O globo, n. 31252, 01/03/2019. País, p. 8 e 9

 

OAS: dinheiro de propina veio de 7 países

Aguirre Talento

01/03/2019

 

 

Delator diz que empresa assinou contratos com doleiros no valor de R$ 447 milhões; 21 políticos teriam recebido R$ 125 milhões

Gerente da área internacional de contabilidade clandestina da O AS, o ex-executivo Alexandre Portela Barbosa relatou em sua delação premiada, já homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que a empreitei rausou contratos fictício sem sete países para gerar recursos ilícitos usados em pagamentos de propina e caixa dois no Brasil e no exterior. Segundo Alexandre Barbosa, foram utilizadas para este fi munida desda O AS no Chile, Costa Rica, Equador, Guatemala, Peru, Trindade e Tobago, e Ilhas Virgens Britânicas.

Os contratos fraudulentos, de 2010 a 2014, totalizaram cerca de US$ 120 milhões (R$ 447 milhões) e abasteceram contas de doleiros, que movimentavam os recursos clandestinos da OAS no exterior ou remetiam ao Brasil.

Essa contabilidade clandestina que gerava dinheiro para pagar os políticos era parcialmente alimentada com fraudes em contratos no exterior. O GLOBO revelou anteontem o teor da delação premiada de oito ex-executivos do setor de contabilidade clandestina da OAS, chamado de Controladoria de Projetos Estruturados. Os ex-funcionários relataram pagamentos de propina e caixa dois no total de R$ 125 milhões apelo menos 21 políticos de oito partidos.

Os valores movimentados no exterior indicam que o montante total de pagamentos de propina da OAS no Brasil pode ser ainda maior do que os R$ 125 milhões relatados na delação premiada dos ex-executivos. Como eram responsáveis somente pelo setor de propina, eles não tinham conhecimento em todos os casos do destinatário final e da necessidade dos valores em espécie solicitados por diretores de outras áreas da empresa. Só ao fim das investigações e após a conclusão da delação do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro é que será possível saber o valor total pago pela empresa aos políticos.

Usina no Equador

Uma das fraudes relatadas envolveu, em 2012, a obrade uma usina hidrelétrica no Equador, feita pela unidade da OAS naquele país. Barbosa conta que visitou a obra em companhia de outro executivo,porque e latinha uma“margem de lucro expressiva” que facilitaria o desvi ode recursos:

“Devido a ofato de a construtora O AS estar performando um contrato importante no Equador, na cidade de Babahoya (Proyecto Multiproposito UHE Baba), ambos foram ao acampamento da obra, no interior do Equador, buscar informações que tivessem sido produzidas pela empresa para verificar se poderiam utilizálas para elaborar um ou mais contratos fictícios”, disse.

Após essa análise e a intermediação de doleiros, a OAS Equador contratou uma empresa de fachada sediada na Espanha .“Comesse esquema, geraram um caixa dois no valor bruto de US$ 9,2 milhões, por meio de um contrato 100% fictício, de serviços de consultoria e engenharia que nunca foram prestados”, relatou Alexandre Barbosa.

Uma das maiores operações ocorreu em Trindade e Tobago. Alexandre Barbosa conta que foi ao país e foi incumbido por um diretor da OAS de analisar estudos técnicos produzidos pela sucursal da empresa, chamado de “evidências”, para embasar uma obra que seria feita no país. Em seguida, seria assinado um contrato fictício com empresa de fachada para lavar dinheiro e cuja finalidade seria produzir esses estudos que já estavam prontos.

Em nota, aO AS afirmou que implantou uma nova gestão após a Lava-Jato eque tem colaborado coma Justiça. O foco da nova administração é concluir os acordos de leniência e seguir com seus negócios.

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Banco teria intermediado propina para partido, diz delator

01/03/2019

 

 

Políticos do então PMDB são citados; PV e PSC teriam recebido repasses

O ex-executivo da OAS Mateus Coutinho de Sá revelou em delação premiada que um banco brasileiro participou como intermediário do pagamento de propinas apolíticos do então PMDB. Segundo Coutinho de Sá, a empreiteira repassou R $6,5 milhões ao banco BVA tendo como destinatário final políticos da legenda no Rio. Ele ainda afirmou que o PV recebeu irregularmente R$ 700 mil. Outro delator, Ramilton Lima Machado Júnior, disse que o PSC recebeu R$ 800 mil. Estas duas últimas operações teriam ocorrido sem intermediários.

Os recursos pagos ao hoje MDB foram gerados por meio de um contrato fictício que simulou estudos sobre obra no Peru. O esquema defraude em contratos foi usado em outros seis países, conforme afirmou Alexande Barbosa, responsável pela área internacional de geração de contabilidade clandestinada O AS. Neste caso em específico, Barbosa conta que viajou até Lima para colher material para o estudo fictício e posteriormente repassou os documentos para um funcionário do BVA que cuidaria do contrato fraudulento.

