Título: Cotas: sem radicalismo
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Fonte: Correio Braziliense, 10/08/2012, Opinião, p. 16

Subdesenvolvimento não se improvisa. Cultiva-se." A frase, repetida por Roberto Campos, encontra eco em projeto de lei aprovado esta semana. A proposição obriga as universidades e escolas técnicas federais a reservar 50% das vagas a candidatos que cursaram o ensino médio na rede pública.

Não só. Metade do universo carimbado tem destino também carimbado. Pertencerá a vestibulandos cuja renda familiar per capita não ultrapasse um salário mínimo e meio. Na disputa, terão preferência os autodeclarados negros, pardos e índios segundo o peso populacional definido no Censo do IBGE.

A proposta chama a atenção, antes de tudo, pelo percentual que abocanha. O acesso de metade dos alunos por critérios discriminatórios contraria o princípio da meritocracia e ignora o papel das universidades federais. Elas oferecem o melhor ensino do país, investem em pesquisa e abrem o caminho para a inovação nacional.

Percorrem longo caminho a fim de cumprir a missão que lhes justifica a existência. O passo inicial é o recrutamento. O critério não pode ser outro senão a excelência. Seja em avaliações únicas como o vestibular, seja em seriadas como o Enem, a escolha recai sobre os que apresentam melhor desempenho. É com eles que a instituição avança e forma a inteligência de que o Brasil tanto necessita.

Mais: o projeto desconhece a autonomia universitária e experiências exitosas relativas a ações afirmativas. Pelo menos 30 instituições implantaram sistemas de cotas segundo as próprias peculiaridades. A UnB, por exemplo, destina 20% das vagas para negros, pardos e índios. A UFRJ, 30% para estudantes da rede pública, independentemente de cor, raça ou credo.

A questão que sobressai da inaceitável proposição é a tentativa de mascarar a maior tragédia nacional. Trata-se da falência da escola pública básica. Incapaz — por omissão e negligência — de oferecer ensino de qualidade para a maioria da população, o Estado avança contra a universidade num jogo de faz de conta que só trará prejuízo para a concretização do sonho de figurar entre as potências do século 21.

No mundo globalizado, derrubaram-se as fronteiras da economia, mas não as do conhecimento. País que não forma sua elite intelectual condena-se à pior dependência — entregar a outro o próprio destino. Não só. Condena-se também ao atraso. Nenhum país com educação subdesenvolvida chegou ao Primeiro Mundo. Ao criar o programa Universidade sem Fronteiras, a presidente Dilma Rousseff reconheceu a importância de ombrear o saber nacional com o de nações de ponta. Por coerência, tem o dever de vetar o projeto populista que aposta no atraso.