O globo, n. 31307, 25/04/2019. País, p. 4

 

Altos e baixos da articulação no Congresso

Eduardo Bresciani

Bruno Góes

25/04/2019

 

 

Após vitória na CCJ, relator do pacote anticrime renuncia à vice-liderança do governo

Durou menos de 24 horas o clima de entusiasmo entre os aliados do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, após a aprovação da proposta de reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ontem, o coordenador da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PR-SP), renunciou à função de vice-líder do governo na Casa afirmando que a articulação do Palácio do Planalto“vai de mala pior ”. Relator, no grupo de trabalho, do pacote anticrime enviado à Câmara pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, Augusto ainda criticou os líderes escolhidos por Bolsonaro.

— Eu estava acreditando que pudesse contribuir e estou vendo que a articulação está indo de mala pior. Eu me sinto impotente —disse Augusto.

As reclamações de Augusto indicam que a construção da vitória na CCJ foi feita sobretudo pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes, coma atuação direta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e passou ao largo do Planalto. A Casa Civil de Onyx Lorenzoni e a própria Presidência da República não teriam acompanhado de perto as tratativas.

Após mais de nove horas de uma sessão tumultuada, o texto da reforma da Previdência foi aprovado por um placar folgado de 48 votos a favor e 18 contrários, um sinal de que, apesar dos problemas, a articulação vem trazendo resultados, mesmo que não seja diretamente vinculada ao Palácio do Planalto. (Detalhes nas páginas 19 e 20).

Para todos os lados

Ao listar dificuldades, Augusto afirmou que o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), não foi aceito pela Casa eque a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), é “estrela”. Sobrou também para o líder do PSL, deputado Delegado Waldir (GO), descrito como “caricato”.

— Não dá. Coloca como líder do partido do Bolsonaro o Delegado Waldir, que é caricato. É meu amigo, ma sé briguento, não dialoga, ninguém o leva a sério, não é bom de discurso. O Major Vitor Hugoétra balhador, humilde, honesto, masa Câmara não aceitou, não deu certo, e (Bolsonaro) não devia ter pego do próprio partido. Para piorar, coloca a Joice como líder no Congresso, o que também não dá. Ela é muito estrela, não desce para o corpo a corpo com os deputados, e é combativa demais com a esquerda, inviabilizando qualquer acordo para votações — disse Augusto.

Os três líderes criticados pelo coordenador da bancada da bala evitaram ontem comentar as declarações.

Waldir assumiu a liderança sob as bençãos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSLSP), filho do presidente. Ele, porém, passou a fazer seguidas críticas ao governo, principalmente à falta de diálogo com o Congresso. Apesar de vocalizar algumas reclamações comuns às feitas por outros líderes, Waldir não consegue ele próprio construir pontes, justamente por não ter interlocução com o Planalto. Ele não tem conversas diretas com Bolsonaro ou ministros do Planalto há mais de três meses.

Já Vitor Hugo foi uma escolha pessoal do presidente, que se considerava devedor por ter lhe tirado o comando do partido em Goiás para entregar a Waldir no ano passado. Parlamentar de primeiro mandato e ex-consultor legislativo da Casa, Vitor Hugo não é chamado para reuniões feitas por líderes na casa do presidente da Câmara em que o rumo de votações é decidido. Ele mantém contato direto com o governo, mas é ignorado na Casa.

Joice, por sua vez, é criticada pela busca de holofotes. Também novata na Câmara, ela era influente em redes sociais antes de chegar à Casa. Apesar de ter um bom trânsito com Maia, a avaliação de deputados é que Joice não tem poder de fato junto ao governo.

Sobrecarga

Outra dificuldade apontada por Capitão Augusto é que Onyx, na sua avaliação, está sobrecarregado por acumulara articulação política coma gestão de programas de governo. E o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz, “parece que não gosta de parlamentar ”. Acrítica sobre o excesso defunções atribuídas a Onyx é partilhada pelo presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), e outros parlamentares em conversas reservadas.

A avaliação é que o titular da Casa Civil não delega tarefas por ter medo de ficar vulnerável no cargo. Há ainda queixas de que acordos fechados por ele são desfeitos pelo presidente ou outros ministros. No caso de Santos Cruz, quete macha vedo cofre das emendas parlamentares, a relação como Congresso é protocolar.

Apesar das críticas de Augusto serem compartilhadas por outros aliados, há explicações para a sua saída. Um outro vice-líder do governo afirmou que, como policial militar, o deputado teria dificuldades para apoiar trechos da reforma da Previdência que alteram as regras de aposentadorias e pensões desse grupo.

A atuação de outros vice-líderes, no entanto, também está sob contestação. Alçado ao cargo por ser considerado influente na bancada evangélica, o deputado Marco Feliciano (PODE-SP) pouco tem conseguido atuar no grupo.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Disputa ideológica no governo chega até a Wikipédia

Tiago Aguiar

25/04/2019

 

 

 Recorte capturado

 

 

Dois computadores de órgãos federais foram usados para briga semântica entre os termos ‘ditadura militar’ e ‘regime militar’

Dois computadores do governo federal se envolveram em uma disputa semântica na enciclopédia digital Wikipédia a partir de uma questão histórica. Um terminal da rede do Serviço de Processamento de Dados do Governo Federal (Serpro) mudou o verbete ligado ao ex-presidente Emilio Garrastazu Médici, alterando o termo “ditadura militar” para “regime militar”. A mudança aconteceu na quinta-feira da semana passada.

Minutos depois, um computador ligado ao Ministério da Saúde alterou o verbete, invertendo de “regime” para “ditadura”, mas em outro trecho do artigo. A primeira alteração, que partiu da rede do Serpro, ocorreu às 18h30m do último dia 18, no primeiro parágrafo do artigo sobre Médici, na frase que diz que ele “foi o 28º Presidente do Brasil, o terceiro do período da ditadura militar”.

Às 18h45m, em outro trecho, parágrafos que tinham a redação “regime militar” tiveram alteração inversa: “pelo menos dois fatos fizeram de Médici um dos mais incomuns presidentes no regime militar, inaugurado em 1964”.

As alterações foram identificadas por um robô que monitora mudanças na Wikipédia a partir de computadores das redes dos três poderes federais. O programa usado, que publica em tempo real cada alteração em um perfil do Twitter, é chamado “Brasil WikiEdits”. O programa é o mesmo que identificou alterações no verbete da jornalista Míriam Leitão , em 2014, também partidos de computadores do governo.

O Serpro administra uma rede que provê acesso à internet de órgãos públicos em todo o país ligados ao Poder Executivo. No sistema de cadastros de computadores do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (Nic.br), um servidor do próprio Serpro, Tiago Almeida Fraga, aparece como responsável pelo registro.

Em nota, o órgão disse que a alteração realizada na Wikipédia não partiu das instalações do Serpro, mas que “não está autorizado, por questões contratuais, a divulgar informações de acesso de seus clientes à rede”. O Ministério da Saúde disse que está investigando a origem da mudança.

Na Wikipédia também é possível resgatar que o IP — identidade digital que permite saber a origem das publicações —ligado ao Serpro já fez mais de cem alterações na enciclopédia digital desde o começo de 2018.