A força-tarefa Greenfield, em Brasília, já havia colhido evidências de conexão financeira entre o BVA e o MDB. Os investigadores localizaram uma conta no exterior em nome do ex-dono do BVA, José Augusto Ferreira dos Santos, na qual foram depositadas parcelas de propina pagas pela Carioca Engenharia ao ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ).

A suspeita é que Cunha tenha usado a conta do dono do BV Apara recebe relavara propina. Em dep oim entoà Polícia Federal, José Augusto admitiu ter relacionamento com Cunha e disse que chegou a pedir ajuda ao emedebista para marcar uma reunião no Banco Central. O banco BVA teve a falência decretada em 2014.

As evidências entregues pela OAS reforçam as provas de que o BVA funcionava como um banco da propina do então PMDB. A conexão é explicada em um dos anexos do ex-executivo Mateus Coutinho: “Repasse de R$ 6,5 milhões ao banco BVA, no ano de 2011, sendo o valor em verdade destinado ao PMDB/RJ”.

O GLOBO entrou em contato coma defesa de José Augusto Ferreira dos Santos, ex-dono doBVA,m as não obteve resposta sobre as acusações até a publicação desta matéria.

Valores de caixa dois

Os ex-executivos da OAS também relataram irregularidades em repasses feitos para o PV e o PSC. No caso do PV, Mateus Coutinho de Sá afirmou que operou “repasse de valores oriundos de caixa dois ao Partido Verde, no valor de R$ 700 mil em 2010, negociado com Alfredo Sirkis, ex-deputado federal”.

Nas eleições daquele ano, o PV disputou a Presidência com a candidatura de Marina Silva (hoje na Rede). No documento assinado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, não há citação nominal a Marina Silva.

Procurado, o ex-deputado Alfredo Sirkis negou as acusações e disse que todas doações recebidas pelo PV foram registradas oficialmente. “Houve duas doações legais de R$ 200 mil para todas campanhas naquele ano e foram declaradas à Justiça Eleitoral”, afirmou.

O outro pagamento, para o PSC, consta na delação de outro ex-executivo, Ramilton Lima Machado Júnior. Segundo o documento, a OAS realizou o “repasse indevido de R$ 800 mil a Rogério Vargas, tesoureiro do PSC”. A operação foi a pedido do então presidente da OAS, Léo Pinheiro, segundo o delator. Por meio de nota, o P SC informou que“as doações recebidas obedeceram à legislação e foram devidamente apresentadas à Justiça Eleitoral”. 

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Paulo Preto é condenado a 27 anos pela Lava-Jato

Dimitrius Dantas

01/03/2019

 

 

Ex-diretor da estatal paulista de rodovias, apontado como operador do PSDB, foi considerado culpado por fraude em licitação e formação de cartel. Sentença saiu uma semana antes que ele completasse 70 anos e recebesse benefício

Apontado como operador de recursos ilícitos do PSDB de São Paulo, o ex-diretor da estatal paulista de rodovias (Dersa) Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi condenado ontem pela juíza Maria Isabel do Prado, da 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, a uma pena de 27 anos e oito dias de prisão por fraude a licitação e formação de cartel. Dessa pena, sete anos devem ser cumpridos em regime fechado. Essa foi a primeira condenação obtida pelo braço paulista da Lava-Jato.

Procurada, a defesa do exdiretor da Dersa afirmou que não iria comentar a decisão da Justiça Federal.

Neste processo, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Vieira e outras 32 pessoas pela formação de um cartel de empreiteiras para a construção do trecho sul do Rodoanel, que liga as principais rodovias da região metropolitana de São Paulo, e outras sete obras viárias contratadas pelo governo estadual. O processo foi desmembrado e apenas o ex-diretor da Dersa foi condenado ontem.

Além dessa ação, Vieira responde a outro processo na 5ª Vara Federal, sobre uma fraude de R$ 7,7 milhões na indenização de famílias desapropriadas pela obra do rodoanel. Ele é acusado de incluir o nome de empregadas e babás de sua família na lista de beneficiados. O caso está pronto para receber uma sentença, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes determinou, há 15 dias, que algumas etapas da ação sejam refeitas.

Vieira completa 70 anos no próximo dia 7 de março. De acordo com a lei, isso faz com que o tempo de prescrição dos crimes atribuídos a ele caia pela metade. Como as irregularidades nas indenizações do Rodoanel teriam ocorrido em 2009, o exdiretor da Dersa ficaria livre de uma eventual condenação depois do aniversário.

Conta na Suiça

Paulo Vieira está preso preventivamente na Superintendência da Polícia Federal (PF) de São Paulo desde a última terça-feira, quando foi alvo de uma operação da Lava-Jato de Curitiba. O MPF no Paraná o acusa de movimentar R$ 130 milhões em propina em uma conta bancária na Suíça. Ele ainda não foi transferido para o Paraná porque tinha que participar de audiências do caso em que acabou condenado ontem.

Os procuradores curitibanos querem ouvir Vieira sobre as contas na Suíça e sua relação com agentes políticos.

