o problema é confirmar a veracidade, porque elas são em grande número e viralizam aos milhões de 'likes'", disse o ministro.

Sobre a atuação de empresários no WhatsApp contra o PT, a expectativa é que a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) não proponha uma ação específica no TSE para pedir investigação sobre suposto abuso de poder econômico, que teria sido cometido pela campanha de Bolsonaro.

O mais esperado é que a atuação do MP se dê "no âmbito de representações já encaminhadas" à Corte eleitoral sobre o tema. O PT ajuizou uma ação para pedir a inelegibilidade de Bolsonaro pelos próximos oito anos, enquanto o PDT estuda pedir a anulação das eleições, caso se confirme uma fraude.

Ontem, Raquel Dodge reforçou o apelo contra a disseminação de notícias falsas. Ela disse que o Ministério Público Federal está preparado para garantir a normalidade do processo eleitoral.

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que a Justiça Eleitoral está tomando todas as providências necessárias para combater as condutas ilícitas praticadas na eleição. "É preciso que pratiquemos o "fair play", que significa cumprir as regras do jogo. Haverá um Estado a gerir e uma sociedade a atender em todas as manhãs seguintes ao pleito eleitoral", disse o ministro. Fachin participou de uma reunião do Ministério Público Eleitoral como representante de Rosa Weber.

A denúncia de que empresários estariam usando o WhatsApp para denegrir a imagem de Haddad teve repercussão internacional. Jornais como "The Wall Street Journal" e "The New York Times" divulgaram notícias e artigos em seus sites sobre o assunto, ressaltando a importância que a mídia social passou a ocupar nas eleições brasileiras.

O empresário Luciano Hang, presidente da rede de lojas Havan, fez uma transmissão ao vivo pelo Facebook no qual negou participar da campanha ilegal. Ele foi mencionado na matéria da "Folha" como um dos participantes. "Eu não preciso disso. Eu faço o meu conteúdo na minha rede e ele se dissemina", afirmou.

Sócio da QuickMobile, empresa de estratégia digital, Peterson Rosa disse ao Valor que a empresa não prestou serviços relacionados à campanha eleitoral neste ano. A companhia também foi citada pela "Folha". Rosa afirmou que a QuickMobile trabalhou na campanha de Dilma Rousseff à presidência em 2014 distribuindo mensagens por SMS, mas que este ano não fechou contrato com partidos, candidatos ou empresas para o envio de conteúdo ligado ao pleito.

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PT pede inelegibilidade de Bolsonaro ao TSE

Raphael Di Cunto 

Isadora Peron 

Luísa Martins 

19/10/2018

 

 

O PT ajuizou ontem uma ação de investigação judicial eleitoral no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com o objetivo de tornar o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) inelegível por eventuais crimes de abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação.

A coligação do candidato Fernando Haddad (PT) também pediu a quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático (de internet) de empresários que supostamente financiaram ilicitamente a divulgação de conteúdo no Whatsapp contra o presidenciável petista. O PDT anunciou que pediria a nulidade de toda a eleição, mas essa solicitação não foi formalizada no TSE até o fechamento desta edição.

A ação do PT é do mesmo tipo da utilizada pelo candidato derrotado na eleição presidencial de 2014, senador Aécio Neves (PSDB-MG), para questionar a vitória da hoje ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Nesses casos, o ministro relator pode adotar decisões liminares, mas o julgamento costuma ser demorado - no caso de Dilma, o processo só foi à pauta depois de três anos.

As ações contra Bolsonaro tomaram como base reportagem do jornal "Folha de S. Paulo" publicada ontem que acusa empresas cujos donos apoiam Bolsonaro, como a loja varejista Havan, de Luciano Hang, de contratarem empresas especializadas em divulgação de conteúdo em redes sociais para propagar mensagens contra o PT. Cada contrato custaria em torno de R$ 12 milhões.

A doação de empresas para eleições está vedada desde 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que proíbe que elas paguem por despesas de campanha. A omissão desses gastos também configuraria caixa dois.

Além disso, a legislação só permite usar listas de apoiadores do próprio candidato (números cedidos de forma voluntária) e não permite a compra dessas listas.

Na representação, o PT acusa Bolsonaro de abuso de poder econômico e pede que seja considerado inelegível pelos próximos oito anos. Bolsonaro, Hang e as empresas envolvidas negaram que tenham cometido irregularidades.

"Tais condutas são ilegais, uma vez que consubstanciam, a um só tempo, doação de pessoa jurídica, utilização de perfis falsos para propaganda eleitoral e compra irregular de cadastros de usuários", afirmam os advogados do PT na ação. "Não é crível atribuir apenas à militância orgânica de Jair Bolsonaro e [ao vice] Hamilton Mourão a capacidade produzir e disseminar com tamanha eficácia todas as notícias falsas editadas", diz a peça.

O PT pede a prisão do dono da Havan e abertura de processo por crime de desobediência caso ele não colabore com as investigações. A ação requer apresentação de "toda documentação contábil, financeira, administrativa e de gestão, referente atos, atividades e gastos por esse praticado em contribuição prestados por sua pessoa e por suas empresas em apoio direto ou indireto ao candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro". Hang já foi multado por impulsionar conteúdo favorável a Bolsonaro no Facebook e condenado por pressionar seus funcionários a votarem no presidenciável.

