O globo, n. 31295, 13/04/2019. País, p. 6

 

Conselhos de direitos LGBT e indigenista sob risco

Eduardo Bresciani

Karla Gamba

13/04/2019

 

 

Medida tomada por Bolsonaro determina extinção em 28 de junho de colegiados que não foram criados por lei; órgãos que formulam políticas públicas contra trabalho escravo e infantil também podem deixar de existir

O decreto do presidente Jair Bolsonaro que determina a extinção de colegiados coloca em risco o funcionamento de órgãos que tratam de temas como trabalho escravo, combate à discriminação de LGBTs, política indigenista e até a gestão da internet. A medida tomada pelo presidente durante as celebrações de cem dias de seu governo prevê a extinção, em 28 de junho, de todos os colegiados instituídos por decreto. Os conselhos criados por lei não poderão ser eliminados com apenas uma medida do Executivo. Os ministérios têm até o prazo de 28 de maio para informar à Casa Civil todos os órgãos que existem em suas pastas e apresentar propostas de recriação dos que não desejam ser encerrados. A meta é diminuir de cerca de 700 para 50 o número de colegiados que atuam na administração federal direta e indireta.

Política indigenista

A Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) é uma sob risco. Ela está em funcionamento com base em um decreto presidencial de 2006. Cabe a ela propor as diretrizes e prioridades da política nacional indigenista e as formas de monitoramento da ação dos órgãos federais que atuam como indigenistas, bem como articular e orientar estes órgãos. Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), entidade que integra a CNPI, afirmou que a medida sinaliza que o governo está fechado ao diálogo com os povo indígenas.

— Nossa avaliação é que o governo está fechando um importante canal de interação com os povos indígenas. Isso é um sinal de que está fechado ao diálogo —disse Buzatto. De acordo com o ministrochefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, os conselhos são resquícios das administrações petistas. A medida, segundo o governo, faz parte do “esforço de racionalização administrativa.” Embora os conselheiros não sejam remunerados, a cada participação o governo financia pagamento de passagens, hospedagem e alimentação. O governo não divulgou o valor da economia a ser gerada. — Estes conselhos vinham de uma visão completamente distorcida do que é representação e participação da população. Tinham como gênese a visão ideológica —disse Onyx.

Outro colegiado que pode ser extinto é o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT, tendo a regulamentação atual com base em um decreto de 2010. A finalidade é formular e propor diretrizes de ação governamental no combate à discriminação da comunidade. A Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) também é uma das que se enquadra nos critérios para extinção. Ela foi criada em julho de 2003 por um decreto, substituindo um grupo de trabalho que tratava do tema. O colegiado tem como objetivo coordenar e avaliar a implementação das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) também está na lista, por ter sido criada em 2002 por uma portaria, tendo por bases convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU). A Conaeti elaborou em 2003 o Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e acompanha sua execução.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), já anunciou a apresentação de um projeto para tentar sustar os efeitos do decreto. —O governo segue em sua cruzada para desarticular a sociedade e impedir a participação e fiscalização dos cidadãos, retirando do povo o poder que a Constituição lhe garante —disse.

Há na lista de colegiados com riscos ainda estruturas que tratam de florestas, pessoas com deficiência, idosos, entre outros.

Duas reuniões apenas

Uma das medidas anunciadas por Bolsonaro na comemoração de seus cem dias de governo, o Comitê Interministerial de Combate à Corrupção só deve se reunir duas vezes por ano. O órgão tem caráter consultivo e sua missão é assessorar o presidente na criação de políticas públicas para a área. O decreto que criou o colegiado prevê a realização de reuniões semestrais. Coordenador do grupo, o ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner de Campos Rosário, pode convocar o grupo de forma extraordinária. O decreto, porém, abre a possibilidade de que os ministros se façam representar por assessores nas reuniões.

“Nossa avaliação é que o governo está fechando um importante canal de interação com os povos indígenas. Isso é um sinal de que está fechado ao diálogo”

Cleber Buzatto, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)