Valor econômico, v.19 , n.4514, 30/05/2018. Legislação & Tributos, p. E2

 

A Lei nº 13.655 e a segurança jurídica

Maria do Socorro Costa Gomes 

30/05/2018

 

 

Recentemente, o mundo jurídico foi surpreendido com a publicação da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que acresceu 10 artigos ao Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

Houve o veto ao artigo 25, que tratava de nova modalidade de ação civil pública para validação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa com efeito erga omnes, bem como a diversos parágrafos e incisos.

Segundo consta no preâmbulo da lei, esses novos dispositivos visam disciplinar sobre a segurança jurídica e a eficiência na criação e aplicação do direito público.

A referida Lei nº 13.655, de 2018, decorre do Projeto de Lei nº 7.448, de 2017, de autoria do Senador Antonio Anastasia. No relatório elaborado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para esse Projeto de Lei, para o qual colaboraram professores da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, consta que a sua finalidade é aprimorar a qualidade decisória dos órgãos administrativos, judiciais e de controle nos três níveis da federação brasileira.

Portanto, o objetivo da lei é tornar expressos alguns princípios e regras de interpretação e decisão, por meio de parâmetros a serem observados pelas autoridades administrativas ao aplicar a lei em tomadas de decisões fundadas em cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados.

Busca também proporcionar aos cidadãos o direito a normas de transição proporcionais e adequadas, bem como define um regime para que negociações entre autoridades administrativas e particulares se deem de forma transparente e eficiente.

Vale dizer que, em nome da segurança jurídica, muitos questionamentos surgirão, quer no âmbito administrativo, quer judicial, com relação à aplicabilidade da retrocitada Lei nº 13.655, de 2018.

Isto porque o texto da lei se vale de termos abertos, passíveis de variadas interpretações, o que certamente virá a ocasionar efeito reverso, qual seja, o de insegurança jurídica.

Em nosso ordenamento jurídico, é evidente que a segurança jurídica é um princípio, sem o qual, o Brasil não poderia ser considerado um Estado Democrático de Direito. Muitos doutrinadores elevam a segurança jurídica a um sobreprincípio, sendo destacada no texto constitucional já no seu preâmbulo, assim como no caput do artigo 5º.

Segundo Humberto Ávila, o princípio da segurança jurídica estabelece o dever de buscar um ideal de estabilidade, confiabilidade, previsibilidade e mensurabilidade na atuação do poder público, onde os cidadãos devem saber de antemão quais normas são vigentes, o que é possível apenas se elas estão em vigor antes que os fatos por ela regulamentados sejam concretizados, demandando uma certa medida de compreensibilidade, clareza, certeza, calculabilidade e controlabilidade conteudísticas para os destinatários da regulação.

A segurança jurídica é a motivação básica do direito, guardando relação com a certeza quanto à norma vigente e aplicável ao caso. Assim, cabe mencionar que as normas jurídicas têm uma clara função instrumental, pois é por meio do direito positivado que o Estado alcança seus fins e objetivos, por meio de determinados comportamentos humanos, que expressam a vontade do Estado.

Para tanto, o direito estatal regula condutas que transcendem as relações humanas e é por meio dessas normas jurídicas que são permitidas algumas condutas e proibidas outras. O Estado age assim em nome da estabilidade das situações jurídicas, a fim de privilegiar o princípio da segurança jurídica.

Decorrem da segurança jurídica a exigência de leis claras e precisas e de grau de concreção suficiente na disciplina de determinada matéria, bem como a proteção da confiança.

A segurança jurídica não se perfaz somente na edição de normas, mas também na aplicabilidade dessas normas. A segurança de aplicação normativa tem como objeto as atividades materiais dos aplicadores do direito, ou seja, princípios, critérios e técnicas de aplicabilidade do direito, que consistem em observância das normas pelos seus destinatários e, especialmente, pelos órgãos encarregados da aplicabilidade dessas normas.

Do jeito que a lei foi posta, parece ser difícil o atingimento dos objetivos a que se propõe, talvez por não ter havido os debates públicos sobre o tema, de interesse tanto de vários órgãos da administração pública, do Poder Judiciário e de controle estatal, quanto dos cidadãos. O caráter vago da Lei nº 13.655, de 2018, tornou ainda mais indeterminado aquilo que pretendia aclarar, implicando delegação de competência aos Poderes Executivo e Judiciário para assim o fazerem.