Título: Aposentadoria compulsória ou o direito de trabalhar
Autor: Piscitelli, Roberto Bocaccio
Fonte: Correio Braziliense, 03/09/2012, Opinião, p. 11

Economista e conselheiro do Conselho Federal de Economia

Um assunto que tem estado meio adormecido, mas recentemente voltou às manchetes, é a aposentadoria compulsória no serviço público. Isso foi suscitado particularmente em virtude da situação do ministro Cezar Peluso, em pleno julgamento do assim chamado mensalão.

A legislação e a administração brasileiras têm coisas muito curiosas, seguidamente, inclusive, mal compreendidas e difundidas por alguns setores da mídia. Por exemplo: há um verdadeiro clamor contra as aposentadorias precoces e uma parafernália de disposições — das quais o fator previdenciário, no setor privado, é a mais conhecida — para impedi-las ou torná-las desvantajosas. Alega-se, com justas razões, que estamos vivendo mais e — pelo menos em tese — melhor. Mas teimamos em mandar para casa servidores que completam 70 anos, às vezes em plena capacidade laboral e que prefeririam não aposentar-se (até pelas perdas que se tem, fator, aliás, frequentemente ignorado quando se fala no assunto).

Há projetos paralisados na Câmara dos Deputados há quase 10 anos, o mais notório dos quais estende essa idade-limite para 75 anos. E o mais interessante é que, apesar da ladainha sobre o peso dos gastos com pessoal, parece ignorar-se o fato de que cada aposentadoria, em princípio, abre uma vaga, o que provocaria um aumento, ou uma pressão pelo aumento nesses gastos. (A não ser que se aceite a discutível tese de uma decisão do STF, que considerou que aposentado exerce cargo.)

Ora, todos nós sabemos que é salutar que a administração se renove, se oxigene, não obstante o fato de certos órgãos levarem 10, 15 anos para a realização de novos concursos e, de modo geral, não existirem estruturas de carreiras e critérios objetivos que deem um mínimo de racionalidade ao preenchimento dos cargos de direção e assessoramento, e à mobilidade no exercício das funções públicas.

Particularmente no caso dos tribunais superiores, poder-se-ia até pensar na revisão do instituto da vitaliciedade e na hipótese de mandatos por prazos determinados, tudo isso associado à rediscussão sobre as formas de indicação e escolha de seus membros. (O Congresso Nacional adquiriu essa prerrogativa pela Constituição de 1988, inclusive para cargos do Executivo, mas nunca a exerceu efetivamente.)

Como derivação dessas considerações, ressalte-se a propalada questão da chamada acumulação. O indivíduo aposentado no serviço público está sujeito a uma espécie de punição, pois não pode reingressar (sobretudo se for por concurso público) ou nele permanecer em atividade, por uma série de restrições de natureza legal ou prática. Embora as duas situações sejam absolutamente independentes — do ponto de vista jurídico e funcional —, a existência das duas é caracterizada como de acumulação e — o que é paradoxal — está sujeita a um teto único para efeito de remuneração, desestimulando, inviabilizando o reaproveitamento de servidores que, pela experiência e dedicação, poderiam qualificar o exercício das funções públicas e assegurar a continuidade de serviços essenciais.

Estranho é este país, que impõe barreiras ao trabalho e à justa aspiração por melhores níveis de remuneração, sobretudo quando essa combinação resulta do esforço e da capacidade pessoais, e não de favoritismos ou partidarismos.

Acima de tudo, não se alegue que "os velhos não querem ceder seus lugares aos novos". Em primeiro lugar, é razoável que todos queiram melhorar, e não piorar (como hoje ocorre) seu padrão de vida. Em segundo lugar, menos peso haverá para a previdência social. Em terceiro — e definitivo — lugar: as novas oportunidades devem surgir naturalmente, pela expansão e melhoria dos serviços oferecidos à população, pelo aumento da eficiência funcional e da qualificação profissional, e — muito especialmente — como conseqüência do próprio desenvolvimento econômico.