O globo, n. 31305, 23/04/2019. Economia, p. 15

 

Economia garantida

Geralda Doca

Gustavo Maia

23/04/2019

 

 

Governo cede, mas mantém meta de R$ 1 tri

Para destravar a reforma da Previdência no Congresso Nacional, o governo cedeu à pressão dos partidos do centrão em quatro pontos, na primeira etapa da tramitação, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. As alterações, no entanto, não comprometem a economia esperada com a proposta de R$ 1 trilhão em dez anos e não prejudicam os planos de retirar da Constituição os parâmetros da aposentadoria — a chamada desconstitucionalização. O Executivo, porém, vai abrir mão da prerrogativa exclusiva de propor mudanças no sistema previdenciário no futuro.

Segundo documento ao qual O GLOBO teve acesso, o governo vai retirar do texto original o fim da multa de 40% do FGTS nas demissões sem justa causa para aposentados que continuam trabalhando e abre mão do fim do recolhimento da contribuição de 8% a partir da concessão da aposentadoria. Também vai ceder em outro ponto relevante para a judicialização dos temas relacionados à Previdência: o de que as ações deveriam ser ajuizadas apenas nos estados de origem de quem entra com o processo contra a União. Hoje, as pessoas podem propor ações nos estados ou na Justiça Federal em Brasília, ampliando as chances de vitória.

O governo aceitou retirar da proposta todos os trechos que tratam como “de iniciativa do Poder Executivo Federal” a prerrogativa para propor mudanças futuras na Previdência. Ou seja, as mudanças também poderiam ser propostas pelo Congresso. Alguns exemplos são o gatilho da idade mínima de aposentadoria de acordo com o aumento da expectativa de vida e mudanças nas regras do benefício, como idade, tempo de contribuição e valor de cálculo.

Impacto fiscal e emendas

Nessa mesma linha, será retirado do texto a prerrogativa do Executivo de propor projeto para definir a idade máxima para aposentadoria compulsória dos servidores públicos. Essa idade é, hoje, de 75 anos, o que permitiu que os ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros tribunais ficassem mais tempo no cargo.

As emendas serão apresentadas oficialmente aos líderes dos partidos na manhã de hoje, antes da reunião da CCJ. Elas também foram negociadas com o relator da proposta na comissão, deputado Marcelo Freitas (PSL-MG), que fará emendas ao seu voto, porque já tinha proferido parecer favorável à admissibilidade integral da reforma na CCJ. Mas diante da tentativa frustrada de votar o relatório sem alterações na semana passada, o governo foi obrigado a recuar.

Em outra frente para garantir a aprovação, o governo vai ceder à pressão de alguns parlamentares e antecipar a divulgação do impacto fiscal de algumas medidas da reforma nesta quinta-feira. O plano inicial era abrir os números somente quando o projeto já estivesse na comissão especial, que vai analisar o mérito da proposta a fim de negociar novas emendas.

Nos bastidores, também se comenta a liberação de emendas parlamentares que não são impositivas para quem votar a favor da matéria, além de cargos para aliados nos estados. Com isso, integrantes do Executivo e parlamentares já contam com uma vitória certeira na CCJ. O palpite do presidente da comissão, deputado Felipe Francischini (PSL-PR) é de obter mais de 40 votos dos 66 integrantes do colegiado:

— Vamos aprovar o relatório por boa margem de votos.

O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, também tem certeza da aprovação:

—A votação vai ocorrer amanhã (hoje). A sinalização que nós temos dos deputados e líderes que apoiam a pauta é que isso está pacificado. Não tenho dúvidas de que teremos um desfecho favorável.

Mensagens pelo Whatsapp

Segundo o vice-líder do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (Paulinho), a articulação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi fundamental no convencimento dos parlamentares. Mesmo em Lisboa, onde participa de fórum jurídico, Maia disparou mensagens pelo WhatsApp para líderes e presidentes de partidos com a minuta das alterações fechada com o governo, contou Paulinho:

— Depois da derrota na semana passada, acho que agora a CCJ vai aprovar o relatório. Outros itens de questão de mérito poderão ser discutidos na comissão especial.

Em Portugal, Maia também reiterou a expectativa pela aprovação da CCJ.

