Correio braziliense, n. 20408 , 06/04/2019. Política, p.2

A BUSCA PELO DIÁLOGO CONTINUA

RODOLFO COSTA

GABRIELA VINHAL

 

 

Discursos e ações do presidente Jair Bolsonaro nesta sexta-feira mostraram que a estratégia de conversar mais com oParlamento segue, como o rim do horário de verão, sugerido por um deputado, e a sinalização de que demitirá o ministro da Educação

 

RODOLFO COSTA

GABRIELA VINHAL

 

Um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro abaixar o tom com presidentes e líderes partidários, ele ainda tenta encontrar a melhor sintonia com o Congresso. Ontem, em mais de uma ocasião, sinalizou que deve demitir o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, algo que agrada o Parlamento. Entretanto, errou na linguagem ao abordar o regime de capitalização, dizendo que “não é essencial” e pode ficar para “segundo tempo”. Líderes dizem que o tema é algo discutível — e não é o Executivo que tem que dizer o que passa ou não, sem antes consultar o Legislativo. Cobram do chefe do Palácio do Planalto empenho em uma agenda positiva e que dialogue com a sociedade.


O recado disso é a decisão pelo fim do horário de verão. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, encomendou uma pesquisa interna que embasa a decisão do governo. O estudo aponta que 53% das pessoas é a favor do término. A decisão ainda tem o dedo de um parlamentar. O embasamento para decretar o fim do sistema de ajuste temporal foi tomado de acordo com um parecer do deputado João Campos (PRB-GO). A análise, que indica que o horário não oferece economia que justifique a adoção, foi submetida a Bento, que respaldou.

A decisão de Bolsonaro é um gesto importante para a maioria favorável ao fim da medida e ao Congresso. Afinal, tomar uma decisão sugerida por um parlamentar é uma forma de construir um bom relacionamento com o Legislativo. Embora não seja um líder partidário, Campos é um nome forte dentro do PRB, um dos partidos do Centrão. E, ainda que não fosse do bloco ou um parlamentar influente, o aceno é bem-visto como um governo disposto a propor uma gestão em sintonia com o Parlamento.

O presidente da República está “pisando em ovos” na renovação do diálogo. Em cerimônia no Planalto, brincou dizendo que “não nasceu para ser presidente. “Nasci para ser militar”, disse. Com o gesto humilde, ele se mostra disposto a melhorar o diálogo. Ontem, falou com jornalistas pela manhã, em um café (leia mais na página 3), e, depois, em duas ocasiões, no Planalto. Nas três ocasiões, manteve o jeito simples e com palavras de efeito, mas sem um tom agressivo e com união. “O que a gente quer é mudar o Brasil e devemos respeitar a independência dos poderes. Não existe partido mais ou menos fiel. Para cada matéria a ser votada haverá um entendimento. Não haverá alinhamento automático”, destacou.

A possível demissão de Vélez é outro tema que não é malvisto no Congresso. Pelo contrário. O ministro se envolveu em tantas polêmicas que, para lideranças no Parlamento, a permanência é insustentável. Para o líder do Podemos na Câmara, José Nelto (GO), já está “maduro”. “É uma pessoa boa, mas alguém que fala o que ninguém quer ouvir”, criticou. Nesta semana, o ministro disse que promoverá mudanças no conteúdo dos livros didáticos sobre o golpe militar de 1964. A ideia é informar que não houve golpe, e o regime militar não foi uma ditadura, mas, sim, um “regime democrático de força”.

Não é só a pauta ideológica no ministério que irrita parlamentares. Para eles, a pasta está com a agenda paralisada, mergulhada em crises e demissões, e nada em políticas públicas. Bolsonaro ainda não definiu quem substituirá Vélez e nem garantiu que ele será demitido. Mas deixou a entender que a situação é crítica. “Eu falei que estou com a aliança na mão direita, mas que, na segunda-feira, passo para esquerda ou é gaveta. É isso. Tem reclamações (em relação a ele) e estamos conversando já para ver se resolvemos o problema”, disse.

Racionalidade

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), primeiro vice-líder do governo no Senado, é um dos nomes cotados para substituir o ministro. Seria uma indicação da bancada cristã. Oficialmente, no entanto, ele ainda não recebeu nenhum convite. “Estou na vida pública pela educação, mas essa é uma decisão exclusivamente do presidente”, ponderou. Mesmo na corda bamba, o ministro se recusa a abandonar o posto e fala que a solução para melhorar a gestão é ter “racionalidade”. “Estou no ministério e vou participar do fórum (evento em que esteve ontem). Não vou entregar o cargo”, disse.

Se a situação no ministério da Educação ainda não está resolvida, o mesmo não está na Secretaria de Comunicação (Secom), ligada à Secretaria de Governo da Presidência da República. Bolsonaro afirmou que o publicitário Floriano Amorim, ex-chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, será substituído pelo publicitário Fábio Wajngarten, que trabalhou na campanha do chefe do Palácio do Planalto.


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para reforma

A troca na Secom tem por objetivo melhorar a publicidade em torno da reforma da Previdência. Mas o governo ainda precisará debater melhor os pontos, como a própria capitalização. Para o deputado federal José Nelto, líder do Podemos na Câmara, não cabe ao presidente decidir se a discussão fica para segundo plano ou não. “A capitalização pode seguir adiante, mas tem que dialogar. Tem que dar opção para o aposentado escolher entre esse regime ou o de repartição, além de estabelecer um piso mínimo, a contribuição dos patrões, e uma reforma para abrir o sistema financeiro”, ponderou.