O globo, n. 31294, 12/04/2019. Economia, p. 17

 

Bomba-relógio

Daiane Costa

Stephanie Tondo

12/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Reforma da previdência

Em mais da metade dos estados, servidores aposentados ganham mais que os da ativa

No momento em que governadores buscam socorro financeiro da União para reequilibraras contas earcar com despes ascomo afolha de pagamento, estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra o impacto da reforma da Previdência para o caixa dos estados. De acordo com o levantamento, em 14 estados do país, mais da metade do total, a remuneração média dos servidores aposentados supera ado sativos. Em Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além da diferença na remuneração, o número de inativos também é maior. Em tramitação na Câmara, o texto da reforma prevê o aumento das alíquotas e do tempo de contribuição para o funcionalismo estadual.

A maior diferença está no Amapá, onde o servidor inativo recebe em média R$ 7,5 mil mensais e o ativo, R$ 4,6 mil. No Rio de Janeiro, as rendas já estão encostando. Inativos recebem R$ 5,4 mil mensais e os ativos, R$ 5,6 mil.

—A pesquisa confirma a necessidade da reforma da Previdência. O déficit total dos estados ficou, em 2017, perto de R $80 bilhões e, em 14 estados, os aposentados ganham mais do que os ativos. No Estado do Rio de Janeiro, metade do que é gasto comf olha de pessoa lé para pagar inativos — disse Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan.

Para Raul Velloso, economista e especialista em contas públicas, o descolamento na remuneração revelado pelo estudo ocorre porque o valor do benefício do servidor aposentado corresponde ao último rendimento, geralmente mais alto após promoção ao longo da carreira. Entre os da ativa, há muitos servidores em início de carreira e com rendimentos mais baixos.

A pesquisa mostra que, em média, os aposentados

do serviço público estadual recebem R$ 4,8 mil por mês no Brasil. No Distrito Federal, porém, esse valor (R$ 8,8 mil) é quase o dobro. A renda média do trabalhador brasileiro, segundo dados do IBGE, é de R$ 2.285.

—Isso tem a ver com a vida dos brasileiros. Não vamos ter equilíbrio social, educação e serviços de saúde decentes sem reforma da Previdência. Só vamos ter empregos aqui se tivermos a economia crescendo — afirmou o presidente da Firjan sobre a urgência de aprovação das mudanças de regras de aposentadorias.

Déficit pesa para todos

O levantamento da Firjan mostra em exemplo prático que a conta do déficit da Previdência recai sobre toda a sociedade. Para isso, o estudo divide o valor do déficit anual previdenciário de cada estado pelo número de habitantes. Na prática, a conta mostra quanto cada cidadão paga para cobrir o déficit em cada estado. O maior custo por morador foi encontrado no Rio Grande do Sul, onde cada habitante precisaria “contribuir” com R$ 1.038 por ano. No Rio de Janeiro, são necessários R$ 663 por morador.

—É como se esse valor estivesse embutindo principalmente no ICMS, que é a maior fonte de financiamento do déficit dos estados. Quando você vai num chá de bebê e leva um pacote de fraldas, tem ICMS embutido para financiar o déficit previdenciário. A criança nem nasceu e já está pagando. Não tem como deixar de pagar esses salários, e esse dinheiro tem de sair de algum lugar. Seria socialmente mais aceitável se chegasse anualmente na nossa casa um boleto com essa conta — explicou Jonathas Goulart, economista da Firjan.

O estudo mostra ainda outro sinal de alerta: na maioria dos estados, o número de servidores aposentados já é quase igual ao de funcionários na ativa ou superior. No Rio Grande do Sul, já são quase dois aposentados para cada servidor na ativa. O patamar também é considerado insustentável em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

— São dados que demonstram um custo muito elevado para a população, e que resultam em menos recursos para serem investidos na prestação de serviços — diz Velloso.

Medidas adicionais

Para o economista, é preciso combinar a reforma com outras medidas que “ataquem a raiz do problema”:

—É preciso (ter) essa conta dos orçamentos criando fundos de previdência ou de pensão e conseguir receitas novas para pagar esses fundos sem pesar nas costas dos contribuintes e na prestação de serviços. Do contrário, casos como o do Rio Grande do Norte, que já atrasa pagamentos de salários, como ocorreu no Rio há dois anos, vão se generalizar.

O economista do Insper André Marques pondera que os estados não podem ficar na expectativa de resolver todos os problemas financeiros apenas com a aprovação da reforma.

—É claro que, se a reforma não for feita, o problema vai se agravar, e os déficits vão crescer. A reforma é uma mudança estrutural e vai ter efeito daqui a alguns anos. Para sobreviver até lá, é preciso encontrar soluções com aumento de receitas e corte de despesas —diz Marques.

Ele lista como possíveis medidas adicionais o congelamento de concursos públicos e de salários, revisão de carreiras e de concessão de gratificações e incorporações, pois são gastos que impactam a folha dos ativos e dos inativos:

— Não adianta só deixar na conta da União a solução dos problemas com os inativos. Decisões que os governadores tomam, como conceder reajustes altos, geram uma conta que eles terão de pagar lá na frente. É preciso melhorar a qualidade do gasto público.

“Isso tem a ver com a vida dos brasileiros. Não vamos ter equilíbrio social, educação e serviços de saúde decentes sem a reforma”

Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan

“Quando você vai num chá de bebê e leva um pacote de fraldas, tem ICMS embutido para financiar o déficit previdenciário. A criança nem nasceu e já  está pagando”

Jonathas Goulart, economista da Firjan