Valor econômico, v.19, n.4540, 06/07/2018. Opinião, p. A8

 

Investimento externo direto 

Guilherme Tinoco 

Jorge Pasin

06/07/2018

 

 

O investimento direto no país (IDP) é um dos destaques nas contas externas brasileiras desde o início da presente década, tendo se elevado de US$ 31 bilhões ao final de 2009, para cerca de US$ 116 bilhões em meados de 2011 em bases anualizadas. Na última leitura, referente a maio de 2018, o volume anual de IDP atingiu US$ 61,8 bilhões, equivalente a 3,1% do PIB. Considerado o déficit em transações correntes de US$ 13,0 bilhões (0,6% do PIB) no mesmo período, tem-se, portanto, uma situação bastante confortável em termos de balança de pagamentos para o país1.

Apesar do volume expressivo de IDP, vem-se notando uma desaceleração considerável nos últimos meses. Após fechar 2016 no patamar de US$ 78 bilhões e 2017 em US$ 71 bilhões, o volumes de IDP registrados em abril e maio deste ano no acumulado em 12 meses, próximos a US$ 62 bilhões, foram os dois menores valores da série desde setembro de 2010 (Gráfico 1) 2.

No cenário externo, o valor global de influxos de investimento externo direto vem apresentando continuada queda desde meados de 2015, tendo regredido de US$ 1,9 trilhão em 2016 para US$ 1,4 trilhão em 2017, segundo números da OCDE. Assim, a primeira conclusão é que a redução do IDP brasileiro não é um movimento exclusivo do país.

E o que explica esse movimento global? São diferentes fatores, dos quais se destacam 1- a reversão do ciclo monetário nos países desenvolvidos, notadamente os Estados Unidos, que já observa um aumento gradual nas taxas de juros; 2- a postura mais protecionista de vários países do mundo, agravada nos últimos meses pela guerra comercial entre China e Estados Unidos e, mais recentemente, 3- a reforma tributária nos Estados Unidos, que aumentou o estímulo para a volta de capitais para este país.

É interessante notar que, mesmo neste contexto restritivo, o Brasil tem conseguido manter-se dentre os principais destinatários dos recursos de IDP no mundo, melhorando a sua posição relativa, como atesta relatório recente da Unctad3. A participação do Brasil dentre os destinatários de investimento externo direto mundial cresceu de 3,0% em 2016 para 4,4% em 2017.

Segundo o mesmo relatório, o Brasil atraiu, em 2017, 40% do volume e nove dos dez maiores investimentos realizados na América Latina e Caribe, destacando-se aquisições nos setores de eletricidade, petróleo, infraestrutura de transmissão de gás e agronegócio. Como país de origem dos recursos, o destaque é a China, que foi a responsável por sete das dez maiores aquisições na região, como, por exemplo, as participações no setor de energia (CPFL).

O relatório destaca ainda os setores de transporte e armazenagem, que quadruplicaram o volume de IDP em 2017 em relação a 2016 e o setor de químicos e alimentos, que dobraram o valor no mesmo período. Pelo lado negativo, houve retração na indústria extrativa, no setor financeiro e imobiliário e no setor automotivo.

Voltando para a explicação para a redução recente no fluxo de IDP para o Brasil, passemos agora aos determinantes domésticos. Infelizmente, o cenário se deteriorou muito em relação a 2017. As perspectivas de crescimento para 2018, que chegaram a atingir mais de 3,0% no fim do ano passado, já se aproximam de 1,0%. No campo político e eleitoral, permanecem elevados níveis de incerteza.

Também é importante lembrar a redução no volume de concessões do governo federal em relação a 2016. As receitas com Concessões e Permissões do Governo Central, que foram de R$ 32,1 bilhões em 2017, estão orçadas em R$ 22,7 bilhões em 2018, em valores nominais. Essa redução afeta diretamente o montante de investimento direto. Destravar essa agenda é, portanto, fundamental para continuar atraindo fluxo de IDP para o país.

Recentemente, o Banco Central reduziu sua projeção de IDP em 2018 para US$ 70 bilhões (a anterior era US$ 80 bilhões). Tendo em vista os determinantes externos e principalmente os determinantes internos, não é possível descartar um volume de IDP fechando o ano no patamar de US$ 60 bilhões.

No médio prazo, contudo, as perspectivas tendem a se tornar mais promissoras. A demografia menos favorável nas economias desenvolvidas abre um leque de oportunidades nos países emergentes, principalmente aqueles que contam com um grande mercado interno. Talvez por isso, em 2017, apesar da retração mundial do investimento externo, o resultado para os vinte maiores países fora da OCDE foi de alta. Para aproveitar este contexto, contudo, é necessário apresentar atratividade. Mais um motivo, portanto, para que o próximo governo mantenha a agenda das reformas e consiga emplacar o tão aguardado crescimento econômico.

1 O IDP líquido, que desconta o investimento direto brasileiro no exterior, ficou em US$ 56 bilhões (2,8% do PIB) na mesma base de comparação.

2 É importante esclarecer que o IDP se divide em duas categorias: participação no capital e operações intercompanhia, a primeira representando cerca de 80% do total. No curtíssimo prazo (acumulado em 2018), a redução no fluxo é mais explicada pela parcela de participação do capital, mas em uma janela um pouco maior, como no gráfico acima, a maior parte da redução do fluxo vem das operações intercompanhia, que perdem participação no total do IDP.

3 Unctad World Investment Report 2018.