—Acho que amanhã (hoje) vai passar, e a gente vai terminar esse processo na CCJ, que levou tempo demais, infelizmente. A partir da semana que vem, a gente começa o trabalho na comissão especial — disse. — Está bem encaminhado e tem mais apoio do que no passado.

O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), afirmou que o partido vai garantir os sete votos da legenda pela aprovação do relatório. O líder do DEM, deputado Elmar Nascimento (BA), também disse que o partido votará fechado com o governo.

A líder do governo no Congresso, deputada federal Joice Hasselmann (PSLSP), acredita que o governo conseguirá votar hoje e “virar essa página”.

—É claro que se for preciso dar um pequeno passinho para trás para andar dez para frente, é muito mais inteligente fazer essa negociação.

Um dos coordenadores dos partidos da oposição na CCJ, deputado Zé Guimarães (PTCE), no entanto, comentou que a frente tentará obstruir a votação até que sejam apresentados os dados que embasaram a proposta de alteração das aposentadorias. (Colaborou Bruna Borelli, especial para O GLOBO)

O que deve ser retirado do projeto

> Fim do recolhimento do FGTS e da multa de 40% para aposentados. O governo deve manter o recolhimento da contribuição de 8% a partir da concessão da aposentadoria e a multa nos casos de demissão sem justa causa.

> Idade máxima para aposentadoria de servidores. Será retirado do texto o trecho que joga para uma lei complementar a definição da idade máxima compulsória para aposentadoria. Essa idade é, hoje, de 75 anos, o que permitiu que os ministros do Supremo e de outros tribunais ficassem mais tempo no cargo.

> Exclusividade do Executivo para propor mudanças nas regras de aposentadoria. O governo cedeu neste ponto, abrindo espaço para que o Congresso também possa tomar esse tipo de iniciativa.

> Restrição das ações às varas estaduais. Hoje, quem recorre à Justiça contra a União contestando aspecto da aposentadoria pode entrar com processo em seu estado ou na Justiça Federal de Brasília. O governo queria mudar isso e restringir as ações às varas estaduais, para desafogar os tribunais do Distrito Federal, mas aceitou mudar esse item.

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Bolsa fecha estável com mercado de olho em votação na CCJ

João Sorima Neto

23/04/2019

 

 

Investidores veem teste para capacidade de articulação do governo

Acautela prevaleceu entre os investidores na volta do feriado da Páscoa. Com a votação do relatório da reforma da Previdência marcada para hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a Bolsa de Valores alternou ontem períodos de alta e baixa, fechando praticamente estável com variação positiva de 0,01% aos 94.588 pontos e volume financeiro reduzido de R$ 10 bilhões. O dólar comercial seguiu a mesma tendência e encerrou a sessão com leve alta de 0,07%, cotado a R$ 3,93.

Apesar de declarações do secretário especial da Previdência, Rogério Marinho, sinalizarem ao mercado que as mudanças no texto da reforma da Previdência não devem afetar a economia prevista (R$ 1,1 trilhão), investidores se mostraram cautelosos diante da aceitação do governo de alterar pontos do projeto.

—A alta do dólar frente ao real foi reflexo da falta de liquidez no mercado global, já que alguns países não tiveram negociação nesta segunda por causa do do feriado de Páscoa. Mas também da cautela dos investidores locais em relação à votação da reforma da previdência na CCJ — afirmou Ricardo Silva, da corretora de câmbio Correparti.

Analistas veem a votação prevista para hoje na CCJ como um teste para a capacidade de articulação do governo, diante das etapas enfrentadas na primeira etapa de tramitação do projeto.

Outro assunto no radar do mercado financeiro era a reunião do governo com caminhoneiros. Parte das lideranças da categoria dizia que poderia fazer nova greve, depois que a Petrobras anunciou reajuste de 4,8% no diesel. Ontem, porém, foi fechado um acordo com o governo.

A alta do preço do petróleo no mercado externo garantiu valorização de 0,32% para os papéis ordinários da Petrobras, que encerraram o dia valendo R$ 30,86. O avanço na cotação do barril foi motivado pela decisão do presidente Donald Trump de estender as sanções a todos os países que compram petróleo do Irã.