O globo, n. 31255, 04/03/2019. Economia, p. 13

 

Desafios no comando

Rennan Setti

Glauce Cavalcanti

Alexandre Rodrigues

041/03/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Novo presidente da Vale terá de recuperar confiança na empresa e reorganizar operação

A saída do presidente da Vale, Fabio Schvartsman, e de mais três diretores da companhia — que passa por seu momento mais difícil depois do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, que fez mais de 300 vítimas, entre mortos e desaparecidos — pegou de surpresa analistas que acompanham a empresa. A gestão financeira de Schvartsman era elogiada pelo mercado e as medidas adotadas pelo executivo após a tragédia eram vistas como adequadas pelo Conselho de Administração. Se, por um lado, o afastamento dele pode ser visto como uma boa estratégia de redução de riscos, coma Vale evitando atritos como Ministério Público, por outro há o temor de que a troca de parte da diretoria, em plena crise, crie ruídos na gestão e dificulte a volta à normalidade da mineradora.

A troca de comando representará mais um teste para a mineradora no mercado financeiro. Não há pregão no Brasil hoje por causa do carnaval, mas analistas avaliam que haverá impacto nos papéis da Vale negociados no exterior, como na Bolsa de Nova York.

Schvartsman havia assumido a Vale em 2017 com o lema “Mariana nunca mais”, numa referência ao rompimento da barragem da Samarco (da qual a Vale é sócia) naquela cidade mineira, em 2015. Acabou tragado por uma tragédia similar, com mais vítimas. Caberá ao novo presidente interino, Eduardo de Salles Bartolo me o, que até sábado respondia pela diretoria de Metais Básicos, lidar não apenas coma gestão d acrise aberta por Brumadinho, mas também reorganizar a operação coma paralisação de unidades em Minas.

Bartolomeo terá ainda de atuar na recuperação da credibilidade da mineradora no mercado, que já perdeu o grau de investimento —espécie de selo de bom pagador—concedido pela agência de classificação de risco Moody’ s.P ara analistas, o rebaixamento pode ser acompanhado pelas concorrentes Fitch e S&P, o que pode levar investidores institucionais, sobretudo estrangeiros, a ter de vender as ações. Desde a tragédia, em 25 de janeiro, a Vale já perdeu quase R$ 50 bilhões em valor de mercado.

Preocupação no exterior

Ações judiciais e medidas prudenciais levaram a Vale a reduzir em 70 milhões de toneladas sua produção anual de minério de ferro, 17,5% dos 400 milhões de toneladas estimadospara 2019. P orou trolado, a alta do preço da commodity beneficia a empresa.

Bartolomeo foi anunciado como novo presidente na noite de sábado, após o Conselho da Vale aprovar o pedido de afastamento temporário de Schvartsman e dos diretores executivos Gerd Peter Poppinga (Ferrosos e Carvão), Lucio Cavalli (Planejamento e Desenvolvimento de Ferrosos e Carvão) eSilm ar Silva( Operações do Corredor Sudeste ). O afastamento foi recomendado na sexta-feira ao Conselho pela força-tarefa que investiga o rompimento da barragem de Brumadinho, integrada pelo Ministério Público Federal e o de Minas, além das polícias Federal e Civil. As autoridades pediram o afastamento de outros dez executivos da Vale, o que, segundo a empresa, será analisado no prazo de dez dias estipulado no documento.

Ontem, investidores e analistas no exterior levantaram dúvidas sobre a mudança no comando da Vale, destacando que Bartolomeo é pouco conhecido nos mercados, diferentemente de Schvartsman, cuja gestão financeira vinha sendo aprovada pelo mercado antes do desastre. O novo presidente é visto como um executivo mais focado na operação, embora pese a seu favor a experiência no ramo.

Engenheiro, ele está em sua segunda passagem pela Vale. Na primeira, entre 2004 e 2012, dirigiu o Departamento de Operações Logísticas. Depois foi presidente do grupo de hotelaria BHG e da Nova Transportadora do Sudeste (NTS), rede de gasodutos vendida pela Petrobras a consórcio liderado pela Brookfield. Também tem no currículo uma passagem pela Ambev. Voltou à Vale em 2017 como conselheiro indicado pelo BNDES, quando chegou a ser cogitado para a sucessão do então presidente da empresa, Murilo Ferreira. Coma escolha de Schvarstman, foi escalado para a diretoria de Metais Básicos, baseado no Canadá.

— Minha preocupação é que dispensar altos executivos deixe a companhias em comando ou com menor experiência em liderança e isso acabe contribuindo para aumentara cris e—dis seà agência Reuters John Tumazos, que dirige consultoria especializada em mineração nos EUA.

'Perda relevante'

Um analista de banco de investimentos, que não quis se identificar, disseque muitos clientes entraram em contato demonstrando preocupação. Ele qualificou a mudança na diretoria como uma “perda relevante” para a Vale dado o “alto calibre e proximidade dos mercados” de Schvartsman.

No Brasil, Pedro Galdi, da Mirae Asset corretora, diz ser natural a apreensão de investidores no exterior, o que, na visão dele, deve se repetir na reabertura da Bolsa brasileira, na tarde de quarta-feira.

— É mais uma trovoada na nuvem negra que paira sobre a Vale. Quando há uma tragédia como essa, não tem jeito, a liderança precisa se afastar. Mas são presidente e três executivos de alto escalão. Não é nada trivial e não vai passar despercebido — afirmou Galdi. — A tendência é um ajuste pontual, já que o papel sofreu muito desde Brumadinho.

Para Adeodato Volpi Netto, da Eleven Financial, apostura colaborativa com as autoridades pode ser vista como positiva no mercado, mas o afastamento pode ser interpretado como sinal de problemas na governança da Vale.

—O mercado pode entender a mudança como gestão de risco, evitando criar resistência no Ministério Público em negociar com aqueles que, em teoria, estariam mais envolvidos com a situação do acidente —diz o analista.—Bartolo me o e os executivos que assumem interinamente são qualificado senão trazem comprometimento técnico às áreas. Em tese, deveria ter impacto neutro ou até positivo aos papéis, mas é assunto tão sensível que fica difícil prever.

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Conselho decide agir rápido para evitar choque com autoridades

04/03/2019

 

 

Assim que recebeu a recomendação da força-tarefa de Brumadinho para afastar Fabio Schvarstman, na sextafeira, o Conselho da Vale resolveu agir rápido. Segundo uma fonte, embora estivessem avaliando bem a condução da crise pelo executivo, os conselheiros logo concordaram que deveriam afastá-lo, com os outros diretores, para evitar qualquer rota de colisão com as autoridades. Isso precipitou a carta em que Schvarstman pede afastamento temporário e manifesta“absoluta convicção da retidão de minha conduta.”

Embora o estatuto social da Vale determine que, em caso de afastamento do presidente, o comando deve ficar com o diretor executivo de Finanças—cargo ocupado por Luciano Si ani desde 2012— Bartolo me o foi escolhido pelos conselheiros porque já havia um plano de sucessão definido com o nome dele para o caso de uma crise como essa.

Apesar de interino, Bartolomeo terá “carta branca” do Conselho, disse uma fonte, como forma de mitigar possíveis dúvidas do mercado sobre a gestão. Uma possível efetivação dele, no entanto, só deverá ser definida em abril, quando uma assembleia de acionistas renovará o Conselho.