De acordo com a acusação que levou à condenação de Vieira, as 15 construtoras que atuaram no Rodoanel teriam feito um conluio com ele para a divisão das principais obras do estado nos dez anos seguintes. A negociação teria sido feita entre 2007 e 2010, durante o governo José Serra.

A acusação foi formulada a partir da delação de executivos da Odebrecht. O MPF apresentou na denúncia duas planilhas que teriam sido feitas pela construtora, uma com o título “amor” e outra com o título “briga”. A primeira serviria para o cenário em que as empresas se ajustassem para a divisão das obras. A segunda era para a situação oposta.

Se fosse levada em consideração a planilha do “amor”, o preço subiria e ficaria entre R$ 496 milhões e R $567 milhões, uma vez que o cartel desse certo. No caso de “briga"“, as propostas oscilariam entre R$ 410 milhões e R $518 milhões, efeito da concorrência.

A sentença da juíza Maria Isabel foi dada um dia após o interrogatório de Vieira. Ouvido pela magistrada na quarta-feira, ele negou participar da formação de um cartel, mas afirmou que a prática fazia parte da natureza das empreiteiras.

—Eu acho o cartel uma coisa que é do DNA das empresas. Quando interessa, eles se agrupam. Quando tem pouca coisa, brigam. Quando tem muita obra, eles se juntam. Eu não vejo empresa precisando se aliara nenhum gestor público Elas estão dez anos na frente.

O PSDB de São Paulo disse que nem o partido nem seus dirigentes são réus no processo eque não possui qualquer vínculo, passado ou presente, com Paulo Preto.

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Na cadeia, vice-campeão de futebol e recorde de abdominais

Cleide Carvalho

Tiago Dantas

01/03/2019

 

 

Revelações estão em diário de Paulo Preto encontrado pela Polícia Federal

Durante os 35 dias em que ficou na penitenciária de Tremembé, no interior de São Paulo, no ano passado, o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, foi vice-campeão de um torneio de futebol com uma chuteira emprestada, bateu o recorde local de abdominais, projetou uma casa para um agente penitenciário e preparou uma apresentação sobre si mesmo para o caso de virar palestrante.

A rotina do ex-dirigente da estatal responsável pelas obras viárias do governo paulista está descrita em um diário apreendido pela Polícia Federal ( PF ) no último dia 19, quando ele foi preso, desta vez pela força-tarefa da Lava-Jato.

O Ministério Público Federal (MPF) também encontrou, no diário, referências a uma conta desaparecida em Bruxelas, na Bélgica, e pediu esclarecimentos.

Nesta investigação, Souza é acusado de lavar dinheiro de propina da Odebrecht por meio de uma conta na Suíça. Segundo os procuradores, o ex-diretor da Dersa movimentou R$ 130 milhões por meio do esquema, do qual faziam parte outros operadores financeiros já investigados pela Lava-Jato.

Souza foi levado à penitenciária de Tremembé em 6 de abril do ano passado, depois de ser preso sob a acusação de desviar R$ 7,7 milhões em indenizações a quem fosse desapropriado na obra do Rodoanel. Seus relatos começam no dia 20. Nesse dia, diz ter pego um tênis usado emprestado para jogar futebol e relata que seu time ganhou quatro vezes por goleada.

Sem caneleira

O time do ex-diretor da Dersa prosseguiria no torneio até a final, em 1º de maio, quando foi derrotado por 5 ×2 —Souza relatou ter se machucado aos 25 minutos do primeiro tempo e não ter reserva. O ex-diretor reclamou algumas vezes, no diário, por não ter recebido caneleira, tornozeleira e chuteira enviadas por sua família: “Por falta de gestão ou disposição ou perseguição dos agentes”.

O material esportivo só seria liberado no dia 11 de maio, um dia antes de sua saída. Outro feito esportivo lembrado por Vieira no diário é o recorde de exercícios abdominais na modalidade com roda: 39, em 21 de abril, e 61, em 2 de maio: “Passei a ser chamado de ‘Big Iron’, pois o recorde anterior era de 31”, escreveu. Segundo o diário, ele colocava o apelido nas revistas levadas por sua família e que emprestava a outros presos.

A relação com os demais detentos também merece a atenção de Souza. Ele pede uma relação de todos que estão no seu pavilhão, para que possa “tratá-los pelo nome” e faz um dicionário com termos utilizados na prisão para se fazer entender. Um preso condenado a dez anos de prisão contou-lhe sobre o funcionamento da principal facção criminosa de São Paulo, falando sobre “simpatizante, irmão com juramento, códigos, regras e adesão”, diz o diário.

O texto cita até conversas com agentes penitenciários sobre assuntos diversos, como governo, sistema prisional e vegetarianismo. Para um deles, diz ter feito um anteprojeto de um sobrado de 320 metros quadrados, “com detalhamento de ambientes nos dois pavimentos e custo da obra”. Ofereceu ainda, ao diretor do presídio, proposta para melhorias na unidade com doações de empresas, mas não foi atendido.