O globo, n. 31293, 11/04/2019. Sociedade, p. 26

 

Mudança de rumo

Paula Ferreira

Raphael Kapa

Renata Mariz

11/04/2019

 

 

Gestores novatos em Educação ocupam MEC

A primeira leva de nomeações no Ministério da Educação de Abraham Weintraub, anunciada ontem, leva à pasta especialistas em gestão e estreantes na política educacional, a exemplo de seu titular.

Apenas um dos seis nomes indicados tem experiência prévia com o setor. Para ser seu braço-direito, o ministro convocou seu antigo adjunto na Casa Civil, Antonio Paulo Vogel de Medeiros. Servidor federal formado em Economia e Direito, Vogel foi também adjunto da Secretaria de Finanças do petista Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo.

Ele assume o lugar do tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira, empossado há menos de duas semanas secretário-executivo, numa tentativa de fortalecer o grupo dos militares, em contraposição à ala mais ideológica, formada por seguidores de Olavo de Carvalho. Uma disputa interna por espaço levou à paralisação das ações do ministério e ao enfraquecimento do ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, demitido na última segunda-feira.

Foram também anunciados novos titulares para outras quatro secretarias. A de Educação Superior (Sesu) ficará a cargo de Arnaldo Barbosa de Lima Junior, economista e um dos autores da reforma do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) em 2017, que colocou novas regras para a aquisição do empréstimo.

Na Secretaria de Educação Básica (SEB), assumirá Janio Carlos Endo Macedo, funcionário aposentado do Banco do Brasil, graduado em Direito. Antes de ser convidado, ele era adjunto da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, ligada à Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.

Para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres), foi escolhido Silvio José Cecchi. Biomédico, Cecchi já ocupou cargos em conglomerados de educação. Foi diretor-geral da Faculdade COC, diretor da Anhanguera Educacional e diretor de Logística das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU-SP). Na Seres, ele cuidará de processos de regulação de instituições de ensino superior, atuando na abertura e fechamento de cursos. Cecchi já havia sido titular da secretaria em 2018.

Ariosto Antunes Culau assumirá a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec). Economista, foi secretário de Orçamento Federal, subsecretário de Assuntos Econômicos da Secretaria Executiva. Culau estava no cargo de secretário de Gestão Corporativa do Ministério da Economia.

O adjunto do novo secretário-executivo é Rodrigo Cota, que ocupava o cargo de diretor de Programas da Secretaria Executiva do Ministério da Economia. Ele é servidor de carreira no cargo de analista de comércio exterior.

Para Murtinha Gomes, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco, o grupo tem uma deficiência:

—Para uma pauta de austeridade, está forte. Mas a gestão educacional não é só isso. O ministro já possui o perfil de gestor, caberia aos integrantes que pensassem a formação de professores, o novo ensino médio, e que pudessem ir da planilha para a sala de aula.

Pequenos agressores

Ontem, em entrevista publicada pelo “Estado de S. Paulo”, Weintraub disse que irá modificar a Base Nacional Comum Curricular e revogar as decisões da comissão criada para analisar questões do Enem. O ministro afirmou ainda que aconselhará o presidente Jair Bolsonaro a não examinar previamente a prova.

—Se sair um Enem todo errado, todo torto, sou oculpado, e o presidente tem de me dar reprimenda ou me tirar do cargo. É assim que funciona.

O ministro defendeu que professores agredidos por alunos chamem a polícia e que, caso recebam Bolsa Família, o benefício seja cortado.

— Tem que registrar, o pai tem que ser punido. Se não corrigir, tira a tutela da criança. Se o professor alega que ele não tem apoio do Estado, um recado: o Estado somos nós.

Para pesquisadores, as afirmações do ministro mostram uma visão equivocada sobre qual é a função do Bolsa Família, além de demonstrar desconhecimento das leis.

—A destituição do poder familiar é um procedimento muito sério e existem razões para que aconteça. Há faixas etárias de divisão de responsabilidade —explica a advogada Silvana do Monte Moreira.

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Governo quer terceirizar a fiscalização do ‘homeschooling’

11/04/2019

 

 

‘Organizações de educação domiciliar’ seriam responsáveis por avaliação

Autor de uma Medida Provisória (MP) em elaboração para liberar o homeschooling no país, o governo quer terceirizar para “associações” e “organizações de educação domiciliar” as tarefas de cadastrar os estudantes submetidos ao modelo e de acompanhar seus resultados nas avaliações oficiais que terão de fazer. Essas entidades também serão responsáveis pela “divulgação de guias de boas práticas para as famílias educadoras”, aponta o texto.

A proposta, que passará pelos últimos ajustes nesta semana para ser anunciada no âmbito dos cem dias de governo, já terá força de lei assim que for editada e enviada ao Congresso Nacional. O texto afirma que os pais poderão “formalizar” a opção pela educação domiciliar “mediante autodeclaração em meio virtual ao Ministério da Educação” ou “alternativamente” por meio das entidades “credenciadas” na pasta.

Como o MEC não tem qualquer tipo de sistema hoje para acompanhamento dessas famílias, na prática, as próprias associações interessadas devem gerenciar o processo de fiscalização. O texto deixa claro que esse trabalho ficará a cargo das entidades.

O texto aponta o que cabe ao MEC, “além de credenciar as entidades de apoio à educação domiciliar, anualmente, receber e manter atualizado, eletronicamente, o banco de dados dos estudantes domiciliares”.

'Registro de atividades'

Uma versão anterior da MP previa que “constará do cadastro, para cada estudante, o plano pedagógico individual e o termo de responsabilização”. Na atual redação, basta que os pais ou responsáveis mantenham o “registro das atividades pedagógicas do estudante, para fins de comprovação”.

A MP também coloca a realização de exames de aferição do aprendizado como uma “alternativa” para os estudantes domiciliares. Além de provas oficiais oferecidas pelo governo, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), os pais poderão optar por “instituições de ensino públicas ou privadas que ofereçam avaliações para essa modalidade”.

O texto da MP prevê avaliações para certificar o aprendizado em quatro momentos da educação básica: conclusão do 2° ano do ensino fundamental, no 5º ano (fim da primeira etapa do fundamental), no 9º ano (fim do ciclo fundamental) e na conclusão do ensino médio. Diz o texto que a certificação não será concedida caso o desempenho não tenha sido satisfatório, sem detalhar quais critérios vão ser usados para medir o rendimento do aluno nos testes.

A MP, em sua primeira versão, foi escrita pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned). A medida muda a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir que os pais podem “declarar a opção pela educação domiciliar” como uma alternativa a sua responsabilidade de matricular os filhos nas escolas.