A ação ainda pede para que sejam quebrados os sigilos bancário, telefônico e telemático das empresas citadas - além da Havan, as empresas Quickmobile, a Yacows, Croc Services e SMS Market, que são as agências prestadoras de serviços de divulgação de conteúdo em redes sociais- e que os seus representantes prestem depoimentos à Justiça, assim como executivos do WhatsApp e os jornalistas que assinam a reportagem.

A coligação também solicita que o Whatsapp apresente, em 24 horas, um plano de contingência para suspender um eventual disparo em massa de mensagens ofensivas a Haddad e defende que, se isso não acontecer, a Justiça suspenda "todos os serviços do aplicativo de mensagens Whatsapp até cumprimento da determinação".

Além da reportagem da Folha, os advogados de Haddad listam sites de verificação de boatos em redes sociais que apontariam que o mais beneficiado pelas informações falsas divulgadas nas redes sociais é Bolsonaro.

Já o PDT, que acabou em terceiro na eleição com a candidatura de Ciro Gomes, vislumbrou uma chance de chegar ao segundo turno. "Minha tese é que é passível de nulidade, o processo eleitoral ficou viciado", afirmou o presidente do PDT, Carlos Lupi.

Os advogados de Bolsonaro disseram que a reportagem não traz provas e que a campanha, inclusive, não quis utilizar o fundo eleitoral (com recursos públicos) para pagar as despesas, priorizou doações menores, de até R$ 1.064 por dia por cada CPF, e vetou doações acima de R$ 50 mil, embora a legislação permita. "Acredito que [a ação] seja até um certo desespero da campanha eleitoral, tendo em consideração as últimas pesquisas. Não há fake news na nossa campanha com contratação por caixa 2", disse a advogada Karina Kufa.

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Cresce cobrança por medidas da mídia social 

Gustavo Brigatto 

19/10/2018

 

 

A crescente influência das redes sociais em eleições majoritárias ao redor do mundo tem intensificado os questionamentos sobre as providências que essas companhias vêm tomando para evitar fraudes e a disseminação de notícias falsas por meio de suas plataformas. No Brasil, em particular, as eleições deste ano colocaram em foco o WhatsApp. A campanha eleitoral on-line tem migrado de redes abertas, como Twitter e Facebook, para o WhatsApp porque as mensagens trocadas nessa rede são privadas, dizem especialistas e pesquisadores.

Ontem, em meio às denúncias de que empresas estariam enviando mensagens anti-PT em massa pelo WhatsApp, a companhia informou, em comunicado, já ter banido "centenas de milhares" de contas. A empresa não revelou o número total de contas, nem detalhes sobre a origem e o destino das mensagens.

As mensagens no WhatsApp navegam codificadas - por isso é tecnicamente impossível acessar o conteúdo das conversas trocadas entre as pessoas.

Mas há meios de detectar a ocorrência de comportamento irregular na rede e tomar providências quando isso acontece, como classificar de spam - a propaganda não desejada - a emissão de muitas mensagens da mesma origem ou feita em um espaço de tempo muito curto.

No comunicado, o WhatsApp informou que investiga a denúncia da "Folha de S. Paulo" sobre o disparo em massa de mensagens contrárias ao candidato Fernando Haddad (PT). "Temos tecnologia de ponta para detecção de spam que identifica contas com comportamento anormal ou automatizado, para que não possam ser usadas para espalhar spam ou desinformação", informou um porta-voz do aplicativo.

Por não cobrar tarifa por mensagem, o WhatsApp tornou-se um fenômeno de popularidade no Brasil, onde estão em funcionamento 140 milhões de contas.

Em entrevista ao Valor, em julho, Carl Woog, gerente de comunicação do WhatsApp, disse que a empresa tem enfrentado as notícias falsas em três frentes: educação, combate ao abuso e aproximação com governos. Segundo ele, também há um trabalhado em conjunto com o Facebook, que controla o WhatsApp, para detectar usuários com comportamento abusivo nas duas plataformas.

No dia 7, no primeiro turno das eleições, cientistas de dados do Facebook perceberam um fluxo de notícias anormal orientado ao Nordeste do Brasil, publicou, ontem, a Bloomberg. As mensagens, segundo a agência de notícias, feriam as regras da companhia ao incitar violência e foram removidas.

No texto, é destacado que apesar dos esforços para garantir a credibilidade do conteúdo relacionado às eleições, as campanhas de desinformação continuam fortes no país, em especial no WhatsApp.

Enviar mensagens em massa é proibido pelo WhatsApp, que restringe o tamanho dos grupos a 256 pessoas. O encaminhamento de mensagens, limitado a 200 até o fim de julho, foi reduzido para 20. As regras são globais.

Em transmissão pela internet no dia 12, o candidato Jair Bolsonaro (PSL) disse que, se eleito, tentará reverter essa mudança. "Nós vamos lutar para que volte para o que era antes", disse.

Apesar das limitações oficiais, fazer uma divulgação em massa no aplicativo não é uma tarefa muito complexa. Uma busca no Google por "disparador de whatsapp" traz 313 mil resultados com links para empresas que vendem esse tipo de serviço e vídeos no YouTube com tutoriais. Listas de transmissão também são relativamente fáceis de montar. Uma busca por "banco de dados números de celular" traz 358 mil